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Contos-->SOLITUDE -- 21/12/2002 - 16:51 (Barbara Amar) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Para Maura o Natal era sempre o mesmo, triste e solitário, desde a perda dos pais amados e do homem da sua vida.
Solitude. Bonita palavra. Combinava com ela, com sua dor e seu aparvalhamento.
Não sabia como enquadrar os filhos em sua existência. Vivos eles estavam. Apenas não mais faziam parte do seu presente. Afastaram-se aos poucos, vivendo suas vidas, tão distintos da íntima relação por ela mantida com seus pais.
O filho, ainda solteiro, fora transferido para Israel onde constituíra família. Na situação atual de beligerância ficava difícil visitá-los e vice-versa.
A filha mais velha, solteira e independente atuava como estilista numa conhecida “maison” parisiense; vivia cercada por uma corte de amigos e namorados. Mal tinha tempo para lhe dar um telefonema.

Na mesa posta para a ceia havia salgadinhos variados, as indefectíveis rabanadas e até o pavê de coco, especialidade da sua mãe. Curioso, apesar de amar a iguaria, Maura sempre temeu prepará-la. Falta de confiança. Receava arruinar seu doce predileto. Fazia-o agora pela primeira vez.
Não teve coragem de encomendar o peru defumado, rotina preservada por seu pai até seus últimos dias. Era demais para ela e sua dor. Ultrapassava seus limites.
- Todos temos limites, suspirava.
Maura sabia estar prestes a exceder o seu. Olhou os inúmeros porta-retratos espalhados pela casa exibindo fotos da sua família. Os pais revelados nas diferentes etapas das suas vidas, sempre belos e felizes. Inúmeras fotografias dela jovem, linda e sensual. Outras tantas ao lado do marido, seu grande amor, nas incontáveis viagens feitas. Retratos em profusão das crianças, seus queridos anjinhos. Alguns, em série, acompanhando-os desde a adolescência até a fase atual.
- E agora, por que me deixam tão sozinha?
Maura sempre foi mãezona, carinhosa ao extremo, muitas vezes encobrindo as faltas dos filhos para o marido não descobrir. Era tão severo. Vai ver este foi o erro. Limites. As crianças precisam conhecer limites e não ganhar tudo de mão beijada. Talvez, quem sabe, hoje não lhe dessem maior valor?

Olhou-se no espelho. Até que estava bem. Procurou arrumar-se da melhor maneira possível, não queria passar vergonha quando a achassem.
A seringa estava ao lado. Bastava ajustar a fita de borracha, que lhe garrotearia o braço, puncionar a veia e empurrar o ar. Acabava-se tudo. Morte branca. Morte limpa. Morte digna de uma noite de Natal.
Pensou em escrever uma carta explicando não tolerar mais a vida. Ninguém tinha culpa. Só ela, por ter nascido sob a égide da felicidade que subitamente lhe voltou as costas, abandonando-a assim desse jeito.
Levantou-se para fechar as janelas, não queria estragar a festa dos vizinhos. Viu dezenas de aposentos iluminados, as árvores de Natal enfeitadas brilhando multicores (a sua estava bem guardada), as pessoas alegres e bem vestidas conversando felizes.
Ficou um tempo enorme na janela quando foi surpreendida pela súbita sonolência. Provável efeito do espumante.
- Quer saber de uma coisa? Estou cansada demais pra morrer. Só preciso de uma boa cama pra descansar. Minha mente precisa de repouso. Passadas as festas voltarei à terapia. É isso! Besteira esse negócio de querer me matar, ainda mais em pleno Natal.
Falava consigo mesma, rindo baixinho, superando a depressão. Incontinênti desprezava na lixeira a seringa e o garrote.
Trocou a roupa de festa pela camisola acetinada, cor de cereja, usada somente duas vezes para o marido. Ele gostava. Apreciava-lhe o corpo, nunca permitiu se sentisse velha. Ao contrário, a rejuvenescia. Deitou-se. Nem teve tempo de fazer as orações tal o cansaço.

A empregada encontrou-a morta, dois dias depois.
Segundo a autópsia sofrera um enfarte fulminante. Morrera dormindo, em plena noite de Natal.

10/12/02


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