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Ensaios-->A crítica de Meira Penna à Teologia da Libertação -- 08/05/2008 - 17:47 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A crítica de Meira Penna à Teologia da Libertação

por Alex Catharino

Publicado em 14 de março de 2007

http://www.cieep.org.br/printartigo.php?codigo=780

Hoje um dos maiores pensadores brasileiros do século XX completa noventa anos de vida. É uma grande oportunidade poder prestar uma homenagem ao meu amigo José Osvaldo de Meira Penna, com quem, pela leitura das obras e pelo convívio, tive a oportunidade de aprender muito sobre os verdadeiros fundamentos da sociedade livre e virtuosa. A contribuição intelectual do embaixador Meira Penna, devido à sua grande erudição, abrange diferentes áreas do conhecimento, o que torna impossível, no breve espaço do presente ensaio, tratar de todos os aspectos principais de sua obra. Como uma homenagem ao embaixador Meira Penna, no dia de seu aniversário, desejo, num primeiro momento, fazer um breve resumo biográfico, para num segundo momento, apresentar seus principais argumentos na crítica que há mais de três décadas vem fazendo à chamada Teologia da Libertação. Achamos pertinente explicitar esse aspecto do pensamento do ilustre diplomata, pois, ao contrário do que muitas pessoas acreditam, a Teologia da Libertação ainda tem uma grande influência no imaginário de muitos católicos latino-americanos, sendo uma das maiores ameaças à verdadeira fé cristã.

Não faremos uma exposição exaustiva sobre um tema tão amplo, abrangente e que ocupa uma importante parcela na obra do valoroso pensador brasileiro. Abordaremos apenas alguns tópicos que servirão para ilustrar as linhas básicas do posicionamento de Meira Penna em relação à Teologia da Libertação. Tive a oportunidade de abordar esse tema de forma mais ampla numa apresentação em 1999, durante o 6º Encontro Nacional de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, organizado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde foi merecidamente prestada uma homenagem ao pensamento do embaixador Meira Penna. Dentre os professores que participaram dessa homenagem destacamos os nomes de Antônio Paim, Mariluze Ferreira de Andrade e Silva, Mário A. L. Guerreiro, Paulo Viana de Moura e Ricardo Vélez Rodríguez, que atualmente ocupam cargos em conselhos do CIEEP.

Conheci a obra de Meira Penna em 1993, por intermédio dos professores Alberto Oliva e Mário A. L. Guerreiro, dos quais fui aluno em diferentes matérias do curso de filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Conheci pessoalmente o embaixador Meira Penna no ano de 1994, apresentado pelo saudoso professor Og Francisco Leme (1922-2004), a quem devo muito de minha formação intelectual, graças às indicações bibliográficas fornecidas, às reuniões semanais de orientação onde debatíamos algumas leituras indicadas, e aos contatos com outros professores apresentados por ele. Aos poucos, comecei, por conta própria, a manter um contato mais freqüente com Meira Penna, tirando dúvidas sobre diferentes tópicos. Guardo com saudade momentos agradáveis que passamos juntos no Rio de Janeiro, em Angra dos Reis, em Brasília, em Londrina, em São João Del Rey e em Washington. Graças a uma indicação do professor Og Leme, tive a honra de ser co-autor de um livro em que Meira Penna também participou: “Ensaios sobre Liberdade e Prosperidade” (UNA, 2001), organizado por Aloísio T. Garcia, que, além de nossos trabalhos, também reúne textos de Gilberto Salgado, de Og Leme e do organizador.

