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Ensaios-->Intertextualidade: a voz ressonante do velho venerando -- 31/03/2009 - 21:16 (Eduardo Amaro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A tradição messiânica de um povo cristão europeu seiscentista, a religiosidade e o misticismo intrínsecos a ele, o nascimento de um homem de sangue azul que afasta qualquer pretensão espanhola de unificação dos reinos, as trovas de Bandarra (Gonçalo Anes) que, a trotes constantes e rápidos, ressoavam em todo Portugal, formaram um campo muito propício ao nascimento do mito.
O Sebastianismo, tão usual na literatura portuguesa, Camões, Jaime Cortesão, Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoaes, só para citar alguns exemplos daqueles que fazem referências explícitas ao mito, integralizando-os em seus textos), é entendido como uma ideologia de cunho messiânico que, além da crença , no caso, no regresso iminente do rei encoberto e libertador, traz em si a idéia de salvação em contextos de indefinição política e crises, sempre reelaborado em cada ascensão mítica. Não é gratuita a data de morte do soldado português no fim de Non ou a vã glória de mandar. Basta revisitarmos a história e veremos que Dom Sebastião brilha nas mentes portuguesas com mais solaridade em contextos como as invasões francesas ou, ainda, durante o miguelismo.
A história e o mito fundiram-se em uma ideologia popular que, cíclica e enraizada no pensamento da nação, renova-se de tempo em tempo. Para o povo, a figura emblemática de Dom Sebastião representa a expressão de vontade por libertação: afastamento da miséria e opressão quotidianas, em busca da paz que somente um rei iluminado e consagrado (cristão) poderia trazer. Eis a chave para decodificarmos parte da enigmática aparição do rei nos momentos finais do filme, a qual trataremos mais adiante.
D. Sebastião foi um rei que perdeu a vida em tenra idade, durante as batalhas na África. O corpo dele nunca foi encontrado, entretanto, sua presença se transfigurou por séculos. Ele foi um dos sobreviventes da famosa batalha de Alcácer-Quibir, retratada tanto na película de Manoel de Oliveira como pelo imortal poeta português Camões.
A criação do mito não é objeto deste texto crítico, porém, algumas considerações devem ser apresentadas. Destaco que o mito arturiano (celta) e o joaquinismo (Calábria) são fundamentos para construção do sebastianismo. O mito é, sobretudo, um conjunto de manifestações da alma humana, projetada em arquétipos que, com o passar das eras, aglomeram valores e se reestruturam, semanticamente, na psique humana. Tais aglomerações, sincréticas até, são exemplarmente representadas por Oliveira quando este aproxima o místico rei lusitano ao divino rei dos judeus. É a alma do povo português ali representada. Tal qual em Os Lusíadas, quando Camões (ou, caso prefira o termo técnico, o narrador-épico), ao evocar as musas do Tejo, canta:

“Cessem do sábio grego e do troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado,
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Porque de vossas águas Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene”
(Os Lusíadas, I, 3-4)

O poeta português cria uma entidade mítica, “as tágides”, para elevar seu canto, dar propriedade às palavras poéticas, característica exigida pelo metódico sistema clássico em uma epopéia. Tais entidades, que nele inspiram o cantar épico, são mais nobres que as antigas, musas de Febo, que inspiram a poesia e vivem no cume do Helicão, onde está a fonte Hipocrene, que foi originada quando Pégaso, o cavalo alado de Perseu, bateu seu casco nos rochedos. Deste modo, a “fonte do cavalo” começou a jorrar água e, ao seu redor, as musas de Febo cantam as glórias da nação. O valor mais alto a que Camões se refere é o cristianismo, e este está muito bem simbolizado na figura de D. Sebastião. Veja:

“E vós, ó bem nascida segurança
Da lusitana antiga liberdade.
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena cristandade
Vós, ó novo temor da moura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
(Dada ao mundo por Deus, que todo o mande
Pêra do mundo a Deus dar parte grande);”
(Os Lusíadas, I, 6)

Reveladora passagem e incontestável certificação de que a figura de D. Sebastião representa não só a liberdade para o povo, como também a propagação da religião cristã e, sobretudo, nele está inserido a graça divina, já apontada em seu nascimento.
Como a representação de salvador, o épico rei lusitano não poderia ser entendido a não ser pela peculiaridade do messianismo: a ressurreição, a imortalidade e o sofrimento são inerentes a ele.
Para nós, brasileiros, é difícil acreditarmos no sebastianismo, como ele se apresenta em Portugal. Estamos em outro contexto e nossa realidade e história diferem. Para os portugueses, por outro lado, é um credo que está na base do pensamento que construiu a nação. O quinto império de Pessoa é prova explícita deste pensar.
Uma terra que, tal qual Ícaro em busca do sol, precipitou-se em queda livre, queda esta já versificada e “profetizada”, tanto pela voz do Velho Venerando, quanto pelo Velho Caolho nos versos finais de Os Lusíadas, para se reencontrar em Non ou a vã glória de mandar. Renasce, revive-se, reinterpreta-se agora, à luz das magnéticas, o velho mito histórico-literário.
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