Usina de Letras
Usina de Letras
23 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 62776 )
Cartas ( 21342)
Contos (13287)
Cordel (10347)
Crônicas (22564)
Discursos (3245)
Ensaios - (10536)
Erótico (13585)
Frases (51155)
Humor (20114)
Infantil (5541)
Infanto Juvenil (4866)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1379)
Poesias (141074)
Redação (3341)
Roteiro de Filme ou Novela (1064)
Teses / Monologos (2439)
Textos Jurídicos (1964)
Textos Religiosos/Sermões (6297)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->Ônibus 174 -- 11/05/2009 - 08:30 (Alexandre Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
1) Objeto Real:


“ Ônibus 174” é um documentário de aproximadamente 118 minutos de duração e foi dirigido por José Padilha. Narra a história de Sandro do Nascimento, que no dia 12 de junho de 2000 seqüestrou um ônibus na zona sul do Rio de Janeiro, mantendo sob seu domínio 11 reféns. O caso ficou bastante conhecido por ter sido transmitido ao vivo pela televisão brasileira durante 4 horas e meia. O documentário não se resume somente à transmissão das imagens do seqüestro. Reúne também diversos depoimentos de pessoas e profissionais envolvidos, bem como a história de vida do protagonista Sandro.
Sandro do Nascimento era negro, pobre, não sabia ler nem escrever. Não possuía carteira assinada. Não tinha avô, avó, não conheceu o pai, e aos seis anos de idade presenciou a morte de sua mãe, Clarice, grávida de 5 meses, ocasião em que foi esfaqueada e caiu de costas em cima da faca. Segundo depoimentos do vídeo, era perceptível que o feto se mexia na barriga de sua mãe. Sandro praticamente não possuía nenhum vínculo familiar.
Durante o seqüestro, o ônibus foi cercado por policiais, imprensa e muitos populares. Sandro não realizou nenhum roubo e nenhuma exigência importante, como era de se esperar num seqüestro. O “mancha”, como era conhecido, portava uma arma e fez várias ameaças de morte aos passageiros do ônibus. No decorrer do seqüestro, citou a Candelária, local em que convivia com outros meninos de rua. Ele estabelecia comunicação com a polícia e demais populares com o uso de um batom, obrigando a vítima a escrever no vidro do ônibus as mensagens que ele queria transmitir. O BOPE foi acionado e as equipes entre atiradores de elite e outros policiais foram posicionados para tentar resolver o problema.
Em depoimento no vídeo, um especialista explicou como devem ser as táticas empregadas em um caso como esse. Em primeiro lugar, tenta-se a negociação, seguida do uso de agentes não letais, atiradores de elite, e por último, caso nenhuma tática anterior tenha êxito, o acionamento da equipe de intervenção, com o objetivo de invadir o ônibus. Em depoimentos subseqüentes, questionou-se a atuação da polícia, que se comunicava por meio de mímica, quando o ideal seria a comunicação via rádio, para a perfeita integração entre as equipes envolvidas. Afirmou-se também que existiam no local policiais habilitados e o uso do atirador de elite seria a técnica mais viável a ser empregada. Levantou-se a dúvida de que a técnica não foi empregada por se tratar de uma cena que seria exibida ao vivo para milhares de pessoas, com a explosão da cabeça de Sandro e conseqüente excesso de massa encefálica derramada que todos presenciariam, sendo portanto, uma cena chocante. Outra dúvida levantada foi a possível influência negativa do Secretário de Segurança e do Governador de Estado sobre as decisões que deveriam ser tomadas somente pelas equipes policiais.
Logo após quatro horas de seqüestro, Sandro desce do ônibus com a arma apontada para uma refém. Em seguida, um policial se aproxima e efetua um disparo mal sucedido que faz com que Sandro caia ainda vivo com a refém e efetue contra ela três disparos, levando-a a óbito. Sandro é imobilizado sob o grito de “lincha, lincha” da multidão que assiste a cena e posto dentro de um camburão da polícia. Segundo relatos do vídeo, oferece bastante resistência, quebra o vidro da viatura com os pés, quebra o braço de um policial e em seguida é asfixiado e morto por um oficial da polícia.
No enterro de Sandro, só compareceu a sua a Tia. Os policiais envolvidos no crime de Sandro foram julgados e absolvidos pelo júri popular.

