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Contos-->Um mero detalhe -- 15/12/2002 - 04:13 (Vinicius Marinho Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

UM MERO DETALHE

1 - UMA BREVE INTRODUÇÃO.

A história do futebol carioca e brasileiro confunde-se com a do Fluminense. Este esporte, que chegou ao Brasil através de Charles Miller, foi introduzido no Rio de Janeiro por Oscar Cox que, assim como Miller, foi um brasileiro que durante a juventude foi estudar na Inglaterra e lá conheceu esse novo desporto. Como o número de praticantes crescia a cada dia, Cox viu a necessidade de criar um clube que representasse a cidade nas competições que certamente surgiriam. Assim, em 21 de julho de 1902, Oscar Cox e mais vinte membros fundaram o Fluminense Football Club, o primeiro clube exclusivamente de futebol do Rio e também um dos pioneiros no Brasil. Os anos foram passando, o esporte foi se popularizando e muitos e diferentes títulos depois, o tricolor das Laranjeiras se transformou num dos principais times do Estado e do Brasil.
Com uma torcida fanática e apaixonada, o Fluminense proporciona espetáculos para sua torcida quase todos os fins de semana no Maracanã, o maior e um dos mais famosos estádios do mundo. É o palco predileto dos jogadores tricolores e, com certeza, dos torcedores. É nesse verdadeiro templo sagrado do futebol que, religiosamente, milhares de pessoas pagam para assistir o tricolor jogar e o resultado da partida, às vezes, pouco importa. O que realmente vale é a festa que acontece nas arquibancadas, a satisfação e a incomparável sensação de ver, mais uma vez, o time entrar em campo. Sem dúvidas, existe uma cobrança, afinal todo mundo quer ganhar e levantar troféus, mas o amor dessas pessoas é incondicional, nunca vão virar a casaca e vão morrer tricolor.
No meio do futebol, no chamado mundo da bola, o Fluminense é conhecido por todos como o “ timinho ”. Esse apelido foi dado pela imprensa e pelas torcidas adversárias e ele tem um motivo bem simples: o time sempre foi montado com jovens formados no próprio clube e por outros jogadores totalmente desconhecidos, atletas que teoricamente não serviriam para usar tão gloriosa camisa. Essa prática ficou conhecida como a política do “BBB”, ou seja o bom, bonito e barato e, incrivelmente, sempre funcionou. O time sempre era considerado zebra nas competições, ia bem devagar no começo, como quem não quer nada, ganhando uma partida aqui e outra ali, e no final das contas levava a taça para a sala de troféus das Laranjeiras. Outros times tentaram seguir essa fórmula, mas parece que só a mística da camisa tricolor faz isso dar certo. É impressionante!
Apesar de todo um passado de glórias e tudo mais, uma coisa é certa, nos últimos tempos, torcer para o Flu é sinônimo de sofrer. O clube passou por momentos difíceis, andou pela Segunda e Terceira Divisão, vem se recuperando, contudo ainda não proporciona as mesmas alegrias de antigamente. A torcida, sempre esperançosa, acredita que a maré vai virar uma hora ou outra e continua sua peregrinação para os seus templos prediletos, os estádios.

2 – O MOTIVO DA PAIXÃO.

O Fluminense é, provavelmente, o único clube decente que existe no bairro de Laranjeiras. Ele tem uma bela estrutura, com direito a piscina olímpica, quadras de tênis, ginásio poliesportivo e aulas de praticamente todos os esportes que existem, indo do tênis de mesa ao pólo aquático, passando pelo vôlei de quadra e o mais procurado de todos, o futebol. É certo que a maioria dos associados é composta por torcedores do Fluminense, mas é inegável que há uma meia dúzia de gatos pingados que torcem pelos demais times da cidade. Eles se mantêm anônimos, têm receio de revelar essa “ identidade ” secreta, até para não criar nenhum tipo de confusão, e são unânimes em afirmar que, apesar do amor que têm pelos seus clubes do coração, não trocam o Fluminense por nada.
