Um homem morto não escreve poemas. Pode deixá-los soltos, riscados em pedras, fornecer ao universo seus espasmos criativos, interferir na natureza sorrindo ou chorando, maleando os elementos ao seu dispor.
Esta noite pensando em Rafaela lembrei das flores no jardim, que são belas, atraem insetos simpáticos para a polinização, participam do grande espetáculo da vida e morrem.
Pessoas como ela são como as flores mais breves, cuja continuidade existencial permanece apenas nos corações.
Dezesseis anos e muita saudade associada a breve felicidade, um tempo curto se comparado ao tempo da existência humana, insignificante para os números do universo.
Sentimentos e medidas de tempo não combinam certamente. Ontem ela nasceu, ontem ela morreu. O corpo se foi e ficou a lembrança a alimentar o espírito. Passeando comigo de vez em quando, olhando os irmãos que pouco puderam vê-la. A vida tem suas regras e a regra da vida era esquisita, emprestando sua companhia. Ela se foi e por causa disso eu fui também. Um fantasma que espreita a vida escreve textos.
Alguns poemas. Zumbi das letras. Ainda não morri totalmente, mas as letras vivas não revelam todas as emoções de um poeta morto.
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