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Ensaios-->Chávez: O Brasil deve ter medo dele? -- 12/11/2007 - 12:12 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Brasil deve ter medo dele?

Por que o crescente poderio militar de Hugo Chávez ameaça a liderança brasileira na América Latina – e como o Brasil planeja modernizar suas Forças Armadas

Guilherme Evelin, Isabel Clemente e Matheus Leitão

Há mais de um século, o Brasil não se envolve em guerra com seus vizinhos. A última foi a Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870. Morreram 60 mil brasileiros. De lá para cá, o Brasil, maior país em extensão territorial e população da América Latina, tem mantido relações pacíficas no continente. O Brasil hoje também não tem disputas de fronteiras. Isso contribuiu para firmar a imagem do continente como uma das regiões mais estáveis e desmilitarizadas do mundo. Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), Instituto sueco dedicado ao monitoramento de gastos militares, a América Latina é a região do mundo que dedica proporcionalmente menos recursos aos orçamentos de suas Forças Armadas – 1,4% do PIB regional.

Desde 2005, um elemento perturbador foi introduzido nesse quadro de relativa paz e tranqüilidade. O governo Hugo Chávez, na Venezuela, começou a fazer compras maciças de equipamentos militares. A primeira investida venezuelana foi a compra de 100 mil fuzis de assalto Kalashnikov AK-103 e AK-104, fabricados na Rússia. A partir daí, a Venezuela continuou a freqüentar com avidez e assiduidade o mercado de armas global. Acertou com a Espanha a encomenda de oito navios de guerra, parte de um negócio de 1,2 bilhão de euros. Na China, Chávez foi buscar radares móveis. O pacote de compras bélicas de Chávez inclui ainda helicópteros, submarinos, mísseis terra–ar. A aquisição mais valiosa foi feita em julho de 2006: 24 caças Sukhoi, de fabricação russa, aviões de guerra mais poderosos e modernos que qualquer outro hoje existente na América do Sul. De acordo com o último relatório do Sipri, a Venezuela, em 2006, pelo segundo ano consecutivo, foi o país da América do Sul que mais aumentou gastos militares: 20% em termos reais.

Chávez diz que está se armando para modernizar equipamentos obsoletos das Forças Armadas venezuelanas e para se preparar para um eventual ataque dos Estados Unidos, elevados à condição de Grande Satã pela retórica barulhenta do presidente da Venezuela. Chávez até cunhou uma doutrina militar – a “guerra assimétrica” – para fazer contraponto à doutrina de guerra preventiva do governo George W. Bush, nos EUA. Apesar das declarações de Chávez, há uma crescente inquietação no Brasil e em outros países sul-americanos quanto à escalada armamentista da Venezuela ter outros fins. Há duas semanas, Chávez disse que poderia transformar a Bolívia em um novo Vietnã, se a oposição boliviana tentasse derrubar seu aliado Evo Morales da Presidência.

Estamos diante de um fanfarrão ou de alguém que é preciso levar a sério por seu desejo expresso de se perpetuar no poder? Chávez é um militar que, antes de vencer eleições, tentou assumir o governo na Venezuela por um golpe. Tenente-coronel reformado do Exército, Chávez ainda usa adereços militares em suas campanhas políticas. Em comícios, costuma aparecer com uma boina vermelha usada por pára-quedistas. Seus seguidores políticos gostam de usar a boina vermelha, transformada em símbolo do chavismo. Os sinais do militarismo do regime chavista aparecem também na formação das milícias bolivarianas, grupos de civis que apóiam seu regime. Chávez apresenta-se como católico, ora cita Deus, ora o Diabo. Em discurso na ONU em 2006, ao ocupar o púlpito em que Bush estivera no dia anterior, disse ainda sentir cheiro de enxofre. Aproximou-se de figuras controversas, como o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o russo Vladimir Putin, de quem compra armas, e Fidel Castro, para quem chegou a cantar em sua visita mais recente a Havana, no período de convalescença do ditador cubano.

