Uma passarinha virtual no vidro da minha janela
Tempos atrás, quando estava dormindo, enroscado num daqueles terríveis pesadelos, que à s vêzes tomam conta da gente, acordei com o barulho de alguma coisa se debatendo no vidro da grande janela que fica na sala da minha casa nas montanhas.
Uma zoeira inquietante.
Curioso, e já agradecendo o estranho hóspede por ter me tirado do fundo do poço onde estava, perigosamente equilibrado na aresta vertiginosa que fica entre a vida e a morte virtual dos nossos pesadelos, levantei, e, curioso, fui ver quem seria o barulhento visitante.
Era um passarinho, amarelado, listras marrons, topete vistoso, olhos cor de mel, elétricos e tristes. Ele voava para cima e para baixo, e nestes movimentos, tocava com força o vidro, passando a idéia que se debatia no mesmo.
No princípio não me aproximei muito da janela para não espanta-lo. Ele olhava para cima, para os lados, e subitamente subia até o alto, como que alisando o vidro com suas asas, e descia.
Eu não estava entendendo nada !
"Logicamente ele quer entrar", pensei.
Quando fui em direção da janela, ele voou, indo para um galho que fica numa árvore em frente. Como sempre estava frio. Uma neblina tomava conta da manhã seca. O rocio ainda parecia cochilar nas folhagens. O silêncio cortava mais que o frio, parecendo o fio de uma navalha acariciando nossa alma.
Seus olhos estavam cravados em mim.
Senti um tremor estranho. Alguma coisa esmagava o meu peito. Era aquela dor angustiante que sentimos, quando perdemos alguém que amamos. Ela nunca avisa que vai chegar, sempre aparece subitamente, em qualquer situação ou lugar. Não importa se o céu está azul, os raios de sol brilhando alegremente, a vida seguindo o seu curso normal, pois se a dor de uma paixão perdida, cismar de surgir dentro de nós, ela o fará de forma cruel e total.
Os olhos daquele passarinho me incomodavam.
Deixei a janela aberta para que ele entrasse.
Mas qual não foi a minha surpresa, quando ouvi mais tarde o mesmo barulho nos vidros. Mesmo com a janela aberta, ele continuava a subir e descer pelo vidro, numa bateção infernal.
Descobri que ele não queria entrar.
Dias depois, quando fazia a minha caminhada por uma trilha coberta de árvores, parei numa fonte para beber um gole d´água.
Quando terminei, senti que estava sendo observado. Olhei para os lados, nada. Mas, quando levantei a cabeça para olhar o sol, lá estava o passarinho da janela, firme e imponente, equilibrado no galho seco de um eucalipto.
Seu olhar estava calmo, diferente do primeiro dia que o ví. Seus olhos pareciam tristes, mas sorriam.
Lembrei-me do livro de Françoise Sagan, "Bom dia, Tristeza".
Falei um "oi".
Não se moveu. Apenas olhava. Voltei para casa.
Um plano maquiavélico invadiu a minha cabeça. Iria pegar aquele passarinho com um alçapão. Dentro dele, como chamariz, colocaria "waffles´, aquela panqueca canadense.
Os pardais adoravam aquilo.
No amanhecer do dia seguinte, quando ouvi o barulho no vidro, fui até a janela, e coloquei a armadilha com os pedacinhos de "waffles" dentro. Voltei para dormir.
Um enorme pesadelo me acordou . Suava frio.
Quando bebia um café, escutei o pio dilacerante de uma ave. Gelei. Lembrei da armadilha.
"Meu deus! Ele caiu lá dentro."
Corri para a janela, e lá estava ele atrás das grades. Peguei o alçapão, e levei para a mesa da sala de jantar.
Olhos espantados, olhava para mim, parecendo ainda não estar entendendo nada. E foi então que eu lí o seu olhar pela primeira vez. Ele me perguntou:
"Consegue ler o meu olhar ?"
"Sim", respondí cheio de espanto.
O mundo virtual havia me levado à loucura. Falar com um passarinho era o ponto mais alto que eu poderia ter chegado.
Precisava urgente quebrar o meu computador.
O emocionante mundo virtual estava entrando dentro de mim.
"Eu sou a nicka que você largou, dizendo que não sabia viver com a mulher que mais estava amando na sua vida."
"Você é a {passarinha_sorridente} ?"
"Agora sou a {passarinha_triste}."
"E você pode virar mulher novamente ?"
"Posso..mas não aqui...só quando voltar para o meu computador."
"Tente...por favor."
"Não posso! Continuo com os mesmos problemas...sou prisioneira do meu computador. E quando estou lá, sinto muito a tua falta. Você me dá ànimo para que eu continue vivendo,e voando no mundo virtual. Fiquei muito triste por ter me deixado."
"Eu não deixei você...apenas saí da tua vida. Aliás, porque caiu no alçapão, se sabia que iria ficar prisioneira ?"
"Eu adoro `waffles´, lembra-se ?"
"Mas eu não sabia que era você."
"Mas você sabe que toda passarinha adora `waffles´", disse ela sorrindo, com os olhos elétricos.
Eu também estava triste, mas dei um sorriso.
"Vou solta-la, mas antes queria te acariciar, sentir a suavidade de seu corpo. Estou tenso. Você é maravilhosa."
Coloquei-a na palma da mão, ela me olhava, uma lágrima escorregou pelos seus olhos, me deu um beijo, e disse:
"Vou embora, mas foi muito bom sentir as tuas mãos em cima de mim. Nunca esquecerei. Você é o meu sopro de vida. Sabe o que eu mais gostaria que acontecesse na minha vida ?"
"O que ?"
"Ao chegar lá no meu computador, encontrar um e-mail teu, com as seguintes palavras..."
E com os olhos mais lindos do mundo, completou:
"- EU TE AMO ! Quero ficar com você para sempre."
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