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Humor-->O Salvador Daqui -- 09/09/2002 - 21:21 (José Flávio Pinheiro Vieira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ali estavam reunidos, como de resto acontecia quase todas semanas. Depois dos cinqüenta, vida estreitando à frente, começaram a confabular mais amiúde. É que a maioria já tinha se aposentado e tinha que procurar a “tribo” para compartilhar as muitas lembranças do passado e as poucas esperanças no futuro. Não sabiam bem porque , mas o passado parecia ir ficando cada vez mais forte nas suas vidas, chegando mesmo a embotar o presente e a lançar algumas sombras sobre o amanhã. Foi certamente este espírito que os uniu, desbastou algumas diferenças acumuladas nos tempos idos e findou por torná-los amigos fraternos. Naquele dia, o assunto da pauta era Cinema. Como todos daquela geração, havia uma espécie de encanto, de magia de doce enlevo, quando se falava na 7a. Arte. Os filmes acompanharam de perto os momentos mais marcantes daquelas vidas ( namoros, brincadeiras, paqueras) e, freqüentemente, utilizavam-nos como referência cronológica: -- “Conheci-a no ano que em passou o “Dr. Givago” ; “ estudei no Estadual no ano em que assisti aos “Dez Mandamentos” . Conduzida por este fio de Ariadne, a conversa se ia escorrendo bem mais facilmente.
Pois bem, foi neste exato dia que saiu a pergunta fatal que terminou por redundar nestas palavras que vocês , pacientemente, ouvem. Alguém, do alto dos seus suspensórios, lançou a charada, o trava língua fatal: ---- Qual o filme mais louco, mais surrealista a que vocês já assistiram? Rapidamente as opiniões foram se sucedendo: eram todos cinéfilos de carteirinha. Alguém lembrou o “8 e ½ “ de Fellini, um outro “ O ovo da Serpente “de Bergmann . Salustiano , velho Barnabé aposentado, citou e defendeu com unhas e dentes a indicação de “Veridiana”de Buñuel. Citaram-se ainda o “Saló”de Pasollini e o “1 X 1” de Godard. Todos defendiam como podiam suas indicações, eram todos filmes complexos, “porra-loucas” , algumas verdadeiras projeções de sub-reptícias slides, como que lançadas por cano de metralhadora. Mas havia quem defendesse com embasamento crítico, relembrando velhas resenhas do “Cahiers du Cinema”. A coisa pegou fogo, na rodinha ( no bom sentido, claro) , quando Filúvio, empostando o mais professoral dos ares, citou o seu filme campeão de surrealismo: “Os Profissionais”. A discordância foi rápida e generalizada: aquilo era lá filme que se apresentasse! Era um Western modernoso americano, dos anos 60, uma história linear, cujo único mérito era juntar numa mesma fita Burt Lancaster, Lee Marvin, Jack Palance, Robert Ryan e uma lindíssima e estonteante Cláudia Cardinale. Filúvio só podia estar ficando louco, deve ter sido , provavelmente, pensaram todos, o efeito FHC cortando 40% do seu salário de aposentado do IBGE: ficara tantan. Antes que o pregassem no pelourinho, no entanto, Filúvio, pediu paciência e disse que não endoidara, o filme que indicara para “Oscar” da esquizofrenia era aquele mesmo, só que para uma projeção toda especial que teve no Cine Moderno, em 1969, sob os cuidados de Salvador do Magneto, o mais tradicional projetista daquela casa de projeção. Pediu paciência de uma platéia embasbacada e entrou em detalhes.
Pois bem, rapazes, naquele ano fui assistir a “Os Profissionais”, numa Segunda Feira de Carnaval. Vocês lembram de Salvador, não é? Todos, claro, lembravam. Fora funcionário por longos anos, do Cine e só saiu quando as Casas de Espetáculo foram engolidas pela TV. Salvador tinha inclusive as pestanas peladas pelo contato quase que diuturno, com a luz incandescente emitida pelos Projetores. Pacientemente ia , sempre, alternando, os 8 ou nove rolos de fita nas duas máquinas de Projeção, numa sequência previamente estudada, para que não houvesse qualquer solução de continuidade no corpo do filme. Salvador, no entanto, tinha um pequeno defeito: era aficcionado de uma caninha, bebia , mas era aquele tipo de bêbado pai-d’égua: fica alegre, sente-se rico e bonito, mas não bota boneco. Pois bem, continua Filúvio, o problema é que se tratava de uma Segunda-Feira de Carnaval, naquela famosa sessão das quatro horas da tarde. Sentamos e, desde o primeiro momento, já pressentimos o vanguardismo inesperado da película. Começou com uma imensa emboscada num desfiladeiro, sem que ao menos tenhamos compreendido o porquê. À medida que os rolos iam se alternando a coisa ia piorando e a estória ia ficando cada vez mais insondável. Após uma hora de loucura, apareceram , inesperadamente,no meio do filme, as “Notícias da Semana” de Severiano Ribeiro Júnior. Terminadas as notícias o filme continuou de um ponto onde não tinha terminado , sendo que meia hora depois, começaram aparecer alguns Trailers de outros filmes que futuramente seriam aprsentados no “Moderno”. Estavam todos intensamente desconfiados mas só quando o que se imaginava que fosse a continuação de “Os Profissionais” retornou é que veio a balbúrdia. Um gangster mexicano que tinha sido metralhado no início da projeção apareceu vivinho da silva, atirando para tudo que era lado, numa ferocidade impossível de se ver num finado. Aí foi a gota d’água, subiram para a sala de projeção e deram com Salvador em pleno clima momino, bêbado que só uma cabaça. Os ingressos foram devolvidos, Salvador quase demitido. Eu resolvi, conclui Filúvio, não assistir mais à versão original: preferi guardar para mim a lembrança do mais surrealista filme a que jamais presenciei, coisa de fazer inveja a André Breton, a Salvador Dali.
Todos acabaram por concordar com Filúvio.Por grande maioria a Academia de Artes escolheu aquele para o “Oscar da Esquizofrenia”. Talvez tenha sido por isso mesmo que o nosso genial montador tenha, a partir daquele dia, trocado , definitivamente o nome de “Salvador do Magneto”, para “Salvador Daqui”.
Crato, 22/12/00


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