Foi no meio desse ambiente, digamos, tricolor que Gérson nasceu e foi criado. Desde guris, ele e seu irmão Paulo César foram levados ao clube pelos pais, que simplesmente os largavam lá para brincar e fazer o que quisessem, só buscando-os ao anoitecer. É claro que os meninos adoravam e, como moravam no bairro mesmo, a escolha pelo Fluminense era óbvia. Sem pressão nenhuma foram se tornando torcedores tricolores, mas, certamente, não escapariam desse destino, já que o pai dos meninos, Seu Altair, é Fluminense roxo. Sua fixação pelo clube começou quando era apenas um garoto. Seu pai, Adolfo Nunes, fazia questão de levá-lo aos jogos para que se contagiasse com o Flu. E ele acabou pegando essa febre. Tornou-se um tricolor doente, daqueles que inventa uma desculpa qualquer para a mulher para ir ao jogo, e quando seus dois filhos nasceram, não teve dúvidas. Vestiu os pimpolhos de verde, branco e grená e passou a levá-los a todos os jogos e a frequentar o clube. O time está tão presente na vida de Seu Altair e dos seus filhos que seus nomes são homenagens a antigos jogadores do Fluminense. Falamos de Altair, que foi um grande zagueiro do tricolor nos anos 40, de Gérson, o “canhotinha ” de ouro, e de Paulo César Caju, tri-campeão mundial em 70 e ídolo de Seu Altair no futebol.
Talvez, um dos dias mais felizes de sua vida seja o que Paulo César nasceu. Era uma manhã de terça-feira, com chuva, quando Dona Mara deu a luz ao primeiro rebento do casal. A ansiedade pelo nascimento era enorme, mas, apesar disso, o nome ainda era uma dúvida - estavam pensando em algo bem comum, tipo Marcelo ou Pedro, o preferido de Dona Mara. A incerteza foi tirada quando Seu Altair estava a caminho do hospital, na noite anterior ao nascimento, na volta do trabalho. Ele casualmente – talvez coisa do destino, sei lá? - cruzou na porta da clínica com seu grande ídolo até então, Paulo César Caju. Aquele inesperado encontro deixou Altair sem fala, não sabia o que fazer direito quando se viu na frente de tão importante pessoa. Entre diversos pensamentos a única coisa que conseguiu pronunciar foi:
- Olha, eu sei que você nunca me viu na vida e que isso pode parecer muito estranho, mas eu sou um grande fã seu, sempre admirei seu futebol e gostaria de te pedir uma coisa muito importante. Você tem que ser o padrinho do meu filho que vai nascer agora. Sabe, eu acredito muito em destino e o simples fato de te encontrar aqui, nesse momento tão importante, me deixa com a certeza de que esse moleque vai ser especial. Você tem que fazer isso, por favor. – disse Altair, que ao mesmo tempo que falava, segurava o braço do jogador e o arrastava para dentro do Hospital. Caju desconversou, falou que seria uma grande honra e tudo mais, contudo mal o conhecia e, portanto, não seria justo com seus familiares que um total estranho ficasse com essa homenagem. Depois de muita conversa e uma promessa de visita, o jogador acabou por demovê-lo da idéia, mas, em contrapartida, Altair tirou a dúvida em relação ao nome do menino. Seria Paulo César e não se falava mais nisso.
O tempo foi passando, a identificação dos meninos foi aumentando, e, hoje em dia, a família Nunes Pedreira vai quase que completa aos jogos. Ficam em casa, torcendo pela televisão mesmo, Dona Mara que, na verdade, nunca fora realmente muito chegada em futebol, e Paulo César, que com o passar do tempo foi perdendo o tesão de ir às partidas. A verdade é que, à medida que foi crescendo, Paulo César foi se tornando uma pessoa muito devagar, introvertida, não gostava muito de sair de casa, e, portanto, Maracanã lotado definitivamente não era com ele. Preferia muito mais o conforto do seu sofá e uma coca-cola gelada ao seu lado do que se espremer com mais setenta mil pessoas. Seu irmão até que o incentivava, nunca desistiu de convencê-lo, e sempre o chamava para os jogos. Mas Paulo César se saía com as justificativas mais insólitas possíveis. Numa hora dizia que o jogo não era importante, na outra reclamava que o jogo estaria lotado demais, em outra oportunidade dizia que estava ventado muito, ou seja, ele sempre aparecia com uma justificativa original e fantasiosa para não sair de casa. Seu arsenal de desculpas parecia inesgotável, era incrível a sua criatividade. Apesar disso, seu amor pelo time das Laranjeiras era irrestrito, não perdia um jogo pela tv e sempre acompanhava as notícias do clube no jornal. Ele simplesmente não gostava de se deslocar para ver seu time de coração entrar em ação. Qual o problema disso?
