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Ensaios-->Camões: eterno -- 22/01/2009 - 10:05 (Eduardo Amaro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Luís Vaz de Camões, o vate que, por mérito, conduziu as caravelas vascaínas pelos tempos, singrando os mares revoltos e vencendo gigantes enevoados, autor de Rimas, primorosas composições líricas, de autos, do misterioso Parnaso, de sonetos imortalizados.
A exemplo de Homero, Aristóteles, Gil Vicente e Shakespeare, a biografia de Camões não é muito segura, poucos são os registros que a sustém: as cartas e o mais antigo texto biográfico, escrito por Pedro de Mariz, anexado a esse trabalho, além de algumas referências históricas.
Sabemos que, em 1563, foram publicados os “Colóquios simples das drogas da Índia” (Garcia da Horta) em Goa. Nesse livro, há uma ode de Camões ao autor. Os Lusíadas, obra responsável pela aquisição da “tença” imperial, uma espécie de salário, que a realeza passou a pagar para Camões, foram publicados em 28 de julho de 1572. Por fim, em 1576, houve o lançamento de História da Província de Santa Cruz, de Pedro Magalhães Gândavo, obra em que Camões escreveu um soneto e alguns tercetos.
Provavelmente, sua árvore genealógica descende de uma família galega, assentada em Portugal durante o reinado de D. João I. Seus pais seriam Simão Vaz de Camões e Ana de Sá (Macedo), habitantes de Mouraria, em Lisboa.
Sua obra, cuja maior parte foi publicada postumamente, compreende, além da epopéia Os Lusíadas, três peças teatrais (Auto de Filodemo, Anfitriões e Auto de El-Rei Seleuco), quatro cartas e alguns fragmentos, 130 composições em lírica de tradição medieval (trovas e redondilhas – vilancetes, cantigas e glosas) e 260 composições (sonetos, elegias, sextinas, canções, éclogas, odes, oitavas).
A obra que o projetou para a imortalidade literária foi o poema de exaltação do povo português, Os Lusíadas, termo que tem sua origem no século II a.C., na Grécia (Deipnosofistas, de Ateneu) e, em 1531, por André de Rezende, em sua obra Erasmi encomium, é introduzido em terras portuguesas.
Sob o signo do movimento maneirista e inspirado no clássico greco-latino, Os Lusíadas nasceram da necessidade de exaltar as glórias alcançadas pela nação portuguesa. A construção adequada para tal empreita, como nos ensina Aristóteles, é a epopéia.
Segundo a História, que analisou as cartas do humanista italiano Ângelo Poliziano ao rei D. João II, a idéia do poema épico, que exaltaria, em Latim, os feitos dos portugueses, já existia desde 1481. E foi, justamente, o delírio ufanista dos Descobrimentos, que criou no âmago português a grandeza e o orgulho necessários para a promoção da obra máxima de autoria camoniana. Não é por acaso a escolha do tema: foram as navegações e as suas descobertas, que colocaram os lusitanos em posição privilegiada na Europa.
Durante séculos, os árabes dominaram o comércio marítimo com o Oriente. O caminho alternativo, descoberto por Gama, retratado epicamente em Os Lusíadas, abriu novas perspectivas comerciais.
A história já dera à mente do poeta subsídios e fatos suficientes para conceber o que o Cancioneiro Geral (1516), de Garcia de Resende, ensaiara: a celebração dos lusos e de seus feitos heróicos e bélicos, os combates contra os mouros, as lutas contra Castela (Aljubarrota, 1385) e as apoteóticas incursões marítimas, que resultaram na formação de um império transcontinental, só para citar alguns exemplos.
Estes feitos heróicos foram encarnados em uma personagem metonímica: Vasco da Gama, comandante da esquadra lusa na famosa viagem em busca da rota marítima para a Índia, que é a substância temática do poema cantado. A estrutura segue o padrão clássico da Eneida de Virgílio e das obras de Homero, A Ilíada e a Odisséia. Temos, portanto, a divisão da obra em Proposição, Invocação, Dedicatória e Narração.
Na Proposição, o poeta apresenta o assunto do canto que consiste, no caso, em glorificar os feitos dos portugueses e levar a fé cristã pelas terras visitadas.
Na Invocação, há o apelo do poeta aos deuses, para que eles dêem engenho e arte à voz que se manifesta no poema. Camões rejeita as divindades antigas e cria, em seu auxílio, musas inspiradoras nacionais: as Tágides, ninfas do rio Tejo.