Aos 53 anos, é casado pela segunda vez e tem quatro filhos. Na juventude, Chávez foi jogador amador de beisebol. Até hoje, gosta de aparecer na TV com trajes esportivos e tacos de beisebol. Em 1999, pouco depois de assumir o governo, mandou criar e publicar uma história em quadrinhos em que o herói usava boina, bastão de beisebol e resolvia todos os problemas da Venezuela – uma óbvia referência a si próprio. Os oficiais das Forças Armadas que ousam desafiá-lo costumam ser mandados para a reserva ou para a prisão.

Chávez cunhou uma doutrina militar, a “guerra assimétrica”, para fazer contraponto à doutrina de guerra preventiva do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush

Seu projeto é implantar o “socialismo do século XXI”. O próximo passo seria irradiar sua “revolução bolivariana” pela América Latina. O Orçamento da Venezuela para 2008 prevê gastos de US$ 193 milhões para “fortalecer movimentos alternativos na América Central e no México e assim se desatrelar do domínio imperial” dos EUA. Na semana passada, o jornal Correio Braziliense revelou que o venezuelano Maximilian Arvelaiz, homem de confiança de Chávez, percorre há quase um mês capitais brasileiras com a missão de organizar a primeira Assembléia Bolivariana do Brasil, em dezembro, no Rio de Janeiro. O estatuto do movimento prevê a construção de “um poder popular” e a formação de “uma federação socialista latino-americana”. Para apoiar Arvelaiz, Chávez enviou mais 15 diplomatas à embaixada e a consulados em Brasília, sob o pretexto de que se trata de um reforço nas relações bilaterais.

No Brasil, as ações e o discurso de Chávez, no início ignorados, começam a repercutir mal. “A hipótese de uma corrida armamentista na América do Sul parece estar-se concretizando, tendo em vista os gastos de mais US$ 4 bilhões da Venezuela nos últimos dois anos e as indicações de que Chávez continuará a investir em material bélico”, disse a Época o ex-presidente da República e senador José Sarney (PMDB-AP). “Nosso país é um tradicional defensor da solução pacífica das controvérsias e uma corrida armamentista seria inaceitável para o Brasil.”

Isso não quer dizer que o Brasil esteja parado. De acordo com oficiais do Exército brasileiro, o investimento em equipamento das Forças Armadas em 2008 será o maior desde o fim do período militar. Marinha, Exército e Aeronáutica terão a sua disposição o mais alto orçamento dos últimos 12 anos para comprar e renovar equipamentos bélicos. Esses gastos, segundo o projeto de lei orçamentária enviado ao Congresso, serão de R$ 9,1 bilhões, e podem chegar a R$ 10,1 bilhões. O aumento é de quase 50% em relação aos R$ 6,9 bilhões deste ano.

O governo Lula anunciou outras medidas para aumentar o aparato bélico brasileiro. O programa de construção do submarino nuclear pela Marinha, que se arrasta desde 1979, deverá receber, a partir de 2008, R$ 130 milhões por ano. O objetivo é que o submarino fique pronto em uma década. O governo passou também a considerar prioritária a retomada do programa FX de aquisição de 12 caças modernos para a Força Aérea Brasileira. Estuda-se a alocação de R$ 2 bilhões para o programa.

Em 2003, pouco depois de chegar ao Palácio do Planalto, o presidente Lula suspendeu a compra desses mesmos caças, sob a alegação de que prioritário era o Programa Fome Zero. A política industrial que o governo promete apresentar nos próximos dias prevê incentivos para fortalecer a indústria bélica nacional. Detalhes ainda não foram divulgados, mas é certa a liberação de financiamentos especiais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Fico imaginando o que pode atrapalhar o nosso país. Apenas a nossa omissão e apenas a nossa submissão. Está na hora de construir o PAC das nossas Forças Armadas, da nossa Defesa”, afirmou o presidente Lula em setembro.

Estamos mesmo no limiar de uma corrida armamentista na América do Sul, desencadeada por Chávez e à qual o Brasil aderiu para não ficar para trás? O governo Lula nega oficialmente que os aumentos dos gastos militares sejam uma reação a Chávez. A elevação do orçamento militar, diz o governo, é uma resposta ao sucateamento das Forças Armadas, que não recebem investimentos para modernização há quase duas décadas. “Essa é uma discussão que acompanho há dez anos e digo que não há relação entre a decisão do governo de voltar a investir nas Forças Armadas com as decisões de Chávez”, afirma o deputado José Genoíno (PT-SP), uma espécie de porta-voz do PT para assuntos militares. Mesmo assim, dois ministros e um governador de Estado afirmaram a Época que, em foro reservado, Lula diz se preocupar com o fator Chávez na América Latina.

Isso não quer dizer que vivamos uma corrida armamentista no continente. Em artigo publicado pelo Observatório Político Sul-Americano, departamento de pesquisa do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o cientista político Rafael Villa diz que as compras de armas por Chávez visam obter apoio interno para seu regime na Venezuela, que tem nos militares um de seus principais sustentáculos políticos. “Faz-se certo alarmismo em torno de uma corrida armamentista na América do Sul, por causa da retórica de Chávez, mas o que está acontecendo no Brasil e em outros países da região é uma modernização de equipamento bélico obsoleto, por causa da queda dos níveis de investimento militar desde os anos 90”, diz a colombiana Catalina Perdomo, pesquisadora do Sipri. “É um exagero falar em corrida armamentista, porque o orçamento de defesa do Brasil, além de pequeno, é desequilibrado. Há uma enorme parcela de gastos dirigida ao pagamento de salários e pensões”, diz Mark Stocker, economista especializado em defesa do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres.

Segundo estimativas de 2004, o Brasil destinava 70% do orçamento do Ministério da Defesa para gastos com pessoal e apenas 2,88% para reequipamento militar. A deterioração do equipamento militar brasileiro tem causas também políticas. Está relacionada a uma perda de prestígio das Forças Armadas após a redemocratização do país. Elas teriam sido relegadas nos últimos anos a um “ponto de desleixo”, segundo o coronel da reserva Geraldo Cavagnari, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp).

Os comandantes militares tratam de dar contornos dramáticos ao sucateamento das forças. Em agosto, em depoimento no Senado, o comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, descreveu a situação da força naval brasileira nos seguintes termos: “Ela vive um crítico estado de degradação e obsolescência material, de vulnerabilidade estratégica, de redução de atividades, sem precedentes na história contemporânea da nação”. Segundo Moura Neto, dos 21 navios da esquadra, 11 estão parados e dez operam com restrições. Dos cinco submarinos, dois estão parados, dois operam com restrições e apenas um não tem problemas. Há duas semanas, ao depor na Câmara dos Deputados, o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, revelou que, dos 719 aviões da FAB, apenas 267 têm condições de voar. Os outros 452 estão à espera de manutenção, sem condições de uso, 232 deles retidos no solo por falta de dinheiro para comprar peças. Segundo o ex-embaixador Rubens Barbosa, a ameaça de guerra não é o único motivo para investimentos militares. “O país precisa se defender, não de ataques externos, mas do tráfico de drogas e armas nas nossas fronteiras.”

Seria uma ingenuidade, no entanto, imaginar que o armamento pesado adquirido por Chávez não tenha sido usado como pretexto pelos militares brasileiros para obter do governo federal mais recursos para as Forças Armadas. Outra ingenuidade seria pensar que as verbas extras anunciadas não tenham implicitamente o objetivo de reequilibrar o tabuleiro militar na América do Sul, onde a Venezuela está hoje em posição de vantagem por causa dos caças russos Sukhoi 30. “Passou a existir um desequilíbrio muito grande, porque não temos um armamento como o deles. (O Sukhoi) é uma arma de última geração, não temos nada comparável e, obviamente, isso nos preocupa porque nossos aviões estão decrépitos”, afirma o general José Benedito de Barros Moreira, secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa. “Com esses aviões, a Venezuela, em tese, poderia fechar o espaço aéreo sobre grande parte da Amazônia. Nenhum país da América do Sul tem resposta possível para esse tipo de avião”, diz Domício Proença Júnior, professor da Coppe/UFRJ e doutor em estudos estratégicos. Segundo os especialistas, os Sukhois venezuelanos, armados com mísseis de longa distância, um equipamento não disponível no Brasil, podem derrubar qualquer coisa a seu alcance sem correr riscos. Daí o potencial de fechar a Amazônia. O Brasil conta hoje com seis caças Mirage comprados da França, mas eles não são páreo para o Sukhoi. “Se vier a comprar caças comparáveis ao Sukhoi, o Brasil só estará equilibrando esse jogo”, diz Domício Proença.

“Temos consciência de que, para mantermos a posição privilegiada na América do Sul e atingirmos novos patamares no cenário internacional, não podemos descuidar da nossa defesa”, disse o ministro da Defesa, Nelson Jobim, em entrevista interativa aos leitores de Época (leia na página 45). “Estamos elaborando o Plano Estratégico Nacional de Defesa, que definirá a missão de cada força e os equipamentos necessários para sua atuação. Os novos aviões da FAB, tanto de transporte, quanto de caça, estarão no plano.” Mesmo se isso se concretizar, as razões serão mais políticas que bélicas. Nem os militares, cujo dever de ofício é alimentar uma saudável paranóia em relação à defesa nacional, levam a sério uma hipótese de confronto militar com a Venezuela de Chávez.

Em conferências, o cientista político Moniz Bandeira, especializado em questões internacionais e uma das referências intelectuais do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty, resumiu assim a possibilidade de um ataque da Venezuela ao Brasil: “É ridículo.Veja as dimensões demográficas, territoriais e econômicas do Brasil e da Venezuela. Não basta comprar armamentos da Rússia para que se possa fazer uma guerra. Uma vez que a Venezuela não tem um parque industrial e importa do exterior a maioria dos produtos manufaturados que consome, seria muito difícil para Chávez empreender e sustentar qualquer guerra com outro país”.

O verdadeiro conflito entre o Brasil e Chávez não é militar. A disputa é pela liderança política na América do Sul

Quem tem motivos para temer Chávez do ponto de vista militar, segundo o coronel Geraldo Cavagnari, são seus vizinhos Colômbia e Guiana. A Colômbia tem uma fronteira de 2.000 quilômetros com a Venezuela, por onde circulam os guerrilheiros das Farc, inimigos do governo Álvaro Uribe e simpáticos a Chávez. Historicamente, os dois países não se entendem sobre os limites territoriais no Golfo da Venezuela, uma região rica em petróleo. Há mais de um século, os venezuelanos também reclamam o território a oeste do Rio Essequibo, o equivalente a dois terços do território da Guiana. Mesmo assim, Cavagnari duvida que Chávez venha a se aventurar em invasões, porque sabe que a reação internacional seria imensa e imediata.

O verdadeiro confronto entre Brasil e Chávez, dizem os especialistas em questões estratégicas, não é militar, mas político. Envolve uma disputa com o Brasil pela liderança da América do Sul. Como maior país da região, o Brasil aspira a essa posição e quer chegar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Num documento, do final do ano passado, preparado para o Real Instituto Elecano, instituição espanhola dedicada a estudos de segurança e defesa, os pesquisadores Carlos Malamud e Carlota García Encina descrevem a estratégia política de Chávez. “Para a Venezuela, o braço militar serve para reforçar a diplomacia do petróleo, dirigida para conseguir aliados e aumentar sua influência. Os exageros armamentistas de Chávez servem para projetar uma imagem de poder, tanto nacional quanto regionalmente.”

Política externa, ensinam os manuais, não se faz apenas com diplomacia, mas com a caneta cheia de tinta para preencher talões de cheques e fuzis. Assentado nas imensas reservas de petróleo da Venezuela e agora munido de Kalashnikovs e caças Sukhoi, Chávez tem as duas coisas para continuar sua política de conquistar influência e aliados em países vizinhos como Cuba, Bolívia, Equador, Nicarágua e Argentina. “Chávez usa o petróleo e o poder militar para perpetrar uma política agressiva de influência ideológica na política interna de outros países”, diz o cientista político José Augusto Guilhon de Albuquerque, da Universidade de São Paulo (USP).

Na Bolívia, estratégica para o Brasil por fornecer 50% do gás natural consumido no país, a influência de Chávez já causou prejuízos concretos. No episódio da nacionalização e ocupação militar das refinarias da Petrobras pelo governo Evo Morales, a Venezuela apoiou ostensivamente a medida hostil aos interesses brasileiros. A presença de Chávez na Bolívia, que tem um acordo de cooperação militar com Morales e fornece agentes para a segurança pessoal do presidente boliviano, é um fator a mais de instabilidade política. A Bolívia vive a ameaça de uma desintegração territorial, por causa de um movimento separatista na região de Santa Cruz de la Sierra, a mais rica do país e comandada por opositores de Morales.

