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Cronicas-->Escute a Música( amor sem lastro) -- 19/09/2002 - 01:48 (Daniel Calasans) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Escute a música. A energia em forma de ondas que vibra em toda a sua fantasiosa magnitude. Timbres magicamente arranjados em cadeias lógicas definindo um padrão. Mais do que palavras, esta força transmite impulsos subjetivos que incitam aspectos sensoriais. No subconsciente opera associações de cores e cheiros. Transcende o aspecto puramente físico e ganha o poder de reagir com os fluidos da alma individual. A combinação som-indivíduo implica reações químicas emocionais. Dá origem a Elementos com perfumes únicos e dinàmicos, que estão sempre produzindo aromas diferentes. Podem começar em fragràncias suaves e então se tornarem adocicados. Podem também gerar combinações mais amargas, passando do tóxico ao putrefato, do sintético ao orgànico. Aromas que, como o vinho, inebriam. Sopram a face e trazem novos estados de espírito; alguns por demais contundentes.

É isso. Uma questão de cheiro. Dependendo do cheiro que for produzido pela interação musical atinge-se certo grau de fatalidade. Fatal alegria ou tristeza.

A certeza de que o tempo não pára vem do entendimento de que um minuto vem após o outro. Nunca se sabe, mas os próximos minutos podem ser os últimos até o derradeiro segundo que demarca as fronteiras entre a morte e a vida.

Ouve-se a música. As reações começam em cadeia, os aromas se elevam como o insenso. As fragràncias determinam o sentimento. A música segue. O ar é tomado, desta vez, pela essência da mais letal das emoções. Respire profundamente. Expire.
Está nas suas veias, em cada célula. Você sente o estado fisiológico alterado, como um entorpecente. Anestesia, complacência. Respire profundamente. Expire. Agora é possível quase sentir o gosto. Amargo como o aniz, muito característico. Aprecie o amargo visualizando o seu contraste com o doce. O oposto que se completa, um positivo e um negativo. Sempre há um quê adocicado no amargor. Deguste. Inspire, você merece. Expire. Ao som da música, mais uma vez. Cheire, deguste, respire profundamente. Expire. Surge o transe.

Você está só. Os quartos vazios, as janelas fechadas. A família fora. Empregados como jardineiros ou faxineiras não contam, são irrelevantes pro momento. A melodia atinge o epicentro do espírito, as últimas horas tem sido de tensão de alguma forma ou de outra. Você se depara com um monstro que vem de seu interior. Uma criatura horrível e desdenhosa. O amor já é há muito tempo desacreditado. Descobre-se que aquela criatura infernal é você mesmo refletido num universo alternativo. Um monstro de sete dentes e dez chifres rindo para você sarcasticamente em tom de escárnio. Você odeia saber que aquilo é o que você internamente se tornou. Renunciou ao homem e se fez o monstro. Fez-se emergir como o décimo primeiro chifre na cabeça daquela besta. Onde está o amor próprio? Foi ele infectado pela tristeza? Sim.

Para alguns, encarar o próprio monstro é dolorido demais. Para estes não é considerada a hipótese de vida sem amor. Eis que em você jaz este ímpeto em destruir! Nesta hora, você contempla a sua própria derrota e fraqueza. Curva-se, e com brilho nos olhos, se ajoelha diante do que foi o seu último obstáculo. Celebra o instante num ritual de lágrimas e sangue.

No fascinante intrincado mundo dos que almejam o fim, uma possibilidade de moldar o destino é toda vez lançada como uma semente que espera a estação adequada para germinar. Desta vez você planeja moldar o destino. Não de uma maneira convencional, porém incisiva. Tem de se otimizar os recursos, fazer da melhor forma possível o que deve ser feito com o auxílio do que se tem disponível. Uma gravata serve. Um simples nó e inventa-se a história. O minuto final que não pega desprevenido, o destino alterado.
Seus pais chegam cansados da batalha de seus dias. Um aroma fúnebre ainda de cara imperceptível permeia todo o ambiente. A música tocando...
Quando abrem a porta de seu quarto sentem o súbito lapso do macabro segundo tomar seus corpos possessos.
O calor da vida ainda dissipa-se no ar próximo. Não faz muito tempo. O corpo balançando numa cadência lenta, de um lado para o outro, como o pêndulo de um relógio marcando o tempo da melodia. Como não poderia deixar de ser, já é tarde.
Não é necessário perder tempo imaginando cenários nesta hora. Trágico é adequado à maioria. Muita dor dos familiares, dos poucos e verdadeiros amigos. É telefonema assustando a todos com o que ninguém estava esperando. Conversa saborosa para a boca pequena. Velório, enterro.

Entretanto desta vez houve o diferencial. Uma carta ou bilhete pode expressar muito. Depois de perdas inesperadas o ser humano precisa criar muitas explicações para o fato. E é justamente aí que o seu poder está. Uma carta pode incutir nas mentes qualquer coisa de acordo com o seu ponto de vista. Com o ritual feito você dá asas e nuances a história de vida dos que ficam. Sinceridade é fundamental? Não, não adianta ser sincero. Se escrever que foi tudo efeito de uma mistura quase química de uma melodia com os fluidos interiores da alma que provocaram uma reação em cadeia produzindo uma fragrància mortal que culminaram por desvendar um monstro que indicava o colapso da vida ninguém iria levar muito a sério. Há quem se iluda mesmo nesta trajetória final voluntária. Pedem perdão, descrevem derrotas e assumem tonalidades extremas. Promovem virtudes e sentimentos, coragem, tristeza, revolta, heroísmo. Porém o cheiro da morte é como uma especiaria. Característico, forte, tem quem aprecie. É o perfume que inebria aquele que é incapaz de fazer o amor ter lastro. Para este, só resta a glória do sentimento póstumo. A Modelação de Destino.

Talvez o ser humano desencadeador de tal sacrifício ficaria muito chocado(a). Não é difícil que tenha uma crise de choro e que até mesmo vá ao velório trazendo um belo arranjo de flores.

Modelação de Destino. Um e-mail faz isso bem. Poucas palavras específicas. Nada muito complexo, afinal não haverá mais oportunidade de se debater mais nada. Ninguém ousaria responder uma mensagem de quem já se foi. É interessante que seja uma palavra única e pessoal, quase um segredo, para marcar. É importante plantar a semente da tragédia. Ressaltar o peso da falta de amor.
Ninguém nunca entenderá a agrura de um amante sem lastro.

Os anos passam depressa. Várias músicas novas despontam nos rádios produzindo novas interações e novos perfumes. Casamento para alguns, filhos, trabalho, dia-a-dia. Na vaidade do que fica estará sempre cravada a marca que você consagrou no dia do seu sacrifício. Ecoando no fundo do abismo do consciente, a ciência de que "uma vida se apagou por amor a mim". "Fui decisivo para ele(a)".
Alguns podem de quebra ficar até com sentimento de culpa e se martirizarem pelo resto de suas vidas em SUA memória. Carregarem esta aura de culpa, arrependimento e até amor eterno. Um troféu mórbido.

Na antítese do fim, conquistou-se harmonia na calamidade, colheu-se realidade do plantio da fantasia. A Modelação de Destino mor, o destino dos vivos. Tudo uma questão de aroma e seus complexos detalhes advindos da música. As pequenas coisas. A carta, o e-mail, o sorriso, o arrependimento, a canção. O mundo permanece com um perfume a menos em seu leque. A música continua...

(Daniel Calasans)
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