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cronicas-->9. OS DESíGNIOS DE DEUS -- 18/09/2002 - 06:05 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Devo declarar inicialmente que jamais acreditei, em vida, pelo menos na última jornada, que Deus pudesse expender pensamentos, idéias, vibrações ou o que quer que seja para expressar desígnios. Até o pai-nosso alterei na passagem que diz "seja feita a sua vontade" para "saibamos cumprir nossos deveres humanitários".

Já se vê que acreditava na existência de um criador supremo, sem caracterizar-lhe direito o poder, cónscio das naturais limitações de minha capacidade de compreensão ou de apreensão da realidade divina.

Ao chegar a esta colónia, fiquei atónito com o fato de que o pai-nosso era rezado por todos, em várias circunstàncias, com diferentes finalidades, sem que ninguém argumentasse como eu.

Temi por minha participação nas orações coletivas, julgando que as reflexões presentes na memória a cada vez que se repetia o trecho citado poderiam perturbar o ritmo das frases, dado que era de esperar-se que os mais sensíveis captassem a vibração diferenciada.

Na primeira oportunidade, referi a preocupação ao mentor da turma, que me esclareceu:

- Jesuíno, não tema ofender o princípio das preces, já que a sua modificação não atinge o cerne da solicitação que se está expressando por meio de um tópico religioso em sua essência, já que nossos espíritos estão buscando entrar em contato com a inteligência suprema. Quanto a estorvar os mais próximos, só se estes não estiverem devidamente concentrados no tema que levou o grupo ao recolhimento.

Achei bastante justas as observações e não quis expor algumas outras questões pertinentes ao tema. Não seria oportuno. Esperaria outro momento em que alguém levantasse o problema.

Na verdade, tal fato não demorou, e de forma muitíssimo surpreendente para mim. É que Maciel, o administrador geral da colónia, em sua palestra semanal, tocou no assunto.

Resumo-lhe a exposição, evidentemente sem o brilho de sua inteligência:

- Meus queridos irmãos, muitos dos que aqui aportam para o início dos estudos evangélicos, sob o ponto de vista super-humano, trazem modismos interpetrativos quanto às preces, muito particularmente, o pai-nosso, ao qual acrescentam idéias e expressões, a mais frequente de todas a que solicita "o pão nosso de cada dia nos dê hoje e sempre". Ora, Jesus, ao recitar a parábola dos lírios do campo, aduz que "a cada dia basta seu mal" (Mateus, VI: 34.), recriminando quem se preocupava com o futuro. Também há quem não considere certo que Deus manifeste vontade, alterando o trecho, cada qual segundo visão própria do assunto. Aceito que não se pode atribuir ao Pai desejos como os que temos nós em relação ao que possa acontecer de bom ou de ruim. Concebo que Deus seja onipotente, onisciente e onipresente, o que me faz acreditar em que, com qualquer coisa que Jesus nos ensinasse a louvá-lo, incidiríamos no problema de a criatura estar a ditar dizeres ao Criador, na expectativa de agradá-lo com palavras e sentimentos. É evidente que Jesus pregava dentro de determinadas circunstàncias históricas e para o povo reunido na montanha. Se orientasse os juízes da lei no templo, não ousaria ensinar-lhes algo que lhes promoveria distúrbios críticos, conforme a tradição sacerdotal inscrita nas escrituras. Os evangelhos não registram tal ensinamento, com certeza por não haver ocorrido. Que fazer, então, se nosso entendimento julga improcedentes certas passagens importantes, já que a teoria se sobrepõe à necessidade da oração? Buscar ser coerente com as lições que estamos aprendendo, suspeitando, embora, de que a nossa desenvoltura intelectual não esteja suficientemente aperfeiçoada para casarmos os sentimentos às expressões que os manifestam. E acreditar em que a Inteligência Suprema terá sempre como admitir todas as hesitações promovidas pelas imperfeições de que somos portadores.

Por um bom tempo, considerei a advertência como dita para mim, acatando a autoridade do mentor, voltando a orar segundo a fórmula tradicional. Mas, ao chegar àquele ponto, precisava vencer certa resistência íntima, como fazia no centro espírita ao ouvir os dirigentes recitando o pai-nosso, com confusões típicas de quem não era tão letrado quanto eu. Assim, quando diziam "não nos deixeis cair nas tentações e livra-nos de todo o mal...", a troca indevida do plural pelo singular da segunda pessoa me desviava a atenção para a impropriedade gramatical e eu me perdia quanto ao objetivo precípuo da oração.

Assim foi até que não aguentei mais a pressão da consciência e levantei a lebre durante reunião da turma, em momento oportuno.

Quiseram saber exatamente o que se passava comigo quando me via distraído ou absorto. Muitos atestaram que passaram por situações semelhantes, mas nenhum declarou que jamais prestaram atenção nas disparidades entre as versões. Buscaram esquadrinhar minuciosamente as fórmulas de todos os colegas, chegando à conclusão de que a grande maioria modificava algo, seja um simples Senhor em passagem propícia, seja uma longa repetição do trecho: "perdoai os nossos pecados, assim como perdoamos aos nossos inimigos; perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido."

A verdade é que me arrependi de haver provocado aquele alvoroço. Ocorreu que, a partir de então, se tornou impossível estabelecer padrão uniforme de vibrações nas preces coletivas, já que cada qual passou a prestar atenção na fórmula dos vizinhos, deixando de lado o objetivo da oração.

O Professor Mário tentou reaver a antiga concentração, dizendo somente ele o pai-nosso, mas não adiantou. Poucos se deixavam impregnar da mesma sensibilidade. A grande maioria empacava nos trechos em que se acostumaram a divergir da fórmula empregada pelo instrutor.

Foram tentadas outras preces, mas a dificuldade se acentuou, já que as palavras não repercutiam no fundo da consciência, estabelecendo o auditório a norma de refletir a respeito da validade dos pensamentos e das emoções expressas, admirando-se quando sentiam a grandeza de alma do orador, surpreendendo-se com as novidades dos textos, preocupando-se quando não alcançavam compreender a complexidade das idéias.

O remédio foi trazer uma solução sensória. Na hora da prece, era promovido fenómeno de irisação de beleza quase transcendente, de forma a concentrar a atenção de todos naquele foco. As ondas de alegria e de agradecimento substituíram por bom tempo as palavras. Hoje voltamos à normalidade, todos cónscios de que o importante está na mensagem em si e não em sua formulação.

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