Nascido na cidade do Rio de Janeiro em 14 de Março de 1917, Meira Penna fez durante três anos os estudos ginasiais na França e se formou em Direito pela Universidade do Brasil. Ingressou na carreira diplomática em 1938, através de concurso público para o Instituto Rio Branco. Dentre as diversas funções que exerceu como diplomata de carreira destacamos os cargos de vice-cônsul em Calcutá, na Índia e em Shangai, na China, além de ter trabalhado como segundo secretário em Ankara, na Turquia, como secretário e conselheiro da Missão Brasileira às Nações Unidas em Nova Iorque, como cônsul geral em Zurique na Suíça, embaixador do Brasil na Nigéria, secretário geral adjunto para a Europa-Oriental e Ásia, embaixador do Brasil em Israel e em Chipre, embaixador do Brasil na Noruega e na Islândia, embaixador do Brasil no Peru, e embaixador do Brasil na Polônia. A dedicação ao estudo sempre foi uma característica da trajetória de Meira Penna, que fez cursos de especialização na Universidade de Columbia em Nova Iorque, no Instituto C. G. Jung de Zurique e na Escola Superior de Guerra.

O saudoso Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999) afirmou que “o embaixador Meira Penna alia a sua inteligência e a sua vasta erudição – histórica, filosófica, sociológica, política e econômica – a uma notável capacidade de combater. Polêmico, freqüentemente agressivo em face a posturas contrárias a sua – especialmente a socialista e nacionalista –, ele é uma figura ímpar no panorama intelectual brasileiro, sempre pronto a denunciar ilusões ou imposturas”. Meira Penna é autor de uma vasta obra composta, até o presente momento, de vinte e um livros, além de centenas de artigos publicados em obras coletivas, revistas e jornais no Brasil e no exterior. Acerca desses escritos que abrangem diferentes áreas do conhecimento, Antonio Paim destaca que “desenvolvendo grande atividade intelectual desde a juventude, o embaixador aposentado José Osvaldo de Meira Penna realizou uma obra grandiosa, que acredito venha a merecer consideração detida num dos nossos cursos de pós-graduação em pensamento brasileiro ou ciência política”. O saudoso Roberto Campos (1917-2001) ressaltou oportunamente que “Meira Penna se entrega à tarefa crespa, porém urgente, de desmistificar mitos”.

Dentre as diversas apreciações ao conteúdo de sua obra, destacamos a afirmação de Ubiratan Borges de Macedo, quando destaca que “Meira Penna está muito atento aos problemas colocados pela inserção do catolicismo na economia da modernidade, além de preocupado com a fundação de uma ética social”. É dentro deste contexto que se insere a crítica do embaixador ao conteúdo ideológico da Teologia da Libertação, um dos eixos de análise neste texto.

A crítica de Meira Penna à Teologia da Libertação se encontra de forma sistemática nos livros “O Evangelho segundo Marx” (Editora Convívio, 1982) e “Opção Preferencial pela Riqueza” (IL, 1991). Encontramos, também, tais críticas em outros livros e em diversos artigos para jornais e revistas. As críticas do embaixador Meira Penna ao conteúdo ideológico da Teologia da Libertação surgiram a partir de uma polêmica, iniciada em dezembro de 1979, com a publicação de uma série de artigos, editoriais e cartas dos leitores no Jornal do Brasil. A controvérsia girava em torno do conteúdo da Teologia da Libertação e das idéias de uma de suas figuras centrais, o sr. Genésio Darci Boff, que na época, ainda estava em comunhão com a Igreja Católica e tinha o direito de assinar como Frei Leonardo Boff, nome de ordem enquanto ainda era sacerdote franciscano. Meira Penna destaca na introdução do livro “O Evangelho segundo Marx” que “o que era uma surpresa – o fato da teologia, assunto geralmente rebarbativo, se tornar tema de debate jornalístico – melhor se explicaria pela tonalidade essencialmente política da aludida Teologia. A política é, de fato, a religião do nosso século, de maneira que é bem compreensível queiram alguns agitados clérigos revitalizar o Catolicismo e novamente encher as Igrejas pela introdução das paixões políticas nos seus ensinamentos. Assim, o que entrou em debate, no fundo, não era Teologia, nem ‘opção pelos pobres’, mas Marxismo – este notoriamente infiltrado nos estabelecimentos de ensino e, em particular, na PUC. Isso esclarece o porque do tom um tanto ou quanto emocional da polêmica, em que acabou se envolvendo o próprio Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro”.

