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Ensaios-->Jaulas educacionais X Domadores docentes (2008) -- 11/11/2008 - 17:05 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Jaulas educacionais X Domadores docentes (2008)

Fernando Bevilacqua (*)

Estarreceu-me neste mês de outubro de 2008, reportagem divulgada pela TV sobre pesquisa efetuada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nela constatou-se que, de 10 professores vinculados às etapas primeiras da educação escolar (ensinos fundamental e médio), 7 revelaram já terem sido, de alguma forma, agredidos por alunos. Isto significa 70%, percentual assustador tendo em vista o tema tratado.

Com experiência de 40 anos de magistério, em que pese tal experiência tenha sido no ensino superior, ouso dizer que possuo “bagagem, até de sobra, para errar”. Sendo assim, brotaram-me impulsos irresistíveis e incontidos, e abro as portas do meu “armário de demônios”.

A partir dos idos de 1960, instalou-se no país uma arrebatada onda de “reformismo educacional”, com destaque especial para a introdução do que chamo “psicopedagogismo” no processo ensino-aprendizagem. Isto veio acompanhado de um febril furor nomenclatório.

A volúpia de mudar o nome das coisas, como se a troca de pele transformasse as camadas viscerais mais profundas, sacudiu a burocracia dos órgãos vinculados à educação. Abaixo o primário, o ginásio e o científico (e o normal). Com a queda da velha e antiquada nomenclatura, seguiram-se outras, todas redentoras, proclamavam os reformistas. Com a palavra os que viveram e acompanharam o troca-troca das bandeiras. E quantos avanços e progresso ocorreram depois, não? Hoje pode-se afirmar muitas mudanças, poucas ou nenhuma transformação.

O aspecto mais significativo e relevante, contudo, aconteceu com a introdução do mais nocivo e demagógico embuste, patrocinado pelos “novos entendidos e iluminados reformistas”. A onda não veio isolada nas escolas, mas invadiu, igualmente, as famílias – pais e filhos.

Acompanhem os leitores os meus erros, equívocos e até mesmo alucinações que expresso a seguir:
Creio que muitos lembram (ou ouviram falar) das “Escolas Normais”, com destaque para o Instituto de Educação. Lá se formavam as professoras, que durante boas décadas conduziram a educação (atentem que me refiro a educação, e não apenas a instrução) com extrema competência e desvelo. A criançada não aprendia apenas Matemática, Português (que virou, durante certo tempo, “Comunicação e Expressão”, lembram?) e Ciências. Mas também o porquê da inconveniência de cuspir no chão, da importância de preservar o mobiliário e os recintos escolares, do valor do asseio pessoal e sem esquecer da disciplina (que horror!).

No âmbito do aprendizado das matérias, as professoras primárias levavam a cabo suas tarefas sem a parafernália da tecnologia educacional hoje disponível. Criatividade e domínio das áreas de saber eram os instrumentos então existentes. Apenas quadro-negro (antes era quadro-negro; hoje, com nova nomenclatura, chama-se “quadro-de-giz, mas continua o mesmo) e poucos álbuns com pranchas ilustrativas. A grande introdução tecnológica da época fora o “mimeógrafo a álcool”, instrumento avançadíssimo, com o qual as professoras imprimiam – em casa - as provas. As observações que acabo de fazer não significam que rejeito o extraordinário auxílio que os implementos vinculados à tecnologia educacional oferecem, como meios complementares, não substitutos dos professores. A intenção é a de mostrar que não era preciso grandes recursos tecnológicos para levar a cabo docência de boa qualidade. Por outro lado, creio que o fascínio que máquinas e aparelhos sempre exerceram sobre o ser humano (especialmente crianças), vem afastando professores de alunos e vice-versa.

Pois bem. Uma das providências primeiras que governantes e administradores tomaram, foi a de desmantelar as escolas normais. Esquecidas, desnutridas e abandonadas, foram perdendo o fôlego e escorregaram por uma rampa lamentável de declínio e decadência. Justificavam-se os entendidos que foi a demanda (sempre a demanda!) a origem do acontecido. Bem, de fato aumentou a demanda, mas por quê, sabedor o Estado de tal ocorrência, não “reforçou a defesa para suportar o ataque?”. Mas voltemos aos ilusionistas especializados no “psicopedagogismo”. Antes referi-me que houve um “casamento” escola- família que até hoje sustenta o exercício dessa “diabólica” arte.

