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Ensaios-->Como se fabrica a História do Brasil, os Quintos do Inferno -- 13/09/2007 - 10:50 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Programa 'Fantástico', da TV Globo - 09.09.2007

Dia de Fúria

http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1629846-4005,00.html

O primeiro episódio da série 'É muita história' é sobre a Independência, que comemoramos na última sexta-feira. O historiador Eduardo Bueno defende, com graça e simpatia, uma nova tese sobre o grito do Ipiranga.

O primeiro episódio da série 'É muita história' é sobre a Independência, que comemoramos na última sexta-feira. O historiador Eduardo Bueno defende, com graça e simpatia, uma nova tese sobre o grito do Ipiranga.

Desde o Dia do Fico, em janeiro de 1822, a independência do Brasil era só uma questão de tempo. Ao decidir ficar no Brasil, desobedecendo ao pai, Dom João XVI, e afrontando as cortes de Lisboa, Dom Pedro deu um passo sem volta. Por que, então, Pedro esperou até setembro para dar seu grito? Por que no dia 7? E por que no meio do nada, às margens do riacho Ipiranga?

Pedro Bial, lendo um livro escolar: “Dom Pedro chegava a São Paulo quando recebeu correspondência de Lisboa. Nas cartas, ele era chamado de ‘rapazinho de carreira criminosa’. José Bonifácio, seu principal conselheiro, disse: ‘Senhor, os dados estão lançados e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores”.

Eduardo Bueno: Mas essa é a história oficial. Não significa que ela não esteja certa - as coisas foram mais ou menos assim. A cena é que não foi a mesma retratada no famoso quadro “O brado do Ipiranga”, de Pedro Américo. Gestos heróicos não têm arte final.

Pedro Bial, lendo o livro escolar: “Não hesitou o príncipe e aceitou abertamente a luta, levantando o brado de ‘Independência ou morte!’”.

Eduardo Bueno: Ele teve várias chances antes de declarar a independência. O grito do Ipiranga pode, sim, ter sido fruto de um dia ruim do príncipe, um dia de fúria. Naquele dia, Dom Pedro tinha mesmo muitos motivos para estar à beira de um ataque de nervos. Entre São Paulo e Rio de Janeiro o percurso era uma trilha, que era a Via Dutra, uma trilha indígena, que os índios percorriam desde a pré-história. Eram 607 quilômetros pela trilha de lama, de barro. Hoje são 405 quilômetros. Em São Paulo, estava havendo uma espécie de conspiração contra ele. Dom Pedro foi do Rio até São Paulo para restabelecer a ordem. Na altura de Jacareí, ele saltou para dentro do rio, jogou-se de cavalo dentro do rio, atravessou o rio a cavalo, mas estava frio e ele ficou molhado. Ele olhou para um cara que tinha mais ou menos o tamanho dele e disse: ‘Tira a calça e dá para mim’.

Pedro Bial: Tudo bem, viagem estressa mesmo. Mas só isso não sustenta a tese do dia de fúria. É verdade que, ao chegar a São Paulo, nosso príncipe não foi recebido por revoltosos, como temia, mas por coisa ainda mais ardente, pelas labaredas da paixão?

A atriz Ana Moraes declama: “Estava aqui perdida em meus pensamentos, saboreando as doces lembranças, quando vi vocês chegarem. Sejam bem-vindos a São Paulo! Meu nome? Domitila de Castro Canto e Melo. Com apenas 16 anos, fui dada em casamento. Era um homem muito ciumento e, certa vez, em um de seus ataques de ciúmes, agrediu-me com uma facada. Eu me separei, voltei para São Paulo, onde conheci meu príncipe. Iniciei um apaixonado romance com Dom Pedro I.”

Pedro Bial: Mas Dom Pedro se mordia de ciúmes, porque do Palácio São Cristóvão, ele via a casa dela e via as luzes acesas até altas horas da noite...

Eduardo Bueno, para Ana Moraes: Você acha que a paixão pode ter virado a cabeça de Dom Pedro e o levado a proclamar a independência? Houve um estresse de paixão?

Ana Moraes: Eu acredito que houve, sim, uma paixão, um movimento muito maior do que político para que ele fizesse o que ele fez. Houve uma magia de alma, de amor, muito pura.

Eduardo Bueno: Eles viveram o caso de adultério mais oficial da história do Brasil. Isso acabou afastando Dom Pedro da mulher, a D. Leopoldina, e do seu principal conselheiro, José Bonifácio.

Pedro Bial: Sua tese do dia de fúria ganha um pouco mais substância, porque oito dias antes do brado do Ipiranga, ele se apaixona. Mas ainda não estou convencido...

Eduardo Bueno: Mas nessa viagem ele conheceu também a rejeição, um dia antes da independência, dia 6 de setembro...

