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Cronicas-->13. MEU VESTIDO DE NOIVA -- 22/09/2002 - 06:20 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Era maravilhoso, cheio de tules e de bordados, com a longa cauda aparada por dois anjinhos loiros de cabelos encaracolados.

Dois meses depois do casamento, estava colocando à disposição, através de anúncio de jornal, para aluguel ou para venda.

Realmente, houve várias noivas que foram ver, algumas bem interessadas, outras nem tanto, muitas alugando, nenhuma querendo comprar.

O que sei é que o negócio prosperou. Morando na cidade grande, bem poderia ocorrer que houvesse renovada novidade, de igreja para igreja. Eu mesma busquei outras ofertas nos anúncios e fui adquirindo outros modelos, ajeitando aqui, arrumando acolá, dando emprego para duas ajudantes na costura, acabando por abrir loja especializada.

Tinha muito bom gosto e logo descobria o que caía melhor para esta ou aquela, segundo a altura, a espessura das carnes, a cor da pele. Noiva que entrava no meu ateliê não saía de mãos abanando.

Meu marido ficou na estrada.

Um belo dia, entrou uma jovem bastante nova acompanhada da mãe, visivelmente constrangida porque a cintura demonstrava prenhez de cinco meses. Queria algo bastante discreto porque a cerimónia se daria numa pequena capela etc.

Não foi difícil de perceber que mentiam, mãe e filha. Quando lhes perguntei em que bairro iria casar-se, logo se viram na contingência de dizer que seria numa cerimónia religiosa de uma seita protestante. Insisti e elas acabaram por confessar que o casamento se daria num terreiro de Candomblé.

Na hora de me mostrarem a foto do noivo, porque sempre eu desejava combinar os acessórios com a comparação das características em comum ou díspares, lá estava, de corpo inteiro, o meu ex.

Não tive dúvida. Tendo avaliado que a mocinha era pobre e que estava fazendo o gosto ou a vaidade da mãe, expliquei-lhe que havia um vestido muito bonito mas um pouco fora de moda, que ela poderia levar gratuitamente, pagando apenas os reparos necessários para colocá-lo de acordo com as suas medidas.

Ela concordou e, uma semana depois, com o compromisso de me trazer o álbum de fotos da cerimónia, foi buscar aquele mesmo vestido que eu utilizara.

Nunca mais apareceram na minha loja, nem a filha, nem a mãe, nem o vestido, nem as fotografias. Aliás, também nunca mais vi o meu marido.

Mas eu soube, pela costureira que mandei à festa, que a noiva não se apresentou vestida com a peça que lhe aluguei, tendo preferido vestir-se como habitualmente nas reuniões religiosas de toda semana. Apenas estava maquiada e penteada adequadamente, para distinguir-se das companheiras.

Passados alguns meses, ainda pesquisando nos anúncios as ofertas de vestidos de noivas, lá estava o endereço da rapariga, endereço que gravei na memória, tentada a ir atrás do que me pertencia. Mas não fui. Enviei uma de minhas auxiliares, que voltou de mãos vazias, com a seguinte explicação:

- Seu marido mandou dizer-lhe que aquele vestido era mais dele do que seu, porque foi ele quem incentivou a senhora a abrir a oficina.

Calei uma espécie de revolta do orgulho e fiquei na expectativa de ver na praça mais uma concorrente, o que não aconteceu.

Aí teria terminado a minha historieta, se não houvesse tido um desdobramento inesperado aqui no etéreo.

Ocorreu que, tantas foram as roupas que vendi, que, ao chegar muito mais cedo do que esperava, tendo vivido não mais do que quarenta anos, vim sem perceber que havia morrido. Logo me estabeleci numa loja idealizada, onde, vestida com aquele mesmo modelo do meu casamento, esperava a clientela, curiosa para saber se a cor branca era a mais adequada, se estaria grávida a noivinha, se a família era de posses, ou seja, toda a malícia que aprendi no trato com o público estava vivíssima em minha mente.

Querem saber o pior?

Pois bem, um certo dia, pensei estar diante de um senhor em quem reconheci meu marido, acompanhado de uma jovenzinha, para quem desejava encomendar um traje cerimonial. Como obviamente ele não me reconheceu, fiz-lhe todas as perguntas de praxe, dentre as quais esta:

- Sua filha irá entrar numa igreja católica?

- Não é minha filha. É minha noiva.

- Você não tem vergonha de enganar essa menininha, dizendo-lhe as mesmas mentiras que empregou comigo?

Fez-se de desentendido:

- Jamais me casei na vida. A senhora está confundindo-me com outra pessoa.

Subiu-me o sangue à cabeça a ponto de colocar os dois para fora, com expressões muito fortes, eu mesma surpreendendo-me com o vigor das palavras e dos gestos.

Ao longe, ele ainda me dirigiu a palavra:

- Você nunca foi minha mulher.

Aquela manifestação me pareceu absolutamente honesta. Durante algum tempo, meditei profundamente a respeito do período em que habitamos sob o mesmo teto, tendo chegado à conclusão de que houve, sim, uma cerimónia oficial e outra religiosa, mas nós nunca nos sentimos verdadeiramente um casal consorciado em conformidade com as belas palavras que as autoridades dirigiram a nós. Não houve realmente separação, porque nunca houvera união matrimonial no sentido da conciliação dos desejos e dos caracteres.

Assim que dei por concluído o exame daquele período de vida, assaltou-me a dúvida de que o restante havia resultado em esquecimento e em perdão. Notei que se desfaziam no ar as roupas e apetrechos, os manequins e as estantes, terminando tudo por me deixar estupefacta perante o grande espelho em que se miravam as noivas. Lá estava a minha imagem translúcida para me despertar para a realidade.

Foi o primeiro momento de recolhimento religioso daqueles tempos. Pedi a Deus que me desse coragem para reencontrar o meu marido. Precisava pedir-lhe perdão pelas ofensas.

- Você quer acompanhar-me, Valéria, minha filha?

Era mamãe quem me oferecia o braço firme em que me apoiar.

Até agora sinto certa indisposição por não tê-la estreitado contra o peito, expandindo sentimentos de amor e de saudade. Tenho de melhorar bastante para merecer a glória desse beneplácito do Pai. Enquanto isso, inscrevo-me entre os redatores desta turma, na esperança de vir a ser útil para alguma criatura que possa identificar os seus dramas aos meus.

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