A análise de Meira Penna ressalta que a Teologia da Libertação, embora proclame e insista no caráter especificamente latino-americano de sua doutrina, se sustenta claramente na obra de teólogos europeus protestantes e católicos; representando, desta forma, uma variedade indígena das chamadas “Teologia Política”, “Teologia da Secularização”, “Teologia da Revolução” e, até mesmo, da “Teologia da Morte de Deus” e da “Teologia da Violência”, que tem assoberbado os jovens pensadores mais afoitos da Igreja européia. Ainda na obra “O Evangelho segundo Marx”, Meira Penna ressalta que duas correntes principais “das mais desastrosas que hão afetado a filosofia e, através dela, a ciência política ocidental, se manifestam tanto no método e no vocabulário, quanto no espírito da Teologia da Libertação: a corrente historicista do idealismo alemão, na linha de Hegel, e sua semântica abstrusa, suspeita e imanentizante; e do romantismo francês na linha de Rousseau” (p. 9).

Ao denunciar o conteúdo ideológico da Teologia da Libertação, Meira Penna assume antecipadamente a mesma postura do Papa João Paulo II, nas encíclicas “Sollicitudo Rei Socialis” (1987) e “Centesimus Annus” (1991), e da Congregação para a Doutrina da Fé, nas instruções “Libertatis Nuntium: Sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação” (1984) e “Libertatis Conscientia: Sobre a liberdade cristã e a libertação” (1986), ao destacar que o problema dessa teologia é o mesmo do marxismo. Meira Penna faz uma crítica lúcida e demolidora ao marxismo infiltrado nas elucubrações de uma parcela significativa dos teólogos latino-americanos ao ressaltar que uma das principais características da Teologia da Libertação é o seu conteúdo utópico. Ele acentua no livro “O Evangelho segundo Marx” que a partir deste elemento utópico “há como que um verdadeiro repúdio da escatologia cristã. O Reino não é mais esperado no ‘final dos tempos’. A Teologia passa a insistir na ‘dimensão terrena, sócio-política do presente histórico’ nas promessas escatológicas. Sua realização não pode ser mais adiada para o fim apocalíptico da história, com referência a um futuro misterioso e imprevisível. A promessa do Reino tem que assistir a uma realização imediata. O intuito profético desarvorado que é o teólogo da Libertação vê a realização da promessa como mediação da resposta livre do homem, no decurso do atual momento histórico” (p. 51).

Outro aspecto interessante do livro “O Evangelho segundo Marx” é a tentativa de fazer uma análise psicológica do marxismo infiltrado na Teologia da Libertação latino-americana, recorrendo, para isso ao conceito de “ressentimento”, a partir do qual infere a premissa de que: “na teoria da ‘dependência’, assim como nos protestos contra uma alegada ‘opressão’ e ‘dominação’ que estaríamos sofrendo, por parte dos Estados Unidos e dos países industrializados em geral, podermos efetivamente descobrir motivações psicológicas de índole ressentida. Motivações idênticas contaminam a denúncia generalizada dos ‘ricos’ e bem sucedidos. Uma apreciação psicológica do ressentimento é assim susceptível de contribuir para um melhor esclarecimento do tema que tanto nos preocupa” (p. 79). Ainda nessa parte da obra, ele aprofunda a questão do ressentimento, destacando que tal postura deriva da inveja e do impulso de vingança, e afirma que: “quando o desejo de adquirir o bem do outro (digamos o desejo do subdesenvolvimento de locupletar-se com o poder, a riqueza, o bem-estar, a renda per capita e a tecnologia americana ou européia) fracassa diante de nossa própria inferioridade constitucional, a consciência difusa da impotência representa o que a escola de Jung compreende como o ‘reconhecimento da própria sombra’ – o lado negativo, malicioso e ‘sombrio’ do complexo psíquico. A sombra é então projetada sobre o objeto, ao qual é atribuída toda a mazela que, sem querer, reconhecemos em nós próprios” (p. 79). Seguindo a mesma linha de raciocínio, Meira Penna, na obra “Opção Preferencial pela Riqueza”, afirmou que “a revolta contra os ricos, o ressentimento pela própria pobreza, a condenação da prosperidade do próximo denunciam a cobiça e a inveja no coração revoltado” (p. 157).

A crítica de Meira Penna, fundamentada na noção de ressentimento, está de acordo com a visão do papa Leão XIII, quando ao analisar o problema da miséria dos operários na encíclica “Rerum Novarum” (1891) afirmou que “os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comum a todos, e que a sua administração deve voltar para os Municípios ou para os Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social” (§ 7). Continuando a reprovação as teorias socialistas o documento pontifício ressalta que “além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as suas funestas conseqüências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como conseqüência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria. Por tudo que nós acabamos de dizer, compreende-se que a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranqüilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo, e a inviolabilidade da propriedade particular” (§§ 22-23). Tal posicionamento da Igreja Católica foi reafirmado integralmente por todos os documentos do magistério romano que se dedicaram à chamada questão social e que constituem as fontes seguras da Doutrina Social da Igreja. Dentre os textos que expressam os erros do socialismo destacamos uma passagem da encíclica “Centesimus Annus”. O papa João Paulo II, tendo experimentado na Polônia os males do nazismo e do comunismo, reforça as palavras de Leão XIII, advertindo que o remédio proposto pelos socialistas se revelou pior que a doença e constatando a visão profética de Leão XIII, ao afirmar que “não se poderia indicar melhor os males derivados da instauração deste tipo de socialismo como sistema de Estado: aquele tomaria o nome de ‘socialismo real’” (§ 12).

O problema moral essencial que temos de enfrentar na política e na economia é identificado de forma clara e distinta por Meira Penna, quando, no livro “Opção Preferencial pela Riqueza”, constata que “a hipocrisia social sempre procurou esconder o caráter egoísta, agressivo, pecaminoso e imperfeito da alma humana, atingida segundo pretendem as Escrituras, por uma espécie de Pecado Original” (p. 12). Meira Penna continua sua reflexão afirmando que “o homem acreditou que essas suas falhas não existem, ou são corrigíveis numa sociedade que se diz cristã e foi educada na idéia do amor, do altruísmo, da compaixão e da fraternidade. O mal do egoísmo, da agressividade, da inveja, da crueldade, da luxúria e da mentira certamente persiste, na sombra – mas pode ser perdoado pelo sacerdote, no confessionário, com um padre-nosso e três ave-marias e a promessas envergonhadas de não repetir... Uma solução melhor encontrada, quando começou a definhar a fé religiosa, consubstanciou o Mal romântico, perversa enfermidade coletiva que se apossou da mente ocidental a partir de fins do século XVIII. O Mal romântico procura encontrar álibis para a brutalidade da condição humana. Ele projeta nossa consciência de culpa sobre os famosos ‘cabides de sombra’ – que sempre são os de um outro no contexto do Mal romântico. Surgiu o cristianismo ‘ersatz’ que é o Socialismo. O homem é basicamente bom, quem o corrompe é a sociedade capitalista. A culpa é das ‘estruturas’ sociais. Nelas é que se penduram os cabides. Não há pecado individual, há pecado ‘social’. Basta manipular adequadamente as estruturas e se alcançará a ‘justiça social’. O papel salvífico da Igreja deve ser entregue ao Estado, com a assistência de figuras messiânicas, carismáticas e soteriológicas, proliferando em nosso século como cogumelos em floresta úmida. O socialismo é o altruísmo imposto pela polícia” (pp. 12-13).

A postura de Meira Penna, contrária a idéia absurda, proposta por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que “o homem é basicamente bom, quem o corrompe é a sociedade” encontra fundamentos na autêntica Tradição Cristã, visto que, tanto no “Evangelho segundo São Mateus” (15,10-20), quanto no “Evangelho segundo São Marcos” (7,14-23), Nosso Senhor enfatiza “que as coisas que vem de fora não podem tornar o homem impuro, mas apenas aquilo que sai de dentro dele”, afirmando, assim, que “toda a maldade é fruto do coração do próprio homem”. Se acreditarmos nas palavras de Jesus Cristo, somos levados a concordar com Meira Penna, quando no livro “O Evangelho segundo Marx” defende que há uma dose de farisaísmo no posicionamento dos teólogos da libertação ressaltando, desta forma, que toda a motivação da tese deste segmento da Igreja é essencial e fundamentalmente farisaica. Para Meira Penna “o fariseu se define como aquele que se recusa a ver as suas próprias faltas, os seus próprios pecados – e projeta sobre o outro, o estranho, o mal que inconscientemente reconhece em si mesmo. Na época de Cristo, os escribas e fariseus denunciavam a corrupção dos gregos, a dominação dos romanos, a impureza dos samaritanos, a torpeza dos publicanos, coletores de impostos para César. O que não podiam era reconhecer a sua própria condição, que Cristo descrevia como a de sepulcros caiado de branco. A projeção da sombra de sua culpa sobre o estranho, o estrangeiro, o outro constitui a característica psicológica do fariseu” (p. 29). É por esta razão que Meira Penna considera profundamente farisaico e anticristão todo o arrazoado da Teologia da Libertação, inferindo que “seu efeito prático – ao reconhecer as injustiças muito reais existentes em nosso meio – é o de pôr a culpa para cima dos americanos, o que nos exime naturalmente de procurá-la em nós mesmos, de examinarmos em nossa própria sociedade os erros que cometemos, as injustiças que deixamos que perdurem, os nossos pecados coletivos, as nossas falhas e inadequado talento de organização coletiva – em que sentido somos responsáveis pela pobreza e abandono das massas sertanejas porque nunca lhes fornecemos escolas suficientes, nunca tratamos suas endemias rurais, nunca estruturamos a nossa própria sociedade de maneira a permitir uma distribuição mais eqüitativa da renda nacional. O exame de consciência coletiva deve estender-se a um exame de consciência individual”(p. 29).

Nestas passagens das obras de Meira Penna fica evidente a diferença entre a atitude de indiferença pelas riquezas materiais, pregada pelo verdadeiro cristianismo, e a atitude de negação das riquezas, propostas pelos defensores da Teologia da Libertação. Ele também acentua que não há contradições entre o ideal cristão e a prática de uma economia de mercado, como fica evidente no seguinte trecho do livro “Opção Preferencial pela Riqueza”: “na sociedade universal moderna, composta de centenas de milhões, ou bilhões de indivíduos, é o relacionamento comercial, à base de dinheiro que melhor funciona. A ele chamamos capitalismo. O capitalismo é condenado como pecaminoso pelos clérigos da Esquerdigreja e pela intelectuária botocuda, entre os retomicturentes reacionários, porque parece exaltar o egoísmo do homem através do ‘nexus’ monetário. A realidade é que tanto o capitalismo como o socialismo são meros ‘instrumentos’ do homem. São ‘meios’. Meios para o alcance de seus fins materiais, sistemas moralmente neutros, despersonalizados, de relacionamento econômico entre grandes massas, em contactos que não afetam, de modo algum, nem o substrato fundamentalmente egoísta da humanidade, nem a presença de uma forte dose de simpatia em todas convivência social harmônica” (p. 41). As vantagens da economia de mercado na preservação da liberdade da pessoa humana, tão enfatizada por Meira Penna, estão de acordo com a Doutrina Social da Igreja, como fica evidente na encíclica “Centesimus Annus”, quando João Paulo II afirma que “tanto a nível de cada Nação, como no das relações internacionais, o livre mercado parece ser o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente às necessidades” (§ 34).

A crítica de Meira Penna à Teologia da Libertação, além de teórica, se preocupa com as conseqüências de sua difusão na sociedade brasileira, ao constatar no livro “Decência Já” (Nórdica, 1992) que por causa da infiltração marxista “a Igreja revelou-se irremediavelmente dividida entre romanos e seguidores do bofe messiânico Dom Leonardo Mártir” (p. 43). Ainda nessa obra, ressalta que a nacionalidade está sob a inspiração dos clérigos da Teologia da Libertação e enfatiza que nosso país é assolado por três males muito graves: “a patifaria, a burrice e a ideologia, de inspiração esquerdista, que se traduz em ímpetos nacional-socialistas, xenófobos, estatizantes e terceiro-mundistas” (p. 43). Os três males, encontrados na Teologia da Libertação, mantêm o Brasil subdesenvolvido por transformar a “opção preferencial pelos pobres” numa “opção preferencial pela pobreza”.

Podemos melhor compreender o papel de José Osvaldo de Meira Penna no cenário intelectual brasileiro a partir de uma citação do filósofo austro-britânico Sir Karl R. Popper (1902-1995), quando no livro “Em Busca de um Mundo Melhor” (Editorial Fragmentos, 1989) destaca que “todo intelectual assume uma responsabilidade muito especial. Ele tem o privilégio de estudar. Em contrapartida, tem o dever de transmitir aos seus concidadãos (ou a ‘sociedade’) os resultados dos seus estudos da forma mais simples, mais clara e mais sóbria possível. O mais grave – o pecado contra o espírito santo – é quando os intelectuais tentam arvorar-se em grandes profetas face aos outros indivíduos e impressioná-los com filosofias divinatórias. Quem não for capaz de se exprimir de forma clara e simples deve permanecer calado e continuar a trabalhar até conseguir a clareza de expressão” (p. 88). Meira Penna tem cumprido sua função como intelectual. Suas análises acerca da sociedade na qual vivemos são transmitidas de forma simples, clara e sóbria, mas sem perder em qualquer momento a honestidade intelectual, o conteúdo e a erudição. Heroicamente, com suas lúcidas conclusões, ele consegue contrariar muitas vezes os jargões pré-fabricados, rígidos e carregados de preconceitos que dominam, com raras exceções, a mídia e o meio acadêmico. É pela grande qualidade de seus escritos e por seus grandes méritos, como pensador e cidadão brasileiro, que prestamos essa homenagem ao nosso amigo embaixador Meira Penna, um intelectual ímpar, que deve servir de modelo para todas as novas gerações que estejam de alguma forma em busca de um mundo melhor.

Peço a Deus que o Espírito Santo continue iluminando o pensamento de Meira Penna, e que, por intermédio da graça divina, lhe dê saúde e muitos anos de vida.

Parabéns, embaixador Meira Penna!


***

Biografia de Meira Penna:

Biografia do Embaixador Meira Penna:

José Osvaldo de Meira Penna nasceu no Rio de Janeiro no dia 14 de Março de 1917. Pela Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), obteve o título de Bacharel em Ciências Jurídicas. No ano de 1938 ingressou na carreira diplomática por intermédio de concurso público para o Instituto Rio Branco. Fez cursos de especialização na Universidade de Columbia, em Nova York, e no Instituto C. G. Jung, de Zurique. No ano de 1965 fez o Curso Superior de Guerra da ESG, tendo cursado posteriormente diversos cursos de especialização nessa instituição. Como diplomata de carreira, J. O. Meira Penna ocupou diversas funções, dentre as quais: Vice-Cônsul em Calcutá¡, Índia, e Shangai, China (1940-1952); Segundo Secretário em Ankara, Turquia, e Encarregado de Negócios em Nanking, China (1947-1949); Secretário em Ottawa, Canadá¡, Secretário e Conselheiro da Missão Brasileira das Nações Unidas (1953-1956) e membro da Delegação Brasileira a várias Assembléias das Nações Unidas, e da Conferência Geral da UNESCO em 1958; Chefe da Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores (1956-1959); Cônsul Geral em Zurique, Suíça (1959-1964); Embaixador do Brasil em Lagos, Nigériria (1964-1965); Secretário Geral Adjunto para o Planejamento e da Europa-Oriental e Ásia (1966-1967); Embaixador do Brasil em Israel e em Chipre (1967-1970); Presidente da Comissão de Assuntos Internacionais do MEC, Diretor Geral da Embrafilme e Assessor do Ministério da Educação e Cultura (1971-1973); Embaixador do Brasil em Oslo, Noruega e na Islândia (1974-1977); Embaixador do Brasil em Quito, Equador (1978-1979); e Embaixador do Brasil em Varsóvia, Polônia (1979-1981). Meira Penna foi conferencista de cursos da ADESG (1971-1973); tem ministrado regularmente conferências sobre psicologia social no Instituto C. G. Jung em Zurique e conferências sobre diversos temas na Escola Superior de Guerra e no Conselho Técnico da Confederação Nacional da Indústria e do Comércio. Tem colaborado com o trabalho dos Institutos Liberais de todo o Brasil, sendo atualmente o presidente do Instituto Liberal de Brasília. José Osvaldo de Meira Penna é um dos quatro brasileiros vivos que tem a honra de ser membro da Mont Pelerin Society.

Meira Penna é autor de vasta obra composta, até o presente momento, dos seguintes livros: Shangai: Aspectos Históricos da China Moderna (1944), O Sonho de Sarumoto: O Romance da História do Japão (1948), Quando Mudam as Capitais (1958 / 2ª Edição revista e ampliada: 2002), Política Externa, Segurança e Desenvolvimento (1967), Psicologia do Subdesenvolvimento (1972), Em Berço Esplêndido: Ensaios de Psicologia Coletiva Brasileira (1ª Edição: 1974 / 2ª Edição revista e ampliada: 1999), Elogio do Burro (1980), O Brasil na Idade da Razão (1980), O evangelho segundo Marx (1982), A Ideologia do Século XX: Ensaios sobre o Nacional-socialismo, o Marxismo, o Terceiro-mundismo e a Ideologia Brasileira (1ª Edição: 1985 / 2ª Edição revista e ampliada: 1994), A Utopia Brasileira (1988), O Dinossauro: uma Pesquisa sobre o Estado, o Patrimonialismo Selvagem e a Nova Classe de Burocratas e Intelectuais (1988), Opção Preferencial pela Riqueza (1991), Decência Já¡ (1992), O Espírito das Revoluções: Da Revolução Gloriosa à Revolução Liberal (1997), Ai, que dor de cabeça!: Alguns dados informativos e sugestões para aqueles que sofrem de enxaqueca (2000), Urania: Onde se discute a conquista do espaço, a ficção científica, os discos voadores, E.T.s, a pluralidade dos Mundos Habitados e a solidão do homem (2000), Cândido Pafúncio: Numa historia contada por um idiota (2001), Da Moral em Economia (2002) e Polemos (2006). Além desses, Meira Penna é autor de centenas de artigos publicados em jornais e revistas no Brasil e no exterior.

Algumas opiniões acerca do embaixador Meira Penna:

“O embaixador Meira Penna é um homem de grande cultura, que já leu todos os grandes clássicos e modernos do pensamento liberal, e que fez do liberalismo uma doutrina viva. É também um formidável polemista”.
- Mário Vargas Llosa

“Desenvolvendo grande atividade intelectual desde a juventude, o embaixador aposentado José Osvaldo de Meira Penna realizou uma obra grandiosa, que acredito venha a merecer consideração detida num dos nossos cursos de pós-graduação em pensamento brasileiro ou ciência política”.
- Antonio Paim

“O embaixador Meira Penna alia a sua inteligência e a sua vasta erudição - histórica, filosófica, sociológica, política e econômica - a uma notável capacidade de combater. Polêmico, freqüentemente agressivo em face a posturas contrária a sua - especialmente a socialista e nacionalista -, ele é uma figura ímpar no panorama intelectual brasileiro, sempre pronto a denunciar ilusões ou imposturas”.
- Roque Spencer Maciel de Barros

“Meira Penna é um reconhecido intelectual, articulista e polemista, já escrevera diversas obras de fôlego, introduzindo muitos temas então inéditos ou pouco abordados, como o patrimonialismo selvagem”.
- Cândido Prunes

“O embaixador José Osvaldo de Meira Penna é um dos intelectuais brasileiros que mais tem contribuído para a formação de uma literatura liberal em nosso país”.
- Og F. Leme

“Meira Penna é um expoente da pequena ala de intelectuais liberais do Itamaraty que não se deixaram contaminar pelas ideologias coletivas: o solidarismo romântico, o nacionalismo e o socialismo. Essas ideologias antiliberais, que desconhecem o papel da concorrência na promoção da eficácia econômica e do pluralismo político, impregnaram várias gerações itamaratianas. E, como convé a celebre entropia de um país subdesenvolvido, degradaram-se em manifestações folclóricas: antiamericanismo de salão, socialismo de balcão e terceiro-mundismo de ocasião”. “Meira Penna, como liberal engajado e espadachim ideológico, sempre sofreu discriminação por parte de mesquinhas igrejinhas no Butantã da Rua Larga. Foi um talento subaproveitado. Prosperam mais, para usar a verbologia de Platão, os 'filodoxos' (amigos de opiniões) do que os 'filósofos' (amigos da sabedoria)”.
- Roberto Campos

“Meira Penna está muito atento aos problemas colocados pela inserção do catolicismo na economia da modernidade, além de preocupado com a fundação de uma Ética social”.
- Ubiratan Borges de Macedo

“Meira Penna escreveu o melhor livro de psicologia social brasileira (Psicologia do Subdesenvolvimento) e a melhor defesa da economia liberal que existe em português (Opção Preferencial pela Riqueza), além de uma notável análise da burocracia estatal (O Dinossauro), de um esplêndido painel das Ideologias do Século XX e de muitos outros livros que não ficam abaixo desses”. “Poucos escritores de tamanho valor foram, no mundo, tão injustamente depreciados pela mídia, tão sistematicamente excluídos do debate público e reduzidos a falar para um pequeno círculo de leitores e admiradores”.
- Olavo de Carvalho


Obs.: Tive a honra de conhecer pessoalmente o embaixador Meira Penna, o 'Barão de Castália', quando fui convidado pelo Prof. PhD Nelson Lehmann da Silva, secretário-executivo do Instituto Liberal de Brasília e também professor emérito da UnB, de fazer parte desse distinto grupo candango. As palestras do presidente do Instituto Liberal sempre foram muito concorridas, recebendo a admiração de todos pelo seu vasto saber. É uma pena que os jornais locais e os de grande circulação nacional não tenham Meira Penna entre seus articulistas. O fato é que o embaixador tem uma eterna vida de “piracema”, como a teve o saudoso Roberto Campos, nadando a braçadas fortes contra a “maré vermelha” destes tempos tenebrosos em que vivemos, por isso tem pouco espaço na mídia hoje tomada pela gentalha esquerdista. Uma vergonha nacional! (F.Maier)



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