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Contos-->Gêmeos Siameses -- 12/01/2000 - 12:46 (Ciro Inácio Marcondes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pegava o batom, depois a bolsa. Olhava mais uma vez no espelho, via se tinha algum errinho, reajeitava a maquiagem, via se estava perfeita. Bem... estava. Pronta. De novo, para mais uma noitada. Aline tinha 16 anos, afinal. O ápice da adolescência. Já era a milésima vez que fazia o mesmo programa e se vestia do mesmo jeito, mas que diferença fazia? Era legal, afinal. Era o que fazia a vida dela mais feliz. Olhava-se mais uma vez no espelho. Remexia as coisas da bolsa. Estava tudo lá: cigarros, dinheiro, espelho e outros apetrechos. Tudo parecia certo para mais uma noitada de sábado, se não houvesse a intromissão de Pedro, seu irmão:
- Aline. Onde está minha carteira? - pedro era mais velho. 21 anos. O experiente. O responsável. O ídolo.
- Não sei não, Pedro. - Respondeu.
- Droga. Acha aí. Vou precisar do meu dinheiro hoje.
- Pra quê?
- Preciso comprar trinta pra minha impressora. Escrevi mais uma história.
- Você escreve histórias?
- Escrevo, só que você nunca leu.
- Não? Hm...acho que já li, sim.
- Qual?
- Não me lembro.
Os dois tinham uma relação amistosa. Eram irmãos, afinal. Brigavam, apaziguavam, brincavam, trocavam confidências... mas ultimamente isso estava mais distante. Pedro era muito mais velho... e ele não gostava de sair com ela. Era a irmã mais nova, a pirralha. Era irmã. E ele estava prestes a sair de casa. Fazia Letras. Gostava de escrever. Pretendia ser um grande escritor.
- Aline... qual foi o último livro que você leu?
- .... acho que foi “O Alquimista”, do Paulo Coelho.
- É por isso.
- É por isso o quê? - perguntou ela, desconfiada.
- Que você não lê minhas histórias.
- Ah. Eu sei que você escreve histórias, é que eu não sei onde elas ficam.. É só isso. Onde elas ficam?
- Você só tá acostumada a ler porcaria. Olha só: uma coleção de “Capricho”.
- Tá bom, tá bom. Pega logo essa porra dessa sua carteira e deixa eu terminar de me arrumar. Não toca nessas revistas. - disse ela, mesmo já estando perfeita.
- Mas você já tá perfeita!
- hm... obrigada! – exclamou ela com um vaidoso sorriso no rosto - mas, mesmo assim, sai fora daqui e deixa eu terminar de me arrumar, Pedro! - disse ela, empurrando ele pra fora do banheiro.
- Espera aí, Aline. Não quer ouvir o enredo da minha nova história? - Perguntou ele, sorrindo humildemente. Apesar de ser o ídolo, Pedro era humilde. É claro que a mã e o pá sempre puxaram mais o saco dele, mas era humilde.
- Diz aí enquanto eu retoco a maquiagem.
- Onde você vai hoje?
- Não te interessa! ....... vou no OVNI.
- Porquê você vai nessa boate todos os fins de semana?
- Porque lá é bom, idiota. Tá sempre cheio de gente. É ótimo! Um point bom!
- Já pensou se nós tivéssemos nascido siameses?
- O quê?
- Gêmeos Siameses, Aline. Aqueles irmãos que nascem colados um no outro, e vivem os dois no mesmo corpo.
- Ah, tá. Mas não é só com o mesmo sexo?
- Acho que sim. E aí... já pensou na possibilidade?
- Não. Deus me livre. Viver colada em você! Haha.
- Este é o enredo da minha nova história.
- Gêmeos siameses?
- É. Sabia que os filhos de Adão e Eva eram Gêmeos Siameses?
- Quem?
- Caim e Abel. Eles eram gêmeos siameses, sabia?
- Sério?
- Sim. Existem vários relatos de bíblias proibidas que contam essa verdade.
- Caramba...
- Quando Adão e Eva tiveram os dois filhos, aconteceu uma anomalia genética muito rara. Uma probabilidade muito pequena de ocorrer, mas ocorreu. Os primeiros filhos de alguém no mundo foram gêmeos siameses. Engraçado, né? O primeiro casal de gêmeos siameses do mundo não foi de siameses!
- Isso é sacanagem, né?
- Continua lendo Paulo Coelho que você vai continuar lendo sacanagem.
- Eles eram mesmo gêmeos siameses?
- Eram! E eles eram idênticos. A história escrita pela Bíblia que você leu é toda
distorcida, Aline. Na verdade, eles eram amigos. Caim e Abel eram muito parecidos, mas é claro que não gostavam de viver no mesmo corpo. Viver no mesmo corpo! Imagina, Aline, uma merda!
- E o que aconteceu de verdade, então?
- Bem... Adão e Eva, que eram os pais, eram orgulhosos. Mas eles mesmos não gostavam da idéia de ter filhos aberrações. A vida de todos ficou complicada! Imagina a tristeza! Os quatro acabaram ficando cheios de rancor, de suspeita. Pô, era uma coisa muito ruim pra todos! O clima ficou tenso, sabia, Aline? Na verdade, Adão detestava os dois filhos. Não gostava da idéia dos dois lá, pregados, iguais, sem iniciativa nenhuma. Tinham errado. Ele e Eva. Eles tentaram ter outros filhos, mas não deu certo. Adão era uma cara paranóico. Pra ele, tudo se justificava porque ele tinha falhado na hora de ter um filho. Acabou tendo dois, duas aberrações que não valiam por filho nenhum!
- Nossa. Que história esquisita. - disse ela, olhando-se no espelho mais uma vez. - Continua.
- Mas a Eva era uma mãe coruja. Adorava os meninos, mesmo com a anomalia. Imagina: os dois primeiros filhos da história da humanidade eram aberrações genéticas.
- Que horror, Pedro! Isso não é verdade!
- Eva era uma mulher linda. Uma mulher perfeita. Boa, madura, bonita. Nada podia ter dado errado.
- Mas deu, né?
- É. Em todos os sentidos! Hehe. - Pedro contava cada vez mais empolgado, com calma e paciência notáveis, afinal, ele era o bom. Tinha que ter paciência com a irmã teen.
- Bem...só que o caso mais complicado era com os dois irmãos: Caim e Abel. Imagine a idéia de viver no mesmo corpo do seu irmão.
- Eca!
- Então: no começo eles eram bons amigos, mas mentes diferentes possuem interesses diferentes, né? Enquanto Abel era o que, se fosse normal, seria o chamado “filho exemplar”, Caim era o mais revoltado. Abel chorava, rezava para o avô Deus, pedia perdão pelos pecados do pai e da mãe, concordava com a mãe... e tudo o mais. Já Caim... bem... Caim resmungava, gritava, tentava tomar o controle do corpo, discutia com as idéias imbecis de Abel... Vamos dizer que Caim tenha puxado o pai e Abel a mãe. Tá entendendo?
- Tô. E o que aconteceu?
- Caim tinha um amor secreto, selvagem. Proibido. Não podia contar pra ninguém.
- Quem era?
- Ora, Aline. Pensa um pouco! Quem mais poderia ser? Só existia uma mulher no mundo, lembra? Eva.
- O cara se apaixonou pela mãe dele?
- Nunca leu Freud, Aline?
- Não.
- Eu também não, mas todo mundo sabe que alguns filhos podem se apaixonar pela mãe. E nesse caso as chances eram grandes. Olha só: só havia uma mulher no mundo, ela era linda e gostosa, e Caim era o que se podia chamar de “o avesso do avesso”.
- É mesmo. E o que aconteceu? - Incrível como ela ainda retocava a maquiagem. Mesmo assim, parecia de alguma forma interessada. Gostava do irmão, afinal. Achava-o um pouco doido, mas gostava dele.
- Caim sentia um profundo desejo sexual por Eva. Queria transar com ela, entende?
- Que história esquisita, Pedro!
- Mas o pobre do Caim estava pregado no irmão otário. O que ele podia fazer?
- Sei lá!
- Ora, Aline. Ele matou Abel! Ele matou Abel! Você sabe disso! O corpo seria todo dele. Deu uma pedrada nele! Foi fácil! Caim tinha força maníaca, Aline. Era meio louco.
- Meio louco? Pô...só meio?
- Sem Abel pra atrapalhar e comandar metade do corpo, havia um mundo novo. Na mesma noite, ele foi lá e estuprou a mãe. - Pedro contava com convicção. Era muito bom nisso. Inspirava cada vez mais a admiração da irmã. Respeito. Tinha 21 anos, afinal.
- Nossa.
- A mãe chorou, contou pro Adão, o pai.
- E o que aconteceu com Caim?
- Descobriu uma péssima verdade.
- O quê?
- Descobriu que viver com uma cabeça morta do seu lado era um saco, uma bosta. Era angustiante. Atrapalhava. Toda vez que olhava para o lado, ele se lembrava do seu crime hediondo.
- É mesmo.
- Então, ele culpou Deus por tudo. Por ter feito eles nascerem daquele jeito e construído as tragédias. E ele se vingou de Deus.
- Como?
- Ele se matou.
- Nossa! Que história trágica! Que família problemática! E o que aconteceu a Adão e Eva?
- Adão matou Eva. Culpou ela por todos eles terem nascido assim, e por ter construído as tragédias. As mortes e o estupro.
- E o que aconteceu depois?
- Depois veio o nosso mundo. Ele nasceu dessa família problemática, e é mais ou menos um reflexo dela. Talvez por isso haja tanta tragédia, morte e estupro, não é?
- Deve ser. Como Adão fez pra prolongar a raça humana de novo?
- Tirou outra mulher da costela.
- Esse é o enredo da sua história?
- É.
- Depois me dá que eu quero ler, tá? - Disse a irmã, sorridente. Estava impecável. Uma graça.
Pedro abriu um enorme sorriso. Gostava da irmã, e gostava que os outros lessem as histórias dele.
- É claro que essa história não é real, né Aline.
- É, mas mesmo assim eu quero ler. - disse ela, terminando de retocar a maquiagem. Saiu do banheiro e entrou no quarto para ler alguma coisa. Acabou não saindo naquela noite. Já Pedro, entretanto, achou sua carteira e foi curtir uma boa noitada no OVNI.

Ciro Inácio Marcondes
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