Já Seu Altair e Gérson eram justamente o oposto. Disposição para torcer não faltava aos dois. Conheciam todos os estádios da cidade, sem exceção. Rua Bariri, São Januário, Gávea, Caio Martins, Conselheiro Galvão, todos esses locais não eram mistério para eles, que conheciam tudo com a palma da mão. Onde quer que o Fluminense estivesse, eles estariam lá, não importava onde. Assistiam até jogo de juniores, sempre com a expectativa de descobrir mais um novo craque para o Fluminense. No entanto, por superstição, coisa do velho Altair, nunca sentavam perto um do outro. Só se encontravam no final dos jogos para irem para casa. No carro, gostavam de comentar as atuações dos jogadores - para o melhor a suite Champion e para o pior a pensão da Cremilda - e fazer uma análise da partida. Pai e filho eram bastante unidos pelo clube tricolor e o clube fazia parte da vida deles.
Na época da penúria tricolor, quando o Fluminense foi parar na Terceira Divisão, Seu Altair quase teve um treco, indo até parar no hospital. O dia da queda foi o mais triste já registrado na família, parecia que alguém tinha morrido. Era impressionante como os resultados dos jogos influenciava na vida e no humor dos Nunes Pedreira. Quando a equipe ganhava era uma festa total, que se refletia no relacionamento de todos da casa. Dona Mara não dava bronca nos filhos, Gérson não tinha aquelas briguinhas, típicas de irmão, com Paulo César e Seu Altair vivia distribuindo dinheiro para os moleques. Era só pedir e se aproveitar da felicidade e da boa vontade do pai. Agora, quando o Flu era derrotado, principalmente num clássico contra o Flamengo, o bicho pegava. Eram brigas e palavrões para todos os lados, ninguém se tolerava e o clima da casa ficava tenso.
No entanto, nos últimos dias, o ânimo de todos estava elevado e a razão para esse clima era a contratação do Baixinho Romário. Gérson estava realizando um sonho ao ver o grande craque e seu maior ídolo, vestir a camisa do seu querido Fluminense. Durante a semana comparecera a todos os treinamentos só para vê-lo. Até Paulo César saiu da toca e foi com o irmão. Era o assunto do momento em casa e a expectativa por mais um jogo do Baixinho era enorme. Ficou decidido que todos iriam ao próximo jogo, clássico contra o Vasco, só ficando em casa Dona Mara, que não queria ir de maneira nenhuma. O tão esperado dia chegou e todos esperavam, ansiosos e felizes da vida, a hora de ir para o Maracanã.

3 – O DETALHE.

Seu Altair se considerava uma pessoa sem vícios. Não fumava, bebia socialmente e nunca usara qualquer tipo de droga na vida - aliás isso o revoltava. Se orgulhava disso e fazia questão de cobrar um comportamento semelhante dos filhos. E eles não decepcionavam o velho. Nunca deram trabalho com essas coisas e levavam uma vida tranquila, sem maiores problemas. Talvez, seu calcanhar de Aquiles fosse a sua fixação por ganhar na loteria esportiva. Religiosamente, todas as semanas, ele se dirigia a casa lotérica e fazia uma fézinha. Como se achava um entendido em futebol, - a primeira coisa que lia no jornal era o caderno de esportes - sua esperança era inesgotável. Uma hora ele tinha que acertar e ser recompensado, a combinação tinha que ser favorável ao menos uma vez. Um belo dia fez catorze pontos e o único jogo que errou foi Náutico e Cruzeiro, no Mineirão, válido pelo Campeonato Brasileiro de 90. Nessa tarde, não desgrudou a orelha do radinho, acompanhando os resultados, e já comemorava a conquista do prêmio quando soube que Bizu marcara o gol da vitória do Náutico, no finalzinho do jogo. Quase desmaiou, não podia acreditar naquela zebra sem precedentes. Ficou faltando um mísero jogo, Náutico e Cruzeiro... Ele nunca mais esqueceu aquele atacante pernambucano – nos dias seguintes se referiu a ele como o cabeçudo do norte - que acabou com o seu sonho. E o pior de tudo, ia ganhar o prêmio sozinho. Ficou arrasado por semanas e nem a vitória do Flu o tranquilizou.
Dos dois filhos, Seu Altair se dava melhor com Gérson. O menino era mais parecido com o pai, gostava de rua, era falante e extrovertido. Altair se identificava muito com o filho mais novo. Via-se no garoto, lembrava-se dos tempos em que era um adolescente de deseseis anos. Gérson correspondia e andava para tudo quanto é lado com o pai. Não saía de perto dele e costumava acompanhar o pai para todos os lados, seja nas peladas de sábado de manhã no Fluminense ou nas apostas da loteria esportiva. Sempre dava seus palpites nos jogos e aquele fatídico Cruzeiro e Náutico havia sido uma escolha sua. Ficou tão arrasado quanto o pai, mesmo sem entender muito bem o que tinha acontecido.