Na definição de vários especialistas, a América Latina vive hoje um duelo ideológico entre duas correntes de esquerda que assumiram o poder em vários países da região. Chávez é o principal emblema da esquerda que ainda vê na implantação de um regime socialista a solução para os problemas sociais. É um “stalinista primitivo”, na definição feita a Época por Teodoro Petkoff, ex-ministro da Venezuela e um de seus principais adversários políticos. Por ter abraçado as regras da economia de mercado e dos regimes democráticos, o governo Lula no Brasil passou a ser considerado a principal referência de uma esquerda socialdemocrata no continente.

Na semana passada, a Assembléia Nacional da Venezuela aprovou uma reforma constitucional, proposta por Chávez, com a qual ele busca o aumento de seus poderes, a possibilidade de permanecer eternamente na Presidência, a instauração de uma “economia socialista” e a censura da imprensa em momentos de “estados de exceção”. Uma das definições mais famosas de guerra sobrevive há mais de dois séculos. Seu autor é Carl von Clausewitz, militar prussiano, um dos teóricos clássicos do assunto. Segundo ele, a guerra é a continuação da política por outros meios. Ao anunciar os investimentos para rearmamento das Forças Armadas brasileiras, como nunca antes, o governo Lula está fazendo política por outros meios. Mesmo que diga que Chávez não é o alvo nem a causa do aumento dos orçamentos militares, o Brasil, com essa decisão, deixa claro que quer continuar a ser a principal liderança da América do Sul. Ao iniciar seu governo, com a proposta de integrar o Conselho de Segurança da ONU, Lula achou que este era um direito natural do Brasil. Os movimentos de Chávez parecem tê-lo convencido de que a liderança política tem um preço.

***

'Não descuidaremos da nossa defesa'

Apesar de ter relações pacíficas com seus vizinhos, o país aumentará o orçamento militar, segundo o ministro. O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, assumiu o cargo oito dias depois do maior acidente aéreo do país, que matou 199 pessoas em Congonhas, com a missão de resolver o caos nos aeroportos. Passados três meses, Jobim depara com outra importante questão para o país: a militarização do continente promovida por Hugo Chávez. Em resposta aos leitores de Época, o ministro afirma que as relações com o vizinho são pacíficas, mas que pretende investir no poder militar brasileiro: “Aumentamos em mais de 50% o orçamento do Exército, da Marinha e da Aeronáutica”.

ENTREVISTA

Nelson Jobim

Nelson Jobim – O Brasil tem relações consolidadas e pacíficas com todos os países da América do Sul, sem nenhuma pendência de fronteira. E uma das prioridades de nossa política externa é a integração econômica e da infra-estrutura regional, fortalecendo ainda mais nossos laços com os vizinhos. Portanto, não há rivalidades. Por isso somos tantas vezes requisitados a atuar como mediadores em conflitos regionais. Vamos fortalecer esses laços também na área militar, com um programa de visitas em 2008 a todos os países da América do Sul. Mas temos consciência de que, para mantermos essa posição privilegiada, e para atingirmos novos patamares no s cenário internacional, não podemos nos descuidar da nossa defesa. Por isso aumentamos em mais de 50% o orçamento de custeio e investimento do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para 2008, passando de R$ 6 bilhões para R$ 9 bilhões, e podemos chegar a R$ 10 bilhões na execução. Estamos elaborando o Plano Estratégico Nacional de Defesa, que definirá a missão de cada Força, e os equipamentos necessários para sua atuação. Os novos aviões da FAB, tanto de transporte quanto de caça, estarão no plano.

Quais são os principais problemas do país quanto à defesa das fronteiras? (Vanda Francisco, São Paulo)

Jobim – Nós temos uma presença ativa nas fronteiras, com foco na defesa e apoiando os demais órgãos que atuam no combate aos crimes transnacionais. Mas, para um país com fronteiras do tamanho das brasileiras, é necessária a ampliação das estruturas. É importante também que se amplie a presença de policiais nos postos de fronteiras do Exército, para aumentar a ação conjunta. Esse é um problema que mesmo países ricos e com fronteiras menores, como os Estados Unidos, não conseguem resolver. Mas o caminho que buscamos é esse, aumentar a integração, a vigilância eletrônica e o trabalho da Inteligência, a monitoração aérea, com a coordenação de esforços de todos os órgãos.

Recentemente o senhor disse: “Quero fazer um exame global dos soldos”. Quando os militares serão contemplados com um reajuste salarial? (Pedro Luiz, Rio Grande do Sul)

Jobim – Tenho uma grande preocupação com os proventos dos militares. Em todas as visitas que tenho feito às unidades militares dos mais distantes rincões do país, tenho visto o sacrifício dos nossos soldados, seja no campo pessoal, seja na questão dos equipamentos. Por isso mesmo, sei que tenho a responsabilidade de lutar pela melhoria das condições de nossos soldados, tanto no reequipamento quanto na remuneração. E, para que isso aconteça, precisamos ter estudos claros sobre a situação, as necessidades e os caminhos para corrigir as distorções. Nossas propostas têm de ser consistentes.

Qual sua opinião sobre a proposta de desmilitarização do controle aéreo brasileiro? (Regina Resende Alves, São Paulo)

Jobim – Não tenho opinião formada. Sempre tenho acompanhado a regra de Deng Xiaoping (ex-líder chinês): não me importo com a cor do gato, se é preto ou branco, o que importa é que cace o rato. Sou pragmático, o que quero é que o sistema funcione da melhor forma possível.

Quais mudanças o senhor prevê na divisão das responsabilidades sobre o setor aéreo? A Anac vai perder poder? ( Ricardo Cerqueira, Sergipe)

Jobim – A Anac vai ter os poderes que deve ter. Pelo desenho do setor, o Poder Executivo fixa as políticas setoriais e a agência reguladora as implementa, por meio dos instrumentos de regulação e de fiscalização. No nosso caso, o órgão responsável pela definição de políticas é o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac), presidido por mim, e que é o órgão de assessoria do presidente da República.

Por que a presidência da Anac não é preenchida por alguém que possui conhecimento na área da aviação? ( Renato Cusciano, São Paulo)

Jobim – A questão principal não é o presidente ser ou não ser da área de aviação. O importante é que ele tenha capacidade de gestão e liderança, e que a diretoria colegiada, que toma as decisões, seja composta de profissionais com as habilidades necessárias, inclusive com profissionais da área de aviação. A nossa pretensão é ter dois especialistas em regulação (interna e internacional), um do sistema de infra-estrutura aeroportuária, outro do sistema de controle do tráfego aéreo, e por fim um presidente que seja o gestor. Nós temos três nomes aprovados pelo Senado, o brigadeiro Allemander Pereira Filho, especialista em área de controle aéreo, um especialista em estrutura aeroportuária (Alexandre Gomes Barros) e um especialista em regulação interna (Marcelo Pacheco dos Guaranys). Deveremos ir agora atrás de um especialista em regulação externa.

Não sou candidato à Presidência, sou candidato a voltar a meu escritório de advocacia. São as ordens da minha mulher

O senhor, como advogado, se acha qualificado o suficiente para estar à frente das questões relacionadas ao caos aéreo? (Ana Maria Lemos, Rio de Janeiro)

Jobim – A questão não é ser advogado ou não, a questão é ter capacidade de gestão. Já tenho alguma experiência nesse sentido e não há dificuldade alguma. É um equívoco achar que o Ministério da Defesa só tem de se preocupar com a aviação civil. Este é apenas um dos temas, embora seja o mais urgente, e de maior repercussão popular.

O senhor será candidato à Presidência? ( Elza A. Cardozo, Santa Catarina)

Jobim – Não, eu sou candidato a voltar a meu escritório de advocacia aqui em Brasília. Aliás, essas são as ordens da minha mulher, a quem eu obedeço sempre. Qualquer tipo de projeto que se pudesse estabelecer seria absolutamente desastroso. Projeto não coincide com tarefa. Eu estou fazendo uma tarefa e o meu projeto real é voltar à vida privada.


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