Usina de Letras
Usina de Letras
146 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62220 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10363)

Erótico (13569)

Frases (50618)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140802)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->A MORTE DE LEÃO LEDA -- 06/09/2009 - 10:46 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A MORTE DE LEÃO LEDA

Moura Lima


(Trecho do romance Serra dos Pilões)


Voltando à vaca fria. Dom Domingos Carrêrot foi nomeado Superior de Conceição, no lugar de Frei Gil Villanova. E na quadra de 1909, Conceição do Araguaia foi sacudida de pavor com a chegada do coronelão de Grajáu, Leão Leda, na frente de um bando de jagunço, armado até os dentes. Ele tinha a intenção de apossar-se da cidade e tornar-se o maioral, o manda-chuva. Em Boa Vista havia sido expulso pelo rifle de padre João, com seus brogúncios e cacundeiros. Já em Conceição chegou como um satanás pregando quaresma, fazendo desordens, saqueando e maltratando o povo. Escolheu para morar o sobrado de Pedro Solino, seu parente. Aí instalou sua fortaleza em armas e jagunços. Mas a vida é como um dado, tem seus pontos marcados. Pensou e repensou o seu viver. E chegou ao balaio das conclusões amargas: rico é como rosário, quando se quebra, só caem contas e humilhações. E um homem de sua estatura não podia ficar de cuia na mão, esmolando. E como desgraça chama desgraça, resolveu mandar os seus jagunços arrebanhar gado na região, pra formar uma grande fazenda. Os fazendeiros, alvoroçados com aquela brutalidade sem cabimento, vinham a sua pessoa, trazendo nas caronas os pedaços de couros que continham suas marcas e pediam ao tutanqueba, humildemente:
- Coronel Leão Leda, venho apelar pra sua justiça: poupe o meu gado, que me custou muito sacrifício. . .
O Coronel, na sua maior naturalidade, passava a mão pela barbaça ruiva e arregalava os seus olhos claros de gavião real, no seu jeitão samangolé, e respondia:
- Não posso abrir precedentes. Quem não quer ser ajudado, não aceita conselhos. Mas faz de conta que seu gado morreu de seca. Prejuízo pouco é lucro. Assim tudo fica na santa paz, e a minha fazenda batendo chifres! . .
E abria-se numa gargalhada zombeteira. O coitado, tremendo de medo, azeitava as canelas, batendo os calcanhares na bunda. Senão complicava a vida. O terror foi aumentando. Os jagunços cada vez mais arrogantes e distribuindo surras à vontade. Era só erguer a voz que o manguá cantava. E como é porcada ruim que suja vereda, os grande da terra não agüentaram mais, e resolveram limpar a vereda, a ferro e fogo. E na calada da noite, promoveram uma reunião secreta. E ali, no cochicho de rosário, Cipaúba, Zeca Mourão e os padres tomaram uma corajosa decisão: mandaram chamar a caboclada do sertão pra salvar Conceição. Mil e duzentos homens atenderam o apelo dos padres. Todos queriam pegar no pau-furado, pra combater o macoteiro e seus paus-de-sebo.
O Coronelão de Grajaú, que não era besta, farejou nas abas do vento o perigo. E sem tardança refugiou-se como um peba, com a jagunçada no sobrado. Encurralado, acuado na sua loca, não fez de rogado: mandou bala! E a caboclada, como bando furioso de porco-queixada em roça de milho, repica o papo-amarelo e a garruchona de fogo-central. Os pispissius das balas zuniam quebrando telhas e rancando reboco das paredes do sobrado. O fumaceiro fechou-se, em serração de pé de serra. Os papocos retumbavam como trovões raivosos. O fogo nutrido durou dois dias e três noites. O coronel, desesperado, lamentava-se da sua atitude suicida, de ter se refugiado no sobrado. Alimento, água e munição, se acabando. Jagunços mortos e começando a feder eram sepultados às pressas em covas improvisadas no interior do casarão, debaixo de chuvas de balas. A caboclada, lá fora, encharcados na pinga com pólvora, ameaçava invadir o sobrado e tocar fogo. E gritavam provocantes:
- A minha lambedeira está afiada pra abrir o bucho do coronel e castrar os seus paus-mandados!
E dentro do sobrado o clima era de pavor. Jagunços tremendo. Uns com borroleto e o barro descendo. Outros rezando. E lá fora o brado de cão raivoso:
- Cadê o jagunço Atanásio? Eta negro fedorento, que não vale uma égua velha!
O coronel sentiu-se um morto-vivo, com o fim se aproximando. Mergulhou no fundo de sua alma, que chorava copiosamente. E reviveