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Contos-->bukowskiano -- 19/12/2002 - 03:58 (Igor Barradas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
bucowskiano.


Numa janta fui comprar pão, mortadela e mostarda, interessante figura se postou em minha frente, nariz angular, bem baixinha que batia no meu peito com um olhar de dominar o mundo. Minha namorada discordou de mim e foi embora na quinta-feira, dia de meu aniversário.

Eu, personagem, agora, desde agora, vivo sozinho em um apartamento enorme em avenida larga à beira-mar. De vez em quando o vento, já sorumbático, cobre meu único item domestico, um velho colchão jogado ao canto.

Desculpe! Há também aquele fio com looping´s de montanha russa, que não me lembrava, estranho... Sai da inércia e fui me arrastando seguindo o fio de cor preta, preto vistoso e reluzente. Acabei parando em outro cômodo, um telefone ao fim. Peguei o gancho e disquei o numero que necessitava.

-Alô.

-Filho? (Do outro lado da linha se ouvia um escritório em produção.)

-Estou com uns problemas ai.

-De quanto você precisa desta vez?

-Mil!

-Posso saber pra que?

-Preferia não dizer.

-Mil pratas é muita grana.

-Estou devendo um mala ai...

-Mala?

-Traficante, pai, traficante!

Saio da ligação e disco outro número, peço uma pizza de champignon de cinco fatias. Onze mil séculos depois chega à pizza, cinco gramas.

Seja na gringa ou pelo nariz, o cotidiano é o mesmo, pão, mortadela e mostarda. E ossos! Esqueci dos ossos. Sentado, deprimido entre as paredes e o teto, com as mãos mortas, jogadas de bruço no chão encarpetado. Alimento-me só de olhar para eles sob minha pele que contorna e envolve, conto as costelas inúmeras vezes, conto até ficar de barriga cheia.

A madrugada urge e o sol desponta entre as curvas do horizonte até á mim, pobre merda que deixou de ser merda naquele instante. Sinto-me incluso, aceito, companheiro da linda cidade que me dá colo sob a janela. O sol me esquenta, ativa meus sentidos e logo me sinto disposto a enfrentar as trilhas organizadas poeticamente à minha frente, como um desbravador feroz determinado com a vitória.

Logo após um teco.

De minhas entranhas surge o vácuo que toma o meu corpo e o faz expandir em tremedeira que assisto com serenidade até a minha cabeça espichar para trás procurando o chão coco. Olho para o teto, cadê o Sol? Cadê o Sol? O teto é de um branco profundo e calmo, meu Deus vou morrer! De movimento ciente só o ódio que cerra os meus punhos. A mostarda, a mortadela e o pão saem pela minha boca em jorro, me impedindo de respirar. Estou dando um nó. Deus pare meus pensamentos! Eu quero minha mãe! Mãe porque ela me deixou? Não! Não quero morrer! Pai me dê uma chance!

Meu corpo sofre um último espasmo que relaxa como num orgasmo e me faz dormir como um bebê em meio ao vômito colorido e quente.

Tomo um banho dos deuses, de recomeço. Pego o pó que sobrou e o cheiro para não desperdiçar.

A dieta mudou, agora é pão e água. Não gostei da cor vermelha e amarela do vômito. E o mais incrível aconteceu! Dando cambalhotas em meu estimado colchão fiz uma brilhante descoberta, graças, ao meu cérebro que não parava de chacoalhar. O incidente overdose que aconteceu naquela manhã foi causado pelo uso de sapatos. O sapato é opressor de energia. Os pés precisam estar em contato direto com o chão, liberando a energia que nossa moleira capta do céu, são como um fio terra. Precisando sentir a vida pelos pés, sai pra comprar pão.

É, a vida muda. Agora sou um homem social e descalço, Quer dizer, antes de tudo um descalço. Mas o fato é que estou mais aberto para a vida.

Casamento de uns parentes, festa!
Traje: Esporte fino, descalço.

Que gostoso é trocar idéias sob a lua, as menininhas gostosinhas me adoram. Pena que homens com sobrancelhas em “V” vivem querendo me levar para cantos discretos e escuros para papos sérios. Com certeza alguma intriga maliciosa familiar. Desculpe, mas prefiro ficar aqui na festa com os pés no gramado úmido de sereno trocando picardias juvenis. Mas há certa hora, percebendo a coriza em meu nariz, volto correndo ao meu esconderijo para uma longa temporada de alguns dias.

Os dias vão passando, a vida vou levando e o sol surge inúmeras vezes pela minha janela, o tesão da novidade se esvai na ampulheta e andar descalço não me alimenta mais. Subo as escadas do prédio modernoso até quase o céu, penso em voar. No terraço amplo vou-me até a beirada e abro os braços, respiro uma última vez e olho para o céu de estrelas infinitas, distantes e calmas. Uma brisa zumbi em meus ouvidos me confidenciando a impossibilidade de voar, que sentido teria minha vida então? Decido me matar. Antes disso vou mijar, boto o pinto para fora e mijo sob cabeças de estrume que vagueiam sem rumo como eu. E como num toque divino, meu peito se abre e as veias se dilatam trazendo novamente vida ao meu corpo esquálido. O que me detêm? O que me retêm? A resposta vem no zumbir da brisa, era tão obvio. E naquele instante me livrei de tudo que vestia, joguei as roupas para se perderem na escuridão da noite. Meu coração bate forte, pulso a energia que se vê em meus pêlos arrepiados, urro de prazer enquanto o sol nasce para mais um renascimento de mim mesmo, volto a ser! A existir! Vida longa ao novo rei. Feliz, trincado e pelado.

Aproveitando que estou do lado de fora, decido comprar pão peladão. O português quase engole o bigode ao me ver entrar triunfante, arfando o peito, em sua padaria. O negão se caga de rir ao pesar meus pãezinhos de sal, sangue bom o negão. Na fila que se dissolvia rapidamente coçava meus pentelhos cheios de chatos cultivados em minha adolescência, estando bem de cabeça assim, logo me livro desse mal. Não tendo ninguém no caixa olho para cara vermelha do português cheio de pois, pois e aviso que pago depois.

Durante o religioso pão e água de toda manhã começou um batuque percussivo em minha porta, samba truncado, quebrado, bem moderno mesmo, com uma letra agressiva cheia de palavrões. Enquanto a música rolava, eu viajava em como estaria repercutindo minha ida á padaria, um novo estilo de vida. Logo irei à praia, ao shopping, ao banco. Jornais, tvs, rádios virão me entrevistar, e logo, logo, esta filosofia moderna irá se disseminar pela cidade, e todos iram se libertar. Nada a reter! Nada a deter!

Olho pela janela e me surpreendo com uma pequena multidão que se aglomera em frente a minha casa. Deus do céu, será que já começou? Não estou pronto. As coisas estão acontecendo rápida demais, preciso de paz para organizar a estrutura, para escrever os simples conceitos da nova ordem. E este batuque que não pára.

-Parem com essa festa na minha porta, porra!

Lembro-me de um velho botijão de gás perdido entre tralhas no quartinho do fundo. Desenterro ele com a intenção de acabar com a histeria. O apóio sob a janela, miro na multidão, e com certa dificuldade jogo ele lá embaixo. Perfeito, não acerto ninguém e acabo com o furduncio.

Curtindo o silêncio, tomo um banho procurando ficar sereno. Muitas pessoas olharam em meus olhos procurando a verdade. Serei um homem que afirmarei, decisão que trará enorme responsabilidade. Minha cara a tapa.

Batem na porta.

-Sim?

-É teu pai.

-Há sim, o contador.

Abro a porta e ele entra.

- Então a onda do Paulinho agora é andar peladão?

- Que Paulinho?

- Mudou de nome também?

- Sou um personagem, uma figura, uma criatura. Não carrego nada comigo.

- Se vê. Olha ... figura. Pensei que com o tempo você melhoraria, superaria. ... Ela não vai voltar! Ela fudeu e fode com seu melhor amigo.

- Quem?

- Esquece! Por que agente não dá uma volta para bater um papo.

- Estou ocupado, preciso organizar meus planos.

- Planos? Que planos?

- Andar pelado.

- Ah sim! Não carregar nada consigo. Certo?

- Entendeu né. Olha. To com uns problemas ai, queria uma grana emprestada.

- To sem grana no bolso.

- Porra pai! É só emprestada.

- Eu não disse que não vou te emprestar, eu só não tenho aqui comigo. Coloque um short e vamos ao banco.

- O Sr não pode trazer para mim?

- Tenho milhares de compromissos para resolver ainda hoje.

- Tudo bem, mas eu não vou de short não. Preciso parar de me enganar, serei firme e assumirei minhas responsabilidades.

- Tudo bem! A vida é sua filho.

Descemos até a garagem para não passar pela tumultuada entrada, sempre seguidos por três homens de branco, amigos do generoso homem, que um dia foi meu pai. Pela janela observo a cidade que um dia será minha, cidade de pobres homens a procura de resposta, de sentido. Carrego comigo a salvação, a liberdade e a pureza. Ah se soubessem.

O carro para em frente a uma típica instituição burocrática: fria e silenciosa. Adentro o saguão impondo os bagos agressivamente, impondo a nova ordem. A resposta daquela gente fresca é a pior possível, uma naturalidade cínica de cu! Então levanto meus braços e urro. Grito expondo meus caninos raivosos cheios de baba para aquela gente careta e covarde. Os três homens de branco, amigos de meu pai, me agarram cheios de ódio, me dopando pelos seus erros passados.

Acordo. Instituição Psiquiátrica de boa comida com amigos saudáveis. Conheço uma linda enfermeira que não destoa, passo a mão na bunda dela, para ela sorrir pensando que sou louco. Em nosso quarto de núpcias, atesta minha sanidade me deixando mamar em seus seios a paciência que tanto ansiava. E ao acordar, mergulhando profundamente no olhar castanho de Clarisse, renasço diariamente.

Passados vinte anos, caminho pela cidade sóbrio, com o olhar mareado pela erva que consumo regularmente. Hoje deixo o tempo rolar, deixo a vida me dar. Fujo da inércia, cultivo a conteplação. Mas admito! Que adorava a cocaína que me pulsava tempo de vida, com cores tão fortes que borravam a intensidade. Tudo era tão bom, que quero distancia. Para levar a vida como Clarisse, amando devagar, devagar... a divagar





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