Era uma vez um rei rico e inescrupuloso. Governava o dia Difícil, da Comarca de Palíndromos, no ano de Mistérios. Situação espaço-temporal complicada no mundo da comunicação venérea.
Seu melhor amigo, o Poder, era um velho decrépito que vestia roupas da boutique da Corrupção, dona de uma rede de lojas que abriu uma franquia no Brasil há quinhentos anos. Hoje, ela é mais famosa que o Carnaval e todos querem experimentar suas roupas de material importado.
Os poucos que conheceram o velho Poder, por fortuna foram poucos, diziam que ele cheirava mal. Mas, por respeito ao rei Silêncio, ninguém espalhou esse boato.
Quando o rei e o Poder entravam à rua principal da Comarca havia uma só reação... Silêncio.
O rei tinha uma namorada, a Impunidade, que se afastava dele cada vez que ele começava a falar, mas gostava dele como a raposa da artimanha. Cada vez que a Impunidade saia do castelo do seu namorado todo mundo pensava... Silêncio.
Muitos achavam o rei uma pessoa ruim. Porém, era respeitado nos quatro cantos do Conformismo.
Quando as pessoas se sentiam ultrajadas, só diziam uma coisa... Silêncio.
Quando tudo parecia errado, acudiam o Silêncio.
Quando pediam ajuda, só ouviam... Silêncio.
Quando atrasavam seus salários, já sabiam... Silêncio.
Quando sofriam a fome, engoliam a dor pelo Silêncio.
Quando morriam por instituições falidas... Silêncio.
Quando o dedo sujo do Poder traçava seus destinos... Silêncio.
Quando a Paciência congregava à Manada, sorria... Silêncio.
Um belo dia o sol surgiu dentre o mar das nebulosas e o rei adoeceu. Nessa agonia de vários dias o Orvalho fez plantão para dissimular as lágrimas que ninguém tinha. As pessoas começaram a falar, e falar, e falar, como se a Vontade tivesse acordado.
Silêncio morreu numa manhã de eclipse de palavras. Sua sombra, a Expressão, descolou do chão e cobrou vida. Era a primeira vez que uma sombra de outra cor conseguia nascer e decidiu guiar o povo.
O Silêncio, já morto, falou com a Interpretação e solicitou um sentido diferente da palavra ‘morte’. A Interpretação tinha uma velha dívida com ele, por que ajudou várias vezes à irmã dela, a Constituição, e decidiu dar à palavra o significado de começo. Então o Silêncio virou sombra da Expressão e acompanhou seus passos por todo o Infinito. |