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Ensaios-->Ensaios sobre 2 poemas meus -- 09/07/2008 - 19:26 (Alexandre Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Trago dois poemas. O primeiro eu fiz na Argentina na ciudad Necochea, onde eu e meu amigo Rafael fizemos uma viagem barata, pegando carona, trem de 4a classe, ônibus e muito chinelo na estrada.
´Star no mundo e fazer poesia, interagir com pessoas que vivem na malandragem do mundo, Argentinos, Bolivianos, Paraguaios que trabalham 'camelando' (os camelôs). Ficamos numa pensão onde pagávamos 12 pesos (12 reais) pra duas pessoas, num lugar surreal pra minha realidade sócio-econômica, quartos sem portas ( só com lençol na porta), panelas amontoadas no corredor, muita gente gritando, porta batendo, e nós fizemos a nossa também. Tomamos un trago, fizemos amizade com um cafetão de boludo ( que disse que mandava na rua e era pra gente ficar sossegado), jogamos xadrez a noite toda, chegamos enborrachados.
No trem, um arranjou confusão com a gente, chamamos pra porrada, ameaçaram jogar nossas coisas pela janela enquanto durmíamos ( viagem a Mar del Plata, das 23h-7h) na 4a classe, numa condição horrível (com poltrona de coletivo, onde o apoio terminava nas espáduas), dissemos que nós quebraríamos eles com 'conhece jiu-jitsu? te mato em 5 segundos'. Nem tenho jiu jitsu, só sei dar o mata-leão. Dormimos no chão do trem, da rodoviária onde conhecemos um guerrilheiro para-militar, que faz o trabalho sujo pro governo, idéias fascistas. O cara era simples, estava indo para B.Aires trabalhar de pedreiro numa obra, e contou mil história das anti-guerrilhas contra a FARC. Artesões gringos tocando berimbaú e cantando a capoeira com sotaque rústico castellano. Dormimos na casa de um cara que não tinha 90 centavos para comprar um leite para a pequena Catarina, su hijita ( La Cata, ele a chamava). Sua mulher continuava no tráfico, durmimos na casa abandonada dele onde não tinha nada, nada de nada, pior, uma cama sem colchão, prateleiras sem nada, fogão sem gás, geladeira só com uma garrafa de água. Ainda a água da descarga vazou quando o Rafael puxou. Ele limpou. O chão não era imundo porque não havia casa, era todo empoeirado, areia. Nós pagamos o leite pra ele, era tudo o que tínhamos na hora. Chegamos numa cidade vizinha a Necochea, Quequén, a meia noite, andamos muito pra achar um camping que alguém tinha recomendado na rodoviária ( ah, lembro que assistimos um pouco de futebol na Tv, River e Racing, quando chegamos). E chegando neste camping ( colônia de férias para crianças),que era muito caro, pedimos pra ficar. O guarda não deixou e chegou a dona, muito relutantemente, seu coração amoleceu, se certificou que não haveria chegada de crianças na manhã seguinte e deixou com a condição que dormíssemos na cabana do índio ( para que seus hóspedes não nos vissem). Assim feito, noutro dia, chegou uma criançada e fomos acordados com os gritos deles. Gostei demais!! muito bom ser acordado com esta energia. E eles abriram a lona da porta da cabana para brincar e gritaram: ' Una carpa (barraca), hay una carpa aquí dientro!!' e todos vieram ver, e gritavam, o que apareceu de rostos sorridentes na porta. O Rafael saiu num pulo, batendo a mão na boca e imitando índio, eles sairam aos gritos curtindo a onda. Eu tinha escondido num cantinho do camping minha toalha molhada, estendida para secar, e levaram a toalha, fiquei sem toalha. Conversamos com um niño llamado Emiliano, enquanto desarmávamos a barraca, perguntamos a ele se conhecia seu xará, Emiliano Zapata, falamos um pouquinho deste revolucionário mexicano. Enfim, são tantas belas histórias ( acho que nunca esquecerei desta viagem!!!).
´Star no mundo e fazer poesia, em meio a este chão, quente, latino-americano (que nós brasileiros conhecemos tão pouco ou quase nada, não nos vínculamos aos nossos. Queremos o que é americano e europeu, e achamos que o que é latino é pobre. Achamos isto sem conhecer. Assistimos televisão e achamos isto. É rico, camaradas, de afetividade, de alegria e solidariedade e tantos outros valores).
Em Necochea, a quase 2 horas do centro da cidade, andávamos todos os dias pra pegar uma festa, comprar coisas, sabonetinho de 0,70 pesos, que também era o sabão de roupa, estava eu na paz do camping, com banhos de mar e escrevi estes versos:

Humano Demasiadamente Desumano

Quando sentimos fome,
Comemos.
E, pulamos as escadas
Às mãos espalmadas,
E boca salivando.

Quando sentimos frio,
Nos abrigamos.
E, escolhemos o cobertor
À ira de quem ficou
Sem chance de escolher.

Quando sentimos frio,
Queremos comer.

A necessidade é sirene de polícia
Ao corpo que caça sem desmedida,
E faz de sua autoridade
Brutal ação descontida.
Humano.

Olho para o lado,
Buscando para trás,
A verossemelhança
De inteligentes animais.
E, são livres como são,
O corpo não os livra da pulsão,
A força faz. Demasiadamente.

E, sigo sem escolher,
Colhendo o que vejo,
Sem dar valor ao coração.
Pois, não há só neste ser,
Víscera, igual para crer,
Que não se contenta à lasca de pão.
Não pensamos mais, seguimos.
Desumano.
(2003)

Reflexão: Este poema me parece que traz muito o valor das coisas que Nietzsche traz em seu livro 'A Origem da Tragédia', quando ele descreve como seu deu a relação dionísica grega e bárbara para os costumes gregos, descrito nos poemas de Homero e outras artes. Na verdade, aventa como que os gregos souberam capturar Dionisio para continuar na condição apolínea, da razão, da lógica, incorporado no prazer pelos sentidos, a catarse pela visão e outros sentidos ( eu estou na página 36 de152). Creio que este meu poema e seu contexto traduz a poesia dionísiaca ( sem a pretensão de ser dionísiaca) e o valor artístico nobre que Nietzsche sugere, com a demolição dos valores cristãos. Na segunda parte, falo mais um pouquinho.


(Lembro que no banheiro deste camping, havia 4 chuveiros separados, eu cantei 'Carinhoso' de Pixinguinha, adaptando ao castellano e um cara se amarrou, toda hora lembrava da música, fizemos amizade, ele e sua mulher compartilharam suas frutas, seu chimarrão com a gente, contaram sobre a patagônia).


2 parte


O primeiro poema revela uma foto da estética dionísiaca, escrita por Nietzsche. Este segundo poema, revela a estética apolínea, também muito singular a Nietzsche.

VERSOS

Que maravilha são os versos !
Às crianças devem educar,
Da poesia fazer-se servos,
A vida a viver e a melhorar.

Mas, do verso que traz o amor,
Traz também o gume afiado
Que talha na alma, a flor,
Ao Fim cru, dolorido e cansado.

Nos versos não há valor.
Os versos trazem a natureza
Das cantigas de beleza e de dor,
Do ser que aguça, outro reza.

Uma essência do verso é cantar,
E viver alto para o espirito,
Como a harmonia crua do mar,
Ou na catarse humana do rito.

Voltemos, Ó seres da sorte, ao verso !
Traga cor e movimento ao lar!
Enfeite a cidade em seu inverso,
Talhando co` mercantil, jogo de azar.

Que maravilha são os versos !


Podemos ver alguns aspectos principais que traz a marca apolínea. Primeiro, se trata de uma poesia que traz contribuição ao grego, a favor de um melhoramento, pois trata da educação pela poesia, ensinando que nela não há o valor ( do bem e do mal distintamente). Deste modo, é uma poesia nobre, poesia grega. Fazer-se servos da poesia indica uma servidão diferente da que com Deus, ou outro Pai qualquer. O compromisso é com a arte, que é humana. Ao fim cru, dolorido e cansado indica algo que Nietzsche salientou, que a poesia de Homero se deu sob a aparência (apolínea) da incorporação da natureza e suas forças (os Titãs, concepção pré-olímpica) pela arte e seus sentidos, dando um lugar a Dionísio ( que é a força, a licensiodade sexual, as festas sexuais, a unidade com a terra, sua desindividualização) no hegemônico mundo apolíneo, que tinha pavor, medo da morte, desta desindividualização. Com a poesia de Homero, dado por esta aparência, se perdeu a Era dos Titãs, a era heróica, dando um lugar as lamentações que é a própria condição da não-potência frente a natureza. Eu vejo que Nietzsche traz muito do contexto moderno que ele viveu para esta leitura, pois o que ele fez foi uma genealogia da arte grega, como se embrenhou na condição grega. No prefácio do livro ele é muito criticado, pois seu ponto de vista se mistura com seu objeto de estudo, não que seja um problema, mas perde um pouco da validade, mas não o deixa de ser intrigante e um material muito bom e rico para se trabalhar. Estou concordando com isto.
Voltando ao poema, Os versos trazem a natureza, indica esta imitação da natureza e controle dela, nada mais apolíneo.
Vejam:

Uma essência do verso é cantar,
E viver alto para o espirito,
Como a harmonia crua do mar,
Ou na catarse humana do rito.

Aqui mostra a atitude grega com a arte, elevando-a a um bem comum, de todos, elevando –a aos Deuses, criados pela imaginação grega para superar a existência de seu mal-estar, e dando um sentido humano às divindades que possibilitassem agora deles agirem conforme a estética/ética humana. O dever com os Deuses (espelho dos humanos) é o dever com os humanos, o liberando de viver uma vida rica, artística, humana, num seperação/superação da natureza, da força dos Titãs. Esta separação se dá pelo pavor (da força sexual dionísica onde o corpo se perde na unidade). Vale lembrar que o Deus Dionísio (que é diferente desta força dionisíaca bárbara) é o Deus das Festas, do Teatro. Acho que é neste lugar que Nietzsche chama a atenção. O mundo apolíneo seqüestraria esta força, dando um lugar a Dionísio como a força dos Titãs (acho eu). Esta estrofe mostra que o apolíneo venceu, captando para os sentidos a força da natureza. Diminuindo sua força. Igualar o espírito com a força do mar, acredito eu que é colocar na cena esta força da natureza, na imaginação, nada mais apolíneo.

Dá para perceber a diferença dos dois poemas. Um se volta na força dos instintos, com o foco mais na potência dos membros, dos músculos, do enfrentamento, do animal e outro se faz na possibilidade da catarse na arte, na poesia, na música.
E realmente, eu estava vivendo poesia nesta época. Eu morava na praia, pedalava, e na universidade, o nosso grupo, fazía muita arte. Muitos estavam vivendo nela, lembro do Poeta Cesinha que era referência dos movimentos, do músico Iê, que andava pela universidade tocando sua flauta e tocando pandeiro, das danças femininas das mulheres, a Laila, a Fernanda (começando o Arrasta Ilha), a Bicicletada, o pessoal das ciências sociais, Bené, Leozão, Japa, O Luciano Índio da filosofia, amigão, estava em todas, do Ninno e sua risada que estremecia a caretice do movimento estudantil pró-revolução russa, da galera da Rádio de Tróia vendendo cerveja sem copo descartável, cada um trazia sua caneca; estávamos todos incluídos em todos estes movimentos. O ambiente era o Bosque do CFH, no teatro de arena. Uns faziam malabares, outros batiam uma bolinha. O ambiente era limpo e transparente como uma festa Apolínea. E era mágico, era muito gostoso, eu tinha uma alegria imensa. Apresentei estes versos, foi o primeiro lugar que apresentei. Acho que nem eu valorizei tanto, apesar de que sabia que havia riqueza nele. Que saudade, que tempo!! Esse nosso grupo teve coesão no DCE 2001, onde era uma esperança de fazer política estudantil. Mas, os frutos doces, vermelhinhos, só se deram depois, com a proposta do fazer sem instituição e congregou a todos, num movimento muito bonito e orgânico, vivo ainda hoje. Então não falo do passado, e sim de agora.

Vejam que, apolíneo, dionisíaco, vai para além do bem e do mal, não se enganem com teorias ortodoxas, onde o domínio da natureza é ruim e que o fera é ser animal, natural. Nada mais apolíneo que isto. E nem, que a nossa energia esta na sublimação cultural, da arte. Nada mais europeu, sem o sangue efervescente do chão latino-americano. Nem que a verdade, as respostas estão na lógica e o catarse está no rito. Nada mais cindido que isto!! Leiam “A Origem da Tragédia” e verão um belo ensaio que traduz muito do que passamos agora na (pós) modernidade. Não basta eu colocar aqui, o que é Dionísio e o que é Apolo (Deus da Forma, da Arte, da Guerra). Dionísio é esta força das entranhas, a perdição de si no prazer, o caos, vinculado a terra. Outro livro ótimo é da Camile Paglia “Personas Sexuais: de Nerfetite a Emily Dickson”.

Quis mostrar um pouco o contexto em que estava com o valor da poesia e dizer que ambas remete a estética de que Nietzsche refletiu dos gregos.

Arrevoá-aaa Baco!!!!


(weberleao@yahoo.com.br)
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