02) Objeto Percebido:

O documentário procura explicar o ocorrido sobre o ponto de vista sociológico e psicológico, como se existisse um determinismo social, relacionando a falta de vínculo familiar, a baixa renda, e a falta de oportunidades com a necessária destinação desse ser – desprovido desses fatores – à violência. Naturalmente que tais fatores são agravantes e talvez os mais importantes, mas não são fatores necessários e obrigatórios que fazem elos de ligação com a criminalidade. Se fosse assim, todo ser de baixa renda e sem vínculo familiar seria criminoso, o que não parece ser uma verdade absoluta, embora importante na discussão do tema. Ainda na mesma linha de raciocínio, o que faz com que pessoas com oportunidades, boa renda e vínculo familiar cometam crimes, inclusive homicídios? Percebe-se que o tema “violência” é mais complexo e abrangente do que possa parecer à primeira vista. Nesse contexto, insere-se o primeiro problema: se é complexo, as opiniões das pessoas ditas comuns destoam da realidade, e acabam sendo idéias formadas a partir do senso comum, do que elas percebem, não considerando causas indiretas, como a obrigação do Estado de cuidar da educação, da saúde, da distribuição justa da renda, da infra-estrutura urbana. As discussões, por esse motivo, acabam por ficar vazias. A população não tem condições de discutir a violência de forma complexa, como ela realmente se apresenta. A população quer apenas se vingar do criminoso. O resultado disso são discussões acaloradas e romantizadas sobre a violência, redução da maioridade penal, pena de morte, marginais, meninos de rua, a polícia e o Governo. Alguns desabafam que esse marginais “tem mais é que morrer mesmo”. Podemos observar aqui o segundo problema: as pessoas dão soluções mágicas para a violência. “É só matar que resolve”.Isso é um outro mito. A chacina da Candelária ou a morte de 111 presos no Carandiru contribuíram para diminuir a violência no Brasil? Alguns acreditam que sim.A verdade é que o Brasil, com suas características sociais e econômicas é um convite à criminalidade, é uma grande fábrica de bandidos. Morrem muitos nas chacinas, mas o Estado indiretamente gera tantos outros. Então sair matando seria uma solução inócua.
Interessante a oportunidade de assistir ao documentário com membros da família. Isso atiçou a discussão, percebendo-se amostras de diferentes opiniões sobre o mesmo tema. Alguns integrantes de minha família entendem a violência como “desvio de caráter, safadeza, gente ruim mesmo” e me ocorreu outra pergunta: Se a criminalidade é simplesmente conseqüência de problemas de caráter, isso ou aquilo, por que os índices de violência são menores em outros países, como a Suécia? Seria apenas uma coincidência a violência ser maior em países castigados pelas condições sociais e econômicas? Ou na Suécia não tem ninguém com desvio de caráter? Outros opinam que o tipo de vida que Sandro teve não justifica ele virar um criminoso. Segundo o dicionário de Celso Pedro Luft, “justificar” significa “provar a inocência de, isentar de culpa, dar a razão de, demonstrar”. Naturalmente que, se Sandro tivesse sobrevivido ao seqüestro, deveria ser preso, não pelo que ele fez, mas sim pelo que fizeram com ele. De toda forma, ele deveria ser preso. Pois caso se comprove que o Estado é culpado, não é possível prender o Estado, por se tratar de um ente abstrato, uma criação da técnica do direito. Mas, retirando-se a culpa do Estado em se omitir ou agir com abuso de autoridade, não resta a Sandro nenhum tipo de culpa, exclusivamente dele? Claro que sim. Sandro tem uma parcela de culpa. Quando ele procura esconder seu rosto dentro do ônibus, para não ser fotografado, nos mostra que ele sabe a diferença entre o certo e o errado. Ele sabia que estava fazendo algo errado. Nesse caso, ele é culpado.Quando ele finge matar uma pessoa dentro do ônibus e pede para encenar desespero, ele nos transmite a mensagem de que a vida vale alguma coisa, e de que o desespero é uma coisa ruim. Mesmo em sua cabeça confusa, existe a noção de que a vida é o bem supremo. Conclui-se que Sandro tem noção do bem e do mal. Mas é como ter fome. Roubar comida é errado, mas a fome é pior do que o ato de valorar as coisas. As necessidades básicas estão acima dos valores sociais, valores como não roubar, não matar, etc.
O que se acha sobre a violência é só isso: achismo. Ninguém se aprofunda na questão. Fica a guerra entre o senso comum da maioria alienada da população e o senso crítico, porém teórico de nossos intelectuais. A opinião das pessoas sobre o tema é uma visão de quem teve educação. Logo, são opiniões que passam por diversos filtros, preconceitos, e claro, algumas verdades também. Talvez fosse mais interessante e produtivo não perguntar por que Sandro entrou para o crime, e sim tentar responder por que nós não nos tornamos violentos e criminosos. As respostas poderiam esclarecer melhor a questão e explicar o destino de Sandro do Nascimento. Interessante registrar que o documentário produzido traz na caixa que guarda o DVD a mensagem “ inadequado para menores de 14 anos, por conter cenas de violência”. No entanto, é engraçado que foi transmitido ao vivo em plena luz do dia, quando teoricamente, qualquer criança sem a supervisão de responsáveis, poderia assistir livremente. Concluindo, acredito que a violência é de responsabilidade conjunta do Estado, do criminoso ou do agente que a pratica, e da população geral que se omite. É ingênuo e superficial culpar somente a índole da pessoa. É ingênuo também culpar somente o Estado. A questão da violência possui mais perguntas do que respostas. Independente da complexidade que envolve o tema, as estatísticas poderiam estar bem melhores.


03) Objeto Reelaborado:

Gilberto Velho, em um simpósio realizado em julho de 1986, em Curitiba, afirma que “a questão da violência no Brasil é extremamente complexa. Não temos diagnóstico simples e nem vamos propor soluções mágicas”O que se tenta, segundo Gilberto, é tornar a questão mais observável, pois “não existe uma violência, mas violências, que devem ser entendidas em seus contextos e situações particulares”. Continua Gilberto Velho: “ De início, temos consciência de que, sendo complexo o problema, um conjunto de variáveis contribui para sua explicação. Mas há uma que é absolutamente indiscutível e a respeito da qual muito já se falou, mas talvez não de maneira adequada: a pobreza, a miséria, a desigualdade na distribuição de renda. Pobreza, miséria e desigualdade não explicam a violência, mas são indiscutivelmente fatores básicos para a constituição de um campo propício ao desenvolvimento de violências dos mais diferentes tipos. O Brasil é um país de desenvolvimento desequilibrado, de grandes desigualdades entre grupos sociais. Não existem as garantias mínimas de sobrevivência para a maior parte da população, que está longe de ter seus problemas de alimentação, habitação, terra, saúde e educação satisfeitos. Mas tudo isso não justifica simples e linearmente a questão da violência.Ela não é desencadeada necessariamente pelas pessoas pobres, miseráveis, mas por grupos que ocupam posições diferentes na hierarquia social”
Neste mesmo simpósio, Ruth Correa Leite Cardoso, explica que “ a violência urbana tem sido objeto de constantes manifestações da imprensa, das autoridades e de setores da sociedade civil. As diversas falas sobre a violência utilizam chaves discursivas que inevitavelmente as identificam com soluções autoritárias ou com a defesa dos direitos humanos. Por seu poder mobilizador, e seu caráter totalizante, o tema da violência passou a ser um divisor de águas na política: há o discurso de direita sobre a violência, que pede segurança e punição, e há o discurso de esquerda, frequentemente identificado com a defesa de bandidos e criminosos.O mais das vezes, esta popularização obscurece perguntas e dificulta análises”.
Ainda no mesmo simpósio, Elizabeth Sussekind, nos alerta que “ Os indivíduos das camadas economicamente desfavorecidas costumam ser apontados como autores de atos de força contra a pessoa e o patrimônio. Apenas eles são encontrados nas prisões. Assim, já sabemos de onde provém a violência. Temos, portanto, um tipo de comportamento e um autor de comportamento previamente eleitos e estereotipados, sobre os quais recai a nossa revolta.Compartilhar com eles o cotidiano social significa lutar para bani-los ou isolá-los. A nós, das classes abastadas, autores das definições e das regras legais que organizam o Estado, cabe, pois, estabelecer o controle desses cidadãos. Assim, o direito penal acaba criando uma solidariedade de algumas classes contra outras, vistas como potencialmente perigosas”.
Para finalizar, citaremos Alba Zaluar, presente no simpósio, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade de Campinas, que nos ensina: “ Existe uma relação entre criminalidade e pobreza. As explicações deterministas e reducionistas sistematicamente vêem nos pobres os mais afeitos à criminalidade ou ao uso da violência. Se é inegável que crises econômicas e sociais podem ser associadas ao aumento de certos tipos de crime, a equação não se explica pela relação direta e imediata entre a baixa renda e a criminalidade.Essa equação, assim posta, apesar de falsa, acaba por criar estereótipos fortes sobre quem são os criminosos potenciais”. Ainda Alba Zaluar: “ Se as teorias da compulsão ao crime, seja na versão do criminoso nato, seja na versão do determinismo social, estão ultrapassadas, elas não perderam no Brasil sua eficiência na guerra simbólica na qual se procura convencer os pobres do seu pendor para o crime”. “ A colocação do problema no plano do determinismo e da demonologia também tem conseqüências de ordem política e filosófica que acabam por transformar em conflito metafísico insolúvel as relações entre as classes sociais. As idéias mais disseminadas na população brasileira são as de que o criminoso, em geral pobre, é uma pessoa social e biologicamente diferente do respeitador da lei, em geral, um próspero morador de um bairro classe média e a de que há um determinismo ou uma compulsão no crime em algumas situações identificadas com a pobreza ou pessoas.”. “ Continuar a armar a polícia ou a tornar a justiça apenas mais rápida, sem mudar esse quadro de criminalização das classes populares, e de privilégios para os que têm mais recursos, vai apenas aumentar a eficiência de um sistema penal montado numa demonologia parteira de seus próprios demônios”.






Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui