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Ensaios-->Sertões de Canudos, Sertões de Passo Fundo -- 10/06/2008 - 09:33 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sertões de Canudos, Sertões de Passo Fundo

Paulo Monteiro (*)

A Almedoro Vencato, historiador

A Revolução Federalista na região de Passo Fundo é marcada pela presença de uma figura que acaba unindo o imaginário religioso local a outras regiões do país: o Monge João Maria, mais precisamente um dos homens conhecidos com esse nome.
Simpático aos federalistas, aparece nas páginas de “Voluntários do Martírio”, a clássica obra de Angelo Dourado, onde o coronel-médico registra as passagens do Exército Libertador de Gomercindo Saraiva por esta parte do Estado. Encontramos referência a seguidores do anacoreta, ainda em “Revolução em Cima da Serra”, escrita pelo general maragato Antônio Ferreira Prestes Guimarães, uma das figuras mais representativas daquele movimento insurrecional.
Prestes Guimarães narra a presença de beatas com a bandeira de João Maria, às vésperas do Combate dos Três Passos (6 de junho de 1894). Na oportunidade, um alferes teria se negado beijar a bandeira, alegando que se o fizesse correria o risco de entortar a boca e quebrar os dentes. Isto, coincidentemente, aconteceria no dia seguinte, ao ser ferido por uma bala republicana. Angelo Dourado conta o encontro havido entre as tropas revolucionárias e o monge, no interior de Soledade, poucos dias após a fatídica Batalha do Pulador (27 de junho de 1894). Causou-lhe admiração a maneira respeitosa como era tratado pelos soldados maragatos, máxime os guerrilheiros serranos.
Dois anos depois um outro beato, o cearense Antônio Vicente Mendes Maciel, que passou à história como Antônio Conselheiro, entrincheirado no arraial de Canudos, em pleno sertão baiano, seria o centro de uma das maiores movimentações bélicas para debelar um “foco sedicioso” no Brasil. E lá, ao final da conflagração, estariam tropas da 3ª Região Militar (Exército), Brigada Militar e seus provisórios, experimentados na repressão ao movimento revolucionário federalista.
Destacam-se homens que tiveram o conceito militar aumentado na repressão aos liberais insurretos, como o general Arthur Oscar de Andrade Guimarães, que perseguiu a coluna de Gomercindo Saraiva até Passo Fundo, quando retornava do Paraná, desistindo de segui-la, já nas proximidades do Mato Castelhano, e o coronel Carlos Maria da Silva Telles, que suportou o prolongado Cerco de Bagé. Vê-se, ainda, a presença do coronel Thompson Flores, experiente na guerra travada nas serras gaúchas, e do tenente-coronel Antônio Tupy Ferreira Caldas, que lutou no Pulador. Os dois últimos deixariam o pelego em Canudos. Também aparece o capitão Chachá Pereira, que comandava o policiamento de Passo Fundo, quando o município foi ocupado pelas forças de Gomercindo em outubro de 1893. Chachá tombou em Canudos. Ao todo serão cinco batalhões gaúchos, que acompanharão os estertores da “Tróia de taipa”. Entre estes o 30º massacrado pela cavalaria maragata nos Três Passos.
As três primeiras expedições enviadas para tomarem o reduto de Antônio Conselheiro demonstram à saciedade que nem o Exército Brasileiro, e muito menos as polícias militares, estavam preparados para uma guerra nas selvas. A situação começou a pender para os atacantes – é de inteira justiça reconhecê-lo – quando, na quarta expedição, entraram em ação as tropas gaúchas. Com elas foi a experiência recente de combate à Revolução Federalista e de enfrentamento com o Exército Libertador Serrano. Aqui, na região de Passo Fundo, Palmeira das Missões e Soledade as ações revolucionárias abriram e fecharam a “Revolução da Degola”. E a Campanha de Canudos, em seus estertores, foi marcada pela degola dos prisioneiros.
Euclides da Cunha assim narra em “Os Sertões”, p. 542 (Record. Rio de Janeiro, 1998) a prática desse ato: “Chegando à primeira canhada encoberta, realizava-se uma cena vulgar. Os soldados impunham invariavelmente à vítima um viva à República, que era poucas vezes satisfeito. Era o prólogo invariável de uma cena cruel. Agarravam-na pelos cabelos, dobrando-lhe a cabeça, esgargalando-lhe o pescoço; e, francamente exposta a garganta, degolavam-na. Não raro a sofreguidão do assassino repulsava esses preparativos lúgubres. O processo era, então, mais expedito: varavam-na prestes a facão.
Um golpe único, entretanto pelo baixo ventre. Um destripamento rápido...”
Poucas linhas à frente conta que aos jagunços válidos, capazes de agüentar o peso da espingarda, aplicava-se a morte sumária. Era “Enlear ao pescoço da vítima uma tira de couro, num cabresto ou numa ponta de chiquerador; impeli-la por diante; atravessar entre as barracas, sem que ninguém se surpreendesse; e sem temer que se escapasse a presa porque ao mínimo sinal de resistência ou fuga um puxão para trás faria que o laço se antecipasse à faca e o estrangulamento à degola”. E assim eram conduzidos ao local do martírio, num processo idêntico ao empregado pelo caudilho serrano Firmininho de Paula, pai, nos prisioneiros vitimados na “Degola do Boi Preto”.
Era a suprema humilhação. Desmoralizavam a crença num dos dogmas semeados pelo Conselheiro, segundo o qual os mortos à arma branca estavam impedidos de receber a salvação eterna. Simples cuidado para que os jagunços não se expusessem a um combate corpo a corpo onde só teriam a perder.
A degola dos prisioneiros foi introduzida em Canudos pelos brigadianos e provisórios gaúchos, no que todos concordam. Acompanhava-lhe o mesmo sentido de humilhação.
“Mal acabou a guerra, surgiu um movimento para denunciar a crueldade do Exército. Centenas de conselheiristas, talvez mais de 1.000, tiveram o pescoço cortado. “É justo que se condenasse o crime. Mas não se pode esquecer que foi a opinião pública que exigiu esse tratamento a Conselheiro”, diz Ferraz (o historiador Renato Ferraz, PM). Os ânimos estavam muito exaltados. E os canudenses também matavam seus prisioneiros.” Só não os degolavam porque cortar o pescoço era um costume macabro dos gaúchos, que compunham a maior parte das Forças Armadas. Os sertanejos preferiam executar os soltados estripando-os: ou seja, metendo a peixeira na barriga. Como se vê, a história da índole pacífica do povo brasileiro é um mito”. (BURGIEMANN, Denis Russo. “Nem fanático nem revolucionário”. SUPERINTERESSANTE. Ano 14. Nº 2. Fev./ 2000, p. 41).
Na Serra, pica-paus e maragatos poucos prisioneiros faziam. Agradava-lhes a gravata colorada nos vencidos, de ambos os lados. Experiência de guerra na selva e degola foram as grandes contribuições dos legionários gaúchos à Campanha de Canudos.
Tanto isso é verdade que trouxeram de lá um hábito incomum na região serrana: o corte das orelhas de mortos por encomenda. E o aplicaram aqui, no enorme latifúndio chamado Fazenda Sarandi. Isso aconteceu no mandato de Nicolau de Araújo Vergueiro como intendente (prefeito) de Passo Fundo. Nicolau de Araújo Vergueiro, vendera a fazenda aos “castelhanos”, em 1907.
Quando a área foi colonizada e os lotes vendidos a lavradores de origem italiana os antigos posseiros caboclos, receberam apoio dos “maragatos” de Palmeira das Missões.
Isabel Salvadori Signor, nascida em 1905, contou a seu sobrinho Pe. Claudino Magro, autor de “História de Nossa Parentela” (Santa Maria. Palotti, 2001, p. 183) a história dessa matança.
“De sua parte – é ainda tia Isabel que narra – o Capitão Magalhães, mandava os chimangos percorrer o interior, pelas estradas e pelos piques e atalhos, nos matos, caçar os maragatos. Quando os pegassem matavam-nos, cortavam-lhes as orelhas e traziam-nas ao Capitão, para provar que os tinham fuzilado mesmo. Que barbaridade, não é, padre Claudino? Era a lei, dente por dente, olho por olho”.
A seguir prossegue dizendo que “os soldados da brigada de Passo Fundo apanharam um piquete de maragatos, perto dum pinhal, entre Sarandi e Rondinha, fizeram-nos trepar nas árvores e, quando estavam à certa altura, os fuzilavam”. Seria vingança por ato semelhante praticado por um piquete federalista, ao entardecer de 27 de junho de 1894, no Pulador?
O depoimento de Isabel Salvadori Signor comprova o que o pesquisador Almedoro Vencato já divulgara em 1988 e foi acolhido por Aldomar Arnaldo Rückert em “A Trajetória da Terra – Ocupação e Colonização do Centro-Norte do Rio Grande do Sul – 1827-1931” (EDIUPF, 1997), p. 132: “Com o término da Revolução de 1923, através do acordo assinado em Pedras Altas, que dá base para a reformulação da Constituição Estadual, a companhia colonizadora passa a eliminar os ranchos dos camponeses caboclos com muita violência e alta mortandade. Nessas empreitadas, é costume levar à sede da companhia – em Sarandi – as orelhas dos caboclos assassinados, trabalho que é recompensado pelo número de pares de orelhas cortadas. Os posseiros sobreviventes passam a localizar-se, entre outros lugares, no lado esquerdo do rio da Várzea, no município de Palmeira das Missões, em terras que não estão sendo colonizadas (...)”.
Esse massacre é detalhado por Almedoro Vencatto em seu livro SARANDI, UM RECANTO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL (Gráfica e Editora A Região Ltda., Sarandi, RS, 1994), afirmando que, ao ser aberta a colonização que atraiu colonos descendentes de italianos e alemães 'nestas promissoras paragens, já existiam posseiros que se haviam 'intrusado' nas margens do rio da Várzea, na orla da floresta, no pastoreio de pequenos rebanhos de gado maior e gado menor, na caça e pesca, na extração da erva-mate e no cultivo de pequenas e incipientes lavouras para subsistência própria (mandioca, batata, abóbora, milho, cana-de-açúcar, etc.). Estes elementos, precursores dos verdadeiros colonizadores, eram constituídos, na sua maioria, de lusos brancos, negros alforriados, índios remanescentes dos Sete Povos das Missões e uma miscigenação dos três tipos étnicos que levavam a alcunha de 'caboclos'. (Op. cit., p. 84).
Almedoro Vencatto, como advogado e político, manteve contato com as populações ao redor de Sarandi. Conheceu contemporâneos dos fatos narrados e estudou documentos para escrever seu livro, que é uma das grandes obras que dispomos sobre a história regional.
Os 'caboclos' apoiaram a Revolução de 1923, pois se opunham ao governo de Borges de Medeiros e de seu líder regional, o intendente Nicolau de Araújo Vergueiro. Para garantir a 'ordem' na região, os dirigentes do Partido Republicano Rio-Grandense reforçaram o aparato militar ali concentrado.
'Face aos insistentes pedidos dos líderes locais - conta Almedoro Vencatto, à página 101 -, o contingente das forças governamentais foi reforçado com a chegada de um esquadrão da Brigada Provisória, com 60 brigadianos. Também esteve acampado, por algum tempo o 29º Batalhão da Cavalaria do Exército, comandado pelo Cel. Onório, com a missão de espalhar os revoltosos e perseguir os maragatos que estavam na região.
'Começou, então, a vindita dos chimangos: Carlos Sbaraini e outros companheiros foram encarregados pela Cia. Colonizadora para efetuar a eliminação dos ranchos de caboclos e seus ocupantes a 'ferro e fogo', pagando-se certa quantia pelo destruído: o despejo era feito a tiros e os que não fugiam eram 'apagados'. Os que não conseguiam fugir para as matas eram mortos e jogados no rio da Várzea. Há algo decididamente fantástico: destas empreitadas, era costume trazer as orelhas dos caboclos, atadas aos tentos dos arreios. O trabalho era recompensado pelo número de pares de orelhas contados, junto à sede da Cia. Colonizadora, quando do retorno do grupo.
'Além de Sbaraini, faziam parte José Grossi, José Zanardi, Favorino Venturini e outros'.
Vencatto conta que os caboclos 'residentes à margem direita do rio da Várzea foram perseguidos e expulsos, indo localizar-se no outro lado (lado esquerdo), no município de Palmeira das Missões, onde as terras não estavam sendo colonizadas, enquanto outros se transferiam para o vizinho Estado'. (Id., páginas 101 e 102).
Vencatto traz muitos detalhes sobre a Revolução de 23, em Sarandi, e sobre as perseguições posteriores.
Para nossa vergonha, um dos maiores apoiadores da matança de posseiros caboclos, na Fazenda Sarandi, o ex-intendente (prefeito) e deputado passo-fundense, Nicolau de Araújo Vergueiro, é nome de escola, responsável, inclusive, pela formação de professores.
Na Guerra do Contestado (1912-1916), em que foi morto o Monge José Maria, também dito por uns Monge João Maria ou São João Maria, no culto popular, novamente os legionários gaúchos se fizeram presentes. Estabelecendo a “ordem” nesta vasta região hoje pertencente aos Estados de Santa Catarina e Paraná.
Como podemos ver a importância da Revolução Federalista em Passo Fundo é muito maior do que se imagina. Aqui foi um laboratório para a repressão empreendida durante a Campanha de Canudos, a Guerra do Contestado, a Coluna Prestes, e até mesmo a Revolução de 32, mormente no Passo do Fão. E mais: veteranos da “Revolução da Degola” trouxeram práticas da jagunçada nordestina aplicadas na Fazenda Sarandi, logo depois da Revolução de 23.
(*) Paulo Monteiro, autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais e literários, pertence a diversas instituições culturais nacionais e internacionais. Em 2007 deu a lume o livro Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo. Seu endereço para correspondência e envio de livros para leitura e análise é: Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – CEP: 99.001-970 – Passo Fundo – RS.
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