MOSTRADENTES
O menino ficou pasmo. Por que o Carioquinha resolveu lhe chamar de Mostradentes? Nunca foi dentuço. Será que não queria dizer Tiradentes? Mas isso também não. Ele não era dentista, nem pretendia ser. Nem o Carioquinha sabia o porquê do apelido inaugurado: sei lá, foi minha mãe que falou. Ela me disse: não fica se metendo com esse mostradentes!
Esse negócio de apelido é fogo! Se não cuidar, acaba pegando pra toda vida. Certa vez, o Ernesto, metido a sabichão, tinha lhe chamado de Cirano. Esclareceu que era um personagem de livro, com um narigão esse tamanho. Não deu muita bola e o negócio morreu no mesmo dia. Num livro do avó, viu que esse tal de Cirano era um herói inteligente e bom de briga. Legal! Só que decerto o Ernesto lhe chamara de Cirano por causa do nariz.
De outra feita, tinham lhe chamado de Gaudêncio. Gaudêncio, deixem-me explicar, era personagem do livro didático, um autêntico c.d.f., sabia tudo. No livro dizia: "Gaudêncio era um aluno deveras aplicado...". Ele não era deveras aplicado, acontece que tinha boa memória. Uma ou duas lidas e podia repetir de cabeça qualquer lição.
Voltando ao Mostradentes, o apelido não morreu naquele dia, nem nos próximos. Mas sofreu pequenas modificações. Apelido é que nem palavra: com o tempo pode ir se modificando, pela influência da lei do menor esforço. Conheci um sujeito que era chamado de "Amigo da Onça", por ser parecido com o personagem da revista "O Cruzeiro". Com o tempo, virou "Mingonça". Não é mais fácil de falar?
Por isso, o apelido virou Mastrodentes, depois Mastrodente. O menino não se conformava. Apelido bobo. Preferia ser chamado de Gaudêncio. Gaudêncio, o c.d.f., isso ele era um pouco, pois gostava de leituras. Depois de algum tempo transformou-se em Mastodonte. Até que, de bobeira, o Carioquinha teve um estalo: Mastodonte? Foi esse nome que minha mãe falou naquele dia: não fica se metendo com esse mastodonte!
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