Vou tentar, à luz de meus recursos intelectuais, cotejar a escola com a família.

1. Ouso afirmar que a introdução e posterior expansão do “psicopedagogismo”, teve início com a proibição de dizer NÃO. A torturante palavra penetraria na psiquê (e até na alma) das crianças como lança envenenada. A partir do segundo NÃO, teria inicio profundo processo de conflitos psicoafetivos, com reflexos imprevisíveis na formação futura da personalidade do infante. Quem já não assistiu o efeito de um simples NÃO, do qual resulte num espetáculo de rolamento pelo chão do supermercado, ante a discordância da mãe em atender ao pedido de um certo biscoito? Deixar de emprestar as chaves do carro para o jovem de 16 anos (sem carteira de motorista), pode indigná-lo a tal ponto de ele furtar as chaves do veículo e espatifar-se na madrugada. Impedir que o namorado da filha de 13 anos durma com ela no mesmo quarto, pode ter como revide, mais tarde, uma gravidez adquirida na casa da melhor amiga. Sem falar na quase obrigatoriedade de ofertar brinquedos e presentes caros e promover, sem falhas, festas “inesquecíveis” a cada natalício. E muitas outras decorrências do NÃO. E os pais, alertados por vizinhos que já viveram experiências semelhantes, correm aos “especialistas da mente” para evitar o surgimento de “monstros frustrados” no futuro.

Do lado da escola, o cupim psicopedagógico tem atuação devastadora: tudo começa por chamar a professora de “tia”, descaracterizando a posição do professor. Mais tarde surge o professor “paisão”, que arregimenta os liderados em torno de um chope “abridor de mentes”, cooptando, naturalmente, homenagens de final de ano. Ressalva: existem maneiras e procedimentos de o professor se mostrar amigo e conselheiro de estudantes (o que é missão do mestre), sem necessidade de apelar para trocas de intimidades. Aliás, estas últimas interferem, e muito, na isenção do aferimento do professor sobre o rendimento escolar do aluno. Não é por outro motivo que a justiça veta, ou considera com reservas, depoimentos de parentes e amigos íntimos em seus julgamentos. E a coisa não pára por aí.

Época houve em que a escola premiava o esforço, a dedicação e a responsabilidade frente aos estudos – o mérito, enfim. Os melhores e mais destacados alunos eram premiados e homenageados ao final dos anos letivos, sem que isso fosse considerado antipedagógico e muito menos “gesto de elitismo”, como anunciam os psicopedagogos de plantão. Esta quase revolta aos prêmios e louvores aos melhores, foi criada e aplicada na educação a partir de um postulado estúpido – “a exaltação das massas”. A chamada democratização e socialização da formação das pessoas tem que atender ao princípio do “rebanho”. Ninguém é capaz de sobreviver se não em grupo. Diferenças (intelectuais, morais, comportamentais) são demônios criados pelos neocolonialistas. Este princípio de grupo, de massa, foi, e ainda é aplicado em avaliações do aprendizado, quando o conceito (antes era nota) é aferido à luz de um “trabalho de grupo”, grupo que muita vez é composto por “um presente, um ausente e outro doente”. A continuar assim, em breve desaparecerão as provas, os concursos.

Antes, a passagem de ano escolar tinha o sabor de conquista – não era presente institucional. O aluno sabia que, caso não se aplicasse aos estudos, não iria adiante. Hoje o aluno tem certeza antecipada que, à sua trajetória, não existirão obstáculos; atingir a linha de chegada está garantida antes de demonstrar que pode rompê-la. Sobram as frustrações para aqueles que se empenharam. Por quê suar, se o objetivo pode ser alcançado “numa boa?” Aprovação automática? Automática era a repreensão por indisciplina; automática era ficar sem recreio ou permanecer na escola após o término das aulas preenchendo 100 linhas de “não devo chutar meu colega” (p. exemplo). E os pais agradeciam às professoras pelo auxílio educacional. Quantos foram submetidos a tais “torturas e violências pedagógicas”? Creio que muitos de minha geração. Fosse por aqueles castigos, os psicólogos e psicanalistas teriam fechado seus consultórios, pois tais punições não criavam “futuros revoltosos”. Em resumo: fragilidades (intelectuais e morais), insuficiências e falta de empenho, hoje são acobertadas pela escola. Nada pode ser reprimido. Dizer NÃO, sinônimo de reprovação, é pecado pedagógico mortal. Quem sabe não tem início aqui a impunidade de amanhã?

Devo esclarecer que não sou partidário da “escola de reprovação”. Contudo, a escola, no meu entender, não é um “lugar de vida”, nem creche, nem restaurante para suprir deficiências nutricionais, nem lar para jovens e menos ainda jovens desajustados, nem substituto da família, nem sucursal de empresa. Antes das pedras: todas as circunstâncias mencionadas têm que ser atendidas, mas por intermédio de outras ações e instituições. A escola, enfim, existe para propagar o saber e formar as inteligências.

Duas considerações não posso omitir, ambas relacionadas ao papel das escolas: a primeira diz respeito ao fato de que a escola, às vezes, me parece feita mais para o professor, pois a conjugação do verbo ensinar, supera a do verbo aprender, este o mais importante na concepção de parâmetros educacionais. Não cabe ao professor “ensinar tudo”, mas despertar no aluno a curiosidade e a necessidade de alargar seus conhecimentos, de forma incessante. O professor deve exercer função de “provocador” na busca pelo conhecimento por parte do estudante. A segunda consideração é que a escola tem sido (erradamente) considerada pelo aluno como suficiente e bastante – equívoco imperdoável. A escola, o professor, abrem as portas; investigar o conteúdo da “casa” é função do aluno, através de estudo complementar em casa. Não basta, pois, freqüentar a escola. Nesse sentido, trabalhos domiciliares, com posterior correção judiciosa, são indispensáveis. Há que se investir e praticar mais tais atividades.

Os dados revelados pela pesquisa da UFMG são assustadores; tais ocorrências fazem-nos lembrar de casas correcionais, não de uma escola normal. Que habitantes dos educandários são esses que mais se assemelham a marginais? A violência, quando não concretizada em atos (empurrões, tapas e até socos) ou em ataques aos automóveis dos professores (pneus furados, danos na lataria), é anunciada de forma velada, tipo “sei aonde a professora mora”, “conheço seu automóvel” e outras “criativas” ameaças. Mas não é só. Alguns estudantes ferem-se a si próprios e queixam-se aos pais que foram agredidos pelo professor – e vêm os pais, à direção da escola, denunciar o covarde ataque do ensandecido professor ao “anjo de papai e mamãe”. E os diretores, acovardados, não são capazes de prestigiar o professor caluniado, quando não o dispensa. Repreender o aluno indisciplinado em sala de aula é “humilhação” taxada de alto grau.

Os fatos existem, estão registrados. O que importa é o julgamento que as instituições de ensino e a sociedade fazem e farão frente a ocorrências tão degradantes. Lamentavelmente, e na maioria das vezes, o que se vê é o que designo “tolerância irresponsável” – a mãe futura da impunidade.

Nesse contexto, saem vitoriosos a violência, a indisciplina, a chantagem, o desrespeito à autoridade (quando não a negação da mesma) e a prática da ameaça e da mentira. Todo o empenho para desincorporar o NÃO do processo educacional e vesti-lo de heresia, é a grande e perigosa armadilha que foi montada , e cada vez mais difícil de desarticulá-la.

Não fosse tudo isso bastante, ouvi, não menos assustado, a Secretária de Educação do Distrito Federal, em programa de TV, dizer com inusitada pompa intelectual, que quaisquer mudanças no sistema educacional, não podem permitir que as escolas se transformem em “quartéis”. Os mais perspicazes entenderão o alcance de frase tão lapidar. Ranço dos idos difíceis e conflituosos dos anos de 1960 e 1970. Mal sabe a secretária que, caso as escolas se assemelhassem aos quartéis, teriam muros sempre e impecavelmente caiados (sem pichações), os pátios internos varridos e limpos, o mobiliário conservado, os banheiros higiênicos e utilizáveis até pela secretária. E mais, nesses “quartéis” ainda existe o NÃO, como instrumento de manutenção da hierarquia, do respeito às normas institucionais e do incentivo à civilidade. Quanta inspiração para as nossas escolas públicas!

A não se tomar providências, e urgentes, teremos, em breve, jaulas a abrigar “selvagens furiosos” e professores a domá-los, sem tempo para educá-los.

Revisão e implantação de novos rumos educacionais não se fazem em assembléias, onde o rigor da demonstração é substituído pelo frenesi da aclamação.

E continuam a pedir-me otimismo!


(*) Passante engajado


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