Já Paulo César era colado com a mãe. Ele se dava bem pra burro com o irmão, afinal dividiam o mesmo quarto e viviam as mesmas experiências, e brigava por besteiras com seu pai. Uma hora era a tampa da privada, noutra era o som muito alto, e, no final das contas, Dona Mara sempre se intrometia nas discussões para amenizar a barra do filho. Ela era uma espécie de mediadora no relacionamento dos dois e fazia de tudo para que eles se aproximassem um pouco mais. Gérson também dava sua contribuição e tentava aproximá-los. De qualquer forma, todas essas brigas eram esquecidas com uma vitória no fim de semana e esse clima favorável durava até a próxima partida do tricolor.
Era uma bela tarde ensolarada, o almoço estava na mesa e o clima para o jogo era dos melhores. O papo até que passou perto de política e economia, mas ninguém conseguiu evitar o assunto Romário. Seu Altair foi tomando a dianteira e contou o episódio em que, pela primeira vez, percebeu aquele atacante promissor do Vasco.
- O jogo já tava decidido. O Vasco ganhava da gente de dois a um e nós ainda estávamos com um homem a menos. Aquele desgraçado recebeu uma bola no meio de campo, passou por dois jogadores do Fluminense e, na seqüência, perdeu a bola. Até aí, nada demais, a jogada teve prosseguimento, mas eu, não sei por que cargas d’água, continuei olhando para ele, meio que hipnotizado. Romário foi até a linha lateral e pediu um pouco de água para alguém do banco. Ele permaneceu ali, tranqüilo, ao lado da linha lateral, e enquanto bebia, dentro de campo, a bola havia sido recuperada pelo Vasco. Foi aí que eu vi a genialidade dele de perto pela primeira vez. Um perna-de-pau do Vasco, que eu não lembro quem era, lhe passou a bola e ele, com o copo na mão, matou a bola suavemente no peito, deu um drible desconcertante no zagueiro que vinha no seu encalço e lançou uma bola magistral para o Vivinho, que quase fez o gol. E isso tudo num espaço mínimo. Depois, como se nada tivesse acontecido, terminou sua água. Eu achei aquilo brilhante e, a partir dali, passei a cobrar sua convocação. Sinceramente, nem o Garrincha eu vi fazendo aquilo. Foi realmente demais!
O almoço continuou com aquele espírito alegre se mantendo no ar. O otimismo tomava conta da casa. Todos acabaram e o clima estava tão leve que nem teve discussão para saber quem ia lavar os pratos. Na hora de ir estavam com um sorriso estampado no rosto e durante o caminho foram cantarolando o hino do Fluminense. Saíram de casa bem cedo para não pegarem engarrafamento e encontrar confusão na bilheteria. O jogo estava lotado, havia rumores de que todos os oitenta mil ingressos haviam sido vendidos, e milhares de tricolores enfeitavam as ruas com camisas e bandeiras. Até Paulo César estava eufórico e parecia não se incomodar com todo aquele tumulto que estava ao seu lado. Subir a rampa do Maracanã e atravessar o curto acesso para, enfim, ver o gramado é uma sensação que não tem preço. É o momento mais esperados por muitos torcedores e com aquele trio não era diferente. Ao ver o gramado, entreolharam-se e deram um sorriso de satisfação. Estavam em casa! Separaram-se, como era de costume, e foram para seus respectivos lugares. Gérson e Paulo César para um lado, Seu Altair para outro.
Os times estavam em campo e o jogo já estava para começar. Com a bola rolando o que se viu foi uma partida muito disputada, com os jogadores se matando pela disputa da bola e o juiz tendo muito trabalho para conter a ímpeto dos artistas em campo. O primeiro tempo terminou sem muitas emoções, o zero a zero se mantinha no placar, e os dois irmãos decidiram ir ao banheiro. No caminho, aquela habitual análise da partida, típica dos técnico-torcedores:
- É brincadeira o que esse árbitro está fazendo. Pára o jogo toda hora, marcando tudo o que é falta! E outra coisa, esse Flávio não joga nada, tem que tirar ele logo. – disse Paulo César.
- Ah, não fala besteira! Quem vai entrar no lugar dele, não tem ninguém no banco. Vai botar o Júnior César. Eu acho que nós temos é que tocar melhor a bola, fazer eles correrem atrás da gente, e, quando abrir uma brecha, enfiar a bola no Baixinho que ele decide. Pode apostar. – respondeu Gérson. Um grupo de torcedores passava ao lado dos meninos e acabaram se juntando a resenha que faziam. Todos concordavam que se a bola chegasse no Romário em boas condições, o gol acabaria saindo. Continuaram conversando durante todo o intervalo e acabaram por sentar todos juntos, fazendo uma corrente positiva pelo Flu. Isso é o tipo de coisa que só um Maracanã pode proporcionar. Só lá é possível que pessoas totalmente estranhas se reunam e conversem, como se conhecessem a anos. Quem costuma ir aos jogos sabe o que isso significa. É uma típica súbita amizade de noventa minutos .
Partida recomeçada e o clima tenso continuava em campo. Com quinze minutos do segundo tempo veio a primeira decepção, gol do Vasco. Todos se entreolharam, perplexos e revoltados, mas Gérson mantinha seu otimismo:
- Nós vamos virar. De virada é mais gostoso, vocês vão ver! – gritou. Logo depois, veio a segunda decepção. Fabinho, meio de campo do Fluminense, fez mais uma entrada violenta e, como já tinha recebido um cartão amarelo, foi justamente expulso. O desespero tomou conta, alguns já pensavam em ir, para evitar as gozações dos vascaínos na rampa, e o clima não era dos melhores.
O jogo chegava a trinta minutos do segundo tempo, quando o Fluminense conseguiu uma falta despretensiosa na lateral do campo, bem pertinho da banderinha de córner. A torcida se levantou ansiosa, era uma das únicas chances do time, mas todos ficaram em silêncio, prestando bastante atenção, aguardando o desfecho da jogada. Dois jogadores se aproximaram para a cobrança. Paulo César se virou para o irmão e indagou:
- É melhor deixar o Ian bater essa falta, não acha?
- Não sei não. O Marquinhos pega bem na bola, eu acredito mais nele. – respondeu. Num ato de desabafo, segundos antes da cobrança e esbanjando confiança, Gérson se levantou do meio do grupo, que se encontrava em silêncio, e gritou:
- É agora pessoal, César de cabeça. – gritou, convicto.
Marquinhos bateu a falta, a bola foi fazendo sua trajetória e foi parar na cabeça de César e dali, para o gol. Gol do Fluminense, delírio total, especialmente para Gérson, que comemorava enlouquecidamente, correndo de um lado para o outro da arquibancada. Quando todos se reuniram novamente, ainda extasiados pelo momento, falaram para Gérson:
- Mas que boca, meu irmão. Essa foi inacreditável. Nunca vi isso na minha vida. – falaram. A torcida se inflamou e dali em diante só deu Fluzão, que passou a dominar o rival completamente. O segundo gol veio minutos depois, com um golaço de Beto. Fim de partida e a festa estava completa, virada espetacular do Fluzão e a família Nunes Pedreira em êxtase. Alegria de um lado, tricolores felizes como porco na lama, decepção do outro, vascaínos tristes como mulheres traídas. Mas, o esporte é assim mesmo, sempre há vencedores e perdedores.
Gérson estava eufórico e, para completar sua alegria, não parava de ganhar cumprimentos pela incrível previsão. Era, certamente, um dos dias que mais saia realizado do Maracanã, afinal dera uma de Mãe Dinah e o Fluminense havia vencido de forma sensacional. Estava duplamente feliz e no caminho de volta para casa não falou de outra coisa. Seu Altair, contagiado pelo fato comentou sorridente:
- Que vitória maravilhosa! O Flu ganha de virada do bacalhau e meu filho ainda incarna o espírito do Sobrenatural de Almeida. Que beleza!
Os três estavam muito empolgados, se abraçavam e riam sem parar, como a muito não faziam, e, ao chegarem em casa, tiveram uma ótima surpresa. Dona Mara os aguardava com um sorriso impagável no rosto e um belo jantar na mesa. Como não poderia deixar de ser, Gérson foi logo contando a sua proeza:
- Mãe, você tinha que ver. Que vitória, que partida. E ainda aconteceu uma coisa incrível.
- O que meu filho?.
Gérson contou tudo, tin tin por tin tin, contando como estava confiante e de como estava realizado e feliz por aquilo ter acontecido. Dona Mara, boba com aquela história toda, ficou sorridente e comentou:
- Incrível como você presta atenção nas pormenoridades das coisas, meu filho. É demais!
Gérson nem conseguiu dormir direito aquela noite. Não conseguia parar de pensar naquela tarde memorável e na sua incrível previsão. Estava se achando o Nostradamus, o homem capaz de adivinhar todas as coisas. No dia seguinte contou para todo mundo no colégio, orgulhoso, como se aquilo tivesse sido seu maior feito na vida. Estava realizado
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