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Contos-->A dança -- 15/12/2002 - 21:41 (Wagner Teixeira Dias) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Aquela cidade parecia tão boa quanto qualquer outra. Entro por uma grande avenida, talvez a principal daqui. Segundo uma placa, Avenida Atlântida. Passo por vários estabelecimentos comerciais abertos, mas não vejo nenhuma pessoa. Em pleno fim de tarde, um silêncio total, exceto pelo motor da Honda CBR Super BlackBird. Nenhum outro veículo no asfalto a não ser dois caminhões de lixo que passam por mim em sentido contrário. Estranho. Nem em jogo da seleção vi ruas tão desertas. Movimento mesmo só dos pássaros entre as nuvens, um grande grupo. À distância, não consigo identificá-los. Grandes e negros, talvez urubus. Voam um atrás do outro ou lado a lado, em uma perfeita sincronia, descrevendo uma ponte entre o Sol que se põe e a Lua que já se encontra alta no firmamento.
Paro a moto em frente a um grande prédio. Hotel Eldorado. É disso que preciso, um descanso de uns dois dias. Quando me dirigia à entrada, alguma coisa cai pesadamente alguns metros do meu lado. Noto que se trata de um corpo humano, agora pouco mais que uma massa de carne, com quase todos os ossos quebrados. Se já não tivesse visto de tudo nessa vida, botaria meu almoço pra fora. Ouço então outro estrondo atrás de mim. É outro corpo vindo do céu que explode na calçada. Será que alguém decidiu se livrar de todos os seus desafetos de uma vez? Ou hoje é o dia do suicídio coletivo? Olho para o alto a tempo de ver mais três corpos caindo do topo do hotel. Chuva de gente? São Pedro deve estar racionando água. Já que estou sem um guarda-chuva apropriado, entro apressadamente pela porta do edifício.
Na recepção não há ninguém. Nenhum sinal de vida. Movido pela curiosidade de saber o que está acontecendo, pego um elevador sem ascensorista e subo até o último andar, o 34º. De lá, uma escada me leva à cobertura. Lá estão eles. Iluminados pelo crepúsculo, centenas de homens, mulheres e crianças ocupam cada centímetro do local. Estão organizados em várias filas que terminam na borda do abismo. Na extremidade de uma delas, um jovem posa para uma foto com uma felicidade radiante e depois, gritando bem alto, salta no espaço. Pelo visto a chuva não vai estiar tão cedo. Falo para qualquer um que possa ouvir: “O que estão fazendo? Por que estão se jogando do prédio?” Sou prontamente respondido: “Iiih, olha só o caipira. De que planeta você veio, amigo? Por aqui tá todo mundo fazendo isso. Não vejo a hora de chegar a minha vez. Dizem que é uma sensação inesquecível!” “Mas vocês vão morrer, não percebem?” Todos ao redor disparam na gargalhada. A alegria é geral. Estes riem de mim, os outros riem pela expectativa do que logo esperam desfrutar.
Nisso, um sujeito se aproxima de mim. Bem vestido, boa postura, cara de bom moço, educado. “Sinto muito, senhor, mas no momento estamos lotados. Sugiro procurar outra edificação ou retornar amanhã um pouco mais cedo”. Enquanto sou conduzido à saída, a fila segue andando e o povo, pulando. As aves agora voam em vários círculos, simetricamente perfeitos. Daqui de cima posso identificá-los claramente. Não são urubus. São abutres. Deve ser uma sensação inesquecível. Essa foi boa. Vai ser um banquete inesquecível também. Começo a rir disso tudo. Nesse mundo caótico em que vivemos, rir é a única maneira de manter a sanidade.
Logo estou de volta à entrada do Eldorado. Atravesso correndo a calçada, tentando não pisar nos corpos que agora estão por toda parte. O pedaço de um cérebro gruda na minha bota. Vários caminhões de lixo estão chegando em fila indiana. O Sol se vai e é a vez da Lua ocupar seu trono celestial. Subo na moto e parto a toda velocidade, sem olhar pra trás. Haverá outras cidades. E outras pessoas. Ao menos, por enquanto.





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