Pedro Bial: O historiador Tarquínio de Souza disse assim: “Atravessava o futuro imperador viela pouco freqüentada de Santos, quando se lhe deparou jovem mulata, de grande beleza. Em movimento rápido, de quem não queria perder a caça, segurou-a pelos ombros e estalou-lhe de surpresa um beijo no rosto. Não tardou o revide: respondeu a rapariga com uma bofetada na bochecha do desconhecido e escapuliu”. Aí o imperador tentou comprá-la e o proprietário disse que era uma mucama de estimação.

Eduardo Bueno: Fazia uma semana que ele tinha conhecido aquela que ia virar a maior paixão da vida dele, Domitila, a Marquesa de Santos. Rejeição, ainda mais com tapa na cara, pode ser bem estressante...

Pedro Bial: É verdade, está ganhando pontos essa tese do dia de fúria. Mais algum argumento?

Eduardo Bueno: A imprensa.

Pedro Bial: Havia liberdade de imprensa naquele momento?

Eduardo Bueno: Fazia um ano que tinha começado, em 1821. E os jornais vieram com tudo. Dom Pedro era atacado diretamente nos jornais, mas também respondia, usando pseudônimo.

Pedro Bial: Mais algum argumento?

Eduardo Bueno: Comida de beira de estrada...

Eduardo Bueno, lendo uma receita do século XIX: “Ponha-se em uma panela um pedaço de vaca muito gorda, uma galinha, um pato, uma perdiz, um pombo, um coelho, uma lebre e havendo, uma orelha de porco, um pedaço de lacão (presunto), chouriços, lingüiça e lombo de porco, com nabos, se os houver”.

Pedro Bial: E a qualidade da água em Santos?

Eduardo Bueno: Salobra, a situação sanitária da cidade era das piores. Durante muito tempo Santos foi um lugar perigoso por causa disso. E a quantidade de vinho? Sabemos que o príncipe bebia também.

Pedro Bial: Depois ele sobe em cima de uma mula para ir para São Paulo, serra acima...

Eduardo Bueno: Piriri, diarréia, aflitamento ou, como se dizia na época, fluxo de ventre. Chame como quiser – o fato é que foi um torrencial desarranjo intestinal que levou a comitiva de Dom Pedro a parar às margens do riacho Ipiranga. O que não estava nada plácido naquela tarde de 7 de setembro de 1822 era o estômago do príncipe.

Pedro Bial: Viagens longas e estafantes, calúnias dos jornais, paixões arrebatadoras, rejeição, indigestão... Eu admito que faz sentido. Mas supondo que sua tese de dia de fúria esteja correta, então o quadro “O brado do Ipiranga”, de Pedro Américo, é uma obra de ficção...

Eduardo Bueno: Quase isso, pelo menos, de acordo com as testemunhas oculares da história, com por exemplo, o padre Belchior Pinheiro. Aliás, foi ele que leu as cartas da Dona Leopoldina e de José Bonifácio que vieram do Rio para o príncipe. O padre diz no livro dele: “Ele, o príncipe, vinha de quebrar o corpo à margem do riacho Ipiranga, agoniado por uma disenteria, que apanhara em Santos, com muitas dores. Depois de ouvir minha leitura, tremendo de raiva, arrancou o príncipe de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisoteou-os, deixou-os na relva. Depois, abotoando-se e recompondo a fardeta, virou-se para mim e disse: ‘Diga à minha guarda que eu acabo de fazer a independência completa do Brasil. Estamos separados de Portugal...” Eram 16h do dia 7 de setembro de 1822 e o sol brilhou no céu da pátria naquele instante. O quadro de Pedro Américo foi feito 66 anos depois da cena que descreve. O próprio Pedro Américo não era nem nascido quando a independência foi proclamada e ele se baseou em um outro quadro,“A Batalha de Friedland”. Ele inclusive escreveu um livro, explicando passo a passo como ele fabricou essa história.

Pedro Bial: Posso dizer que toda história é fabricada?

Eduardo Bueno: É e isso não é todo ruim. O problema é que não podemos ficar só com uma versão, a versão cristalizada, oficial da história.

Pedro Bial: Os melhores historiadores do mundo dizem: a história está sempre se fazendo e refazendo.

Eduardo Bueno: Então, vamos fazer história?

Pedro Bial: Vamos e entender que a história é feita de gente de carne e osso...

Eduardo Bueno: E de intestinos...

***

PS: Leitores: atentaram bem para o texto? Então 'posso dizer que toda história é fabricada'? Atentaram bem? Iluminem-me: é assim que estão fazendo com as FF. AA.?

Valério Weber


Obs.: Texto extraído de http://www.reservaer.com.br/, link 'Leitura Recomendada' (F.M.).



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