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Contos-->OS POSSEIROS -- 18/12/2002 - 13:31 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
OS POSSEIROS


A estrada poeirenta e cheia de buracos não acabava mais naquela tarde quente de agosto.
O velho caminhão Ford sacolejava-se todo, como se fosse partir-se ao meio. Na carroceria encontrava-se meia dúzia de soldados, que batiam de um lado para outro, como abóboras em transporte. O cabo Requião Aguiar resmungava todo suado e encardido a cada sacolejão. A túnica do jaquetão era poeira e mais poeira. O soldado Morais, um negrão de um metro e oitenta, parecia um burro fugido em chapada de chão vermelho. A cada freada seca nos bancos, que o projetava de um lado para o outro, protestava naquele vozeirão de trovão:
— A hora em que eu pôr a mão naqueles invasores da peste, vou descontar todo este sofrimento. Ora se vou!
O cabo Requião, como gostava de, exageradamente, manter a ordem e a disciplina dos subordinados, o reprimiu duramente:
— Você, soldado Morais, deve lembrar que está cumprindo a lei e somente a lei. Do contrário, se cometer excesso, vou metê-lo na cadeia! Ouviu bem?
O silêncio voltou a reinar na carroceria do caminhão, que continuava sacolejando-se como se fosse desmontar-se peça por peça. Os soldados suavam e xingavam de raiva. A poeira vermelha subia abundantemente pelo ar.
A certa altura do percurso, o caminhão, que era conduzido por Manelão Ponta-de-Eixo, sob a orientação do sargento Carvalho, que, juntamente com o oficial de Justiça, encontrava-se na cabine, deixou o leito da estrada principal, que seguia na direção de Porto Nacional, e embicou numa estrada vicinal, que dava na fazenda Chapadão do Bugre, local do despejo que iriam efetivar por ordem judicial. A missão seria consolidada com o despejo de oito famílias que haviam invadido recentemente a fazenda.
O caminhão seguia o seu destino naquela apertada estrada, aos trancos e barrancos, com os galhos de pau riscando a carroceria. Outras vezes, obrigando os soldados a ficarem negaceando ou até mesmo de cócoras, para não receberem paulada na testa. De repente, o caminhão bateu pela lateral esquerda num galho longo que pendia pela estrada. Com a batida, desprendeu-se do galho uma caixa de marimbondos-tatus, que rolou pelo assoalho, enraivecendo ainda mais os marimbondos com o arremesso para dentro da carroceria. Os soldados se alvoroçaram como se estivessem em batalha, mas os marimbondos caíram impiedosamente em cima deles, ferroando-os por toda parte. Foi um deus-nos-acuda! O soldado Morais ficou parecendo um chinês, com os olhos todo inchados. Mas o seu protesto saiu outra vez:
— Ah, se eu pôr a mão naqueles invasores!...
O cabo, desta vez, também enervado com as ferroadas, apenas olhou para o subordinado, como se apoiasse o seu protesto. O caminhão seguia por aquele capão de mato ralo, desviando-se aqui e acolá das valas provocadas pela erosão e pelo abandono. Logo saíram daquele capão de mato e avistaram, agrupados, vários ranchos que se erguiam pelo desmatado. Assim seguia o caminhão, margeando a cerca de arame farpado, pois ali era o local do despejo, e o sargento na cabine ordenou:
— Pára aí no colchete, Manelão!
Assim que o caminhão parou, foi gritando aos comandados:
— Vamos descer aqui, o caminhão fica aguardando neste lugar. Quero firmeza na operação, não sabemos o que nos espera.
E lá se foram os soldados, com seus fuzis e metralhadoras, pelo caminho feito a machado pelos invasores. O sargento, na frente, logo foi recebido por um valente cachorro vira-lata, que se deslocou do primeiro rancho onde se encontravam praticamente todos os invasores, como se estivessem aguardando a polícia. O cabo adiantou-se para proteger o sargento das ferozes investidas do vira-lata, dando-lhe um coice de fuzil na fuça, que saiu grunhindo feito um porco pelo desmatado afora. Nisso saiu do primeiro rancho, do meio dos invasores, um rapaz de mais ou menos uns vinte e seis anos, com toda empáfia, como se fosse o líder. O sargento pensou e segredou ao cabo:
— Esse que vem aí deve ser o filho do padre, pois eles preparam esses tipos e os misturam no meio dos trabalhadores braçais, como se fossem agricultores do pesado, de pegar no cabo da enxada. Mas só fazem agitar os pobres coitados e os colocam em boca quente. Na hora do pega-pra-capar, é o primeiro a correr, deixando os companheiros na pior.
O rapaz foi-se aproximando dos soldados e erguendo a voz, com gestos autoritários para os intimidar:
— Antes de vocês falarem qualquer coisa, eu quero o nome completo do sargento, cabo e soldados, e também a identidade militar de cada um.
A sua voz era autoritária, como se fosse do próprio comandante, e trazia na mão um pequeno caderno para as anotações. O sargento parou, calmamente passou a mão pelo rosto suado e, em seguida, gritou com toda a força dos pulmões para o cabo:
— Cabo, dê o nome de todos nós para o doutor escroque aqui, e é no capricho. Aí a coisa pegou fogo. O cabo, esbaforido e ainda sentindo dor das ferroadas dos marimbondos, aproximou-se do inflamado líder e disse:
— Você quer mesmo o nome? Então já vai!
E meteu-lhe a mão em cheio no pé do ouvido, que o rapaz caiu de quatro no chão catando mamona. E continuou falando:
— Você quer também o sobrenome? Já vai!
E num movimento, enfiou-lhe no traseiro a ponta do coturno, que o arremessou de focinho no chão. Um senhor que olhava a cena, vermelhão e fogoió, adiantou-se do meio dos invasores e nervoso protestou:
— Vocês não podem bater em ninguém, pois a Constituição proíbe. E isso que vocês estão fazendo é um abuso, seus macacos do Governo! Aquele “seus macacos do governo” exaltou ainda mais o ânimo dos soldados, naquele sol quente de rachar os miolos. O sargento apenas olhou para o cabo, que entendeu tudo. Em seguida, chamou o soldado Morais, aquele negrão de um metro e oitenta, que resmungava em todo o percurso, e ordenou:
— Soldado Morais, ensina aqui para o engraçadinho metido a besta como é que se paga um desacato à autoridade. — E foram tantas bolachadas que aquele senhor, que já era vermelho, ficou igual a um pimentão maduro.
Após aquela recepção disciplinar, os ânimos serenaram e o oficial de Justiça procedeu à leitura da ordem judicial e, no final, acrescentou:
— Todos vocês terão que pegar suas coisas agora, colocar no caminhão e ir embora. Isso aqui é propriedade particular e a lei tem que ser respeitada.
Aquelas famílias, uma a uma, continuaram carregando seus cacarecos, que se resumiam em redes, panelas, trapos e meninos sapiroquentos, com os dedões do pé abertos de frieira. A velha Xandó, ao ser içada para dentro da carroceria, vomitou sua raiva, apontando o dedo de unha encravada para o sargento.
— Ocê vai é levar todo mundo pro xilindró e meter a mutamba, seu desgraçado! Nóis vivemos nesse miserô danado e só queremos é terra pra plantar e não morrer de fome...
O sol continuava de rachar e lá se foram àqueles humildes agricultores, deixando para trás o sonho da terra, da fartura, no país dos grandes latifúndios, onde impera a força do capital.

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