A Narração (fabulação) é a parte mais extensa da obra, cuja característica principal é a ação. Ela começa in media res (no meio do assunto), com os portugueses navegando pelo canal de Moçambique e termina na paradisíaca Ilha dos Amores, ou Ilha Enamorada, onde Tétis mostra a “Máquina do Mundo” ao Gama.
Os metros escolhidos por Camões, já praticados por Ariosto em Orlando Furioso, são a oitava rima, composta por estrofe de oito versos, sendo os seis primeiros com rimas alternadas e os dois últimos, paralelas, e o decassílabo heróico, com acentuação nas 6ª e 10ª sílabas poéticas.
Basicamente, as fontes inspiradoras (moldes clássicos em que bebeu Camões) para Os Lusíadas são Virgílio, Ovídio, Homero, Petrarca, Sanazzaro e Ariosto. Sabemos que, segundo estudos de Antonio José Saraiva e Segismundo Spina, a História Geral de Sabélico (Enneades), a Genealogia deorum (Boccacio) e as crônicas de Fernão Lopes, Rui de Pina e Duarte Galvão, serviram de suporte cognitivo para o autor de Os Lusíadas.
O grande desafio de Camões foi transformar a história de Portugal em epopéia, sem perder o horizonte real que tais acontecimentos carregavam. Para tanto, utilizou-se da seleção exata de fatos e personagens, um assunto principal (a viagem) e um único herói (Gama), que, por um processo metonímico, personifica a nação portuguesa (coletividade).
Os aspectos mitológicos ultrapassam a mera ornamentação retórica, que compactua com o estilo grandíloquo, exaltado na Invocação, dinamizando e embelezando as ações, pois estão intrinsecamente relacionados à história e interdependentes na narrativa: realidade histórica e mitologia se aliam para dar aOs Lusíadas o primor de escritura que nos remete aos mais Belos e perfeitos versos que o espírito português conseguiu exprimir.
É pela voz das entidades míticas e das personagens secundárias, que o narrador épico nos oferece a descrição, em uma perspectiva de agouro e de infortúnios, da verdade sobre as navegações, que atinge o ápice por meio de um nítido discurso antiépico, representado nas palavras retumbantes do Velho Venerando que, na praia de Restelo, levantou seu canto.
Atentemo-nos a esta passagem, que expressa a verdade histórica, mesmo à mercê da engenhosidade inventiva de Camões, por meio da verossimilhança aristotélica. A força negativa de Os Lusíadas, a racionalidade humana, o contraponto narrativo, o antiépico, o Velho do Restelo.
Essa personagem, que antecipa a ação, que vê além, projeta, critica; essa personagem que, repentinamente, surge na narração aos olhos do leitor, quando levanta sua “voz pesada, que nós no mar ouvimos claramente”, ao refletir com profundidade sobre o valor das coisas, a despeito de toda a exaltação épica, expressando um subjetivismo tão intenso que nunca antes havia sido representado em uma epopéia.
O discurso que é a perfeita antítese à apoteose divinizante do relacionamento com as ninfas, por parte dos navegantes, na Ilha dos Amores, ornamentado pelas figuras retóricas e pelos revérberos da narrativa mitológica, sobreposta à narrativa do real humano, bicho da terra tão pequeno, mortal, sofredor, sem destino conhecido.
A passagem começa com a descrição que o narrador épico faz do Velho, “com saber só de experiências feito”. É um homem sábio e experiente, que vê as conseqüências, analisa, racionaliza, é, portanto, um humanista. Tal constatação pode ser reforçada pelo seu conhecimento da história, da mitologia e pelo próprio discurso, que se aproxima da tragédia grega.
Um homem criado aos moldes clássico-humanísticos. Uma espécie de alter-ego camoniano, um recurso estilístico engenhosamente elaborado, para que o poeta pudesse, sem sofrer censura inquisitiva, expressar sua opinião, esta compactuada por parte da população, não da elite (realeza), que é recriminada nesse trecho, devido ao gosto pelo poder, “a vã cobiça desta vaidade a quem chamamos fama!”, em um nítido resgate da passagem virgiliana, auri sacra fames, “a que nos obriga tu os corações dos mortais, ó maldita fome de ouro!”, pois tal busca causará, como se vaticina, da mesma forma, no fim de Os Lusíadas, vários males, infortúnios e agouros.
A atitude do Velho, ao defender uma voz antimonárquico-expansionista, constatando a ruína da terra, amaldiçoando os navegantes, vaticinando a decadência de Portugal, para depois cair no desânimo, é a visão de uma pátria que se desgastou a ponto de estar preste a cair sob o domínio castelhano.
O valente povo lusitano que, ao mar se lançou e do Velho ouviu o alarido, em busca de fama e de riqueza, revela-se em queda livre, como Faetonte e Ícaro, em uma inquestionável alusão à queda do império português, também sugerida na Estância 104 do Canto X, perfeito vislumbramento do futuro e antecipação (histórica) dos fatos na narrativa.
O desespero e a incerteza tomam conta do Velho, na Estância 95 do Canto IV, quando ele exclama: “Que mortes, que perigos, que tormentas, que crueldades, neles experimentas!”, palavras de reprovação que continuam até o momento em que, indignado, lança ao ar várias interrogações: “Que famas prometerás? Que histórias? Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?”
Aceitando como conseqüência do pecado adâmico (geração daquele insano) o gosto dos homens pela guerra, em um intertexto maravilhoso com a Idade do Ouro, descrita nas Metamorfoses de Ovídio, com o paraíso cristão (idade da felicidade), o Velho censura, na Estância 99, o desprezo pela vida, por parte daqueles que buscam a fama.
Na centésima estância, o ancião antecipa a ação: refere-se às futuras guerras contra os mouros (o ismaelita) e alude às terras e riquezas que Portugal almeja conquistar, condenando a religião dos muçulmanos, o Islamismo (lei maldita).
Alerta para o perigo de voltar às costas ao inimigo (“deixas o inimigo ser criado às portas”), enquanto Portugal busca “outro de tão longe”, para depois amaldiçoar Ulisses, “o primeiro que, no mundo, nas ondas vela pôs em seco lenho!”.
Utilizando-se de comparações mitológicas, a recriminação intensifica-se. O Velho busca, na Antigüidade Clássica, acontecimentos trágicos para prenunciar a queda de Portugal e reitera sua desaprovação aos “altos desejos”, que movem os homens em busca de riqueza.
A derradeira estância, que cala a voz do Velho, é o perfeito vislumbramento para a queda do império lusitano, episódio singular, em que Faetonte, desobedecendo as ordens de Apolo, apodera-se do carro de sol e, perdendo o controle, aproxima-se demasiadamente da terra, queimando o solo e abrasando as pessoas do continente africano (por este motivo, segundo a mitologia, os africanos têm a pele escura, pois o calor do carro do sol fez o sangue deles precipitar à superfície da pele) e, ainda, alude ao episódio de Ícaro, quando, ao desobedecer as ordens do pai, Dédalo, mune-se de asas de cera e, fascinado pelo sol, tenta alcançá-lo, mas o astro em chamas as derrete e ele, em queda livre, precipita-se à morte certa no fatídico mar Egeu.
Dessa forma, o ancião se vê amargurado, desiludido por todo aquele vão esforço e ilusão, deixando registradas na história suas duas últimas exclamações: “Mísera sorte! Estranha condição!”.
Após tais considerações, voltemo-nos para a obra lírica camoniana, que se divide em medida velha e medida nova. A primeira, de tradição medieval, a segunda, clássica. Mesmo versando os temas tratados pelos trovadores medievais, Camões consegue aprofundá-los, inovando-os.
As redondilhas possuem, muitas vezes, uma vivência pagã, no plano da alegria e do prazer dionisíaco, que o poeta consegue transcender, elevando-a a uma expressão dramática platônica, como é o caso de Sôbolos rios. Há espaço tanto para o sentimento, quanto para a racionalidade.
Na poesia clássica, sua visão paradoxal e antitética prenuncia o barroco e busca respostas sensíveis para o homem e sua condição. A poesia, dessa forma, transborda dúvidas, questionamentos, angústias, desilusões, inconformismos, desencantos.
Munido de erudição, experiência, memória, engenho e imaginação, Camões analisa e dramatiza o “eu”, de si próprio, da mulher, da pátria, da Providência, da condição humana, da vida. Análise reflexiva da razão, utilizando-se de um artifício lingüístico interessante: aproximar a dor do “eu” da dor do “eu coletivo”, no qual se inserem todos os homens.
Justamente nesse ponto reside um motivo central da imortalidade da lírica camoniana, que consegue conjugar sentidos, sem estar presa a um tempo único: partindo do particular para o coletivo, o poeta versa sobre temas universais, o amor, a dor, a beleza, a angústia, a permanente dúvida, a constante incerteza, não só de um homem, mas de toda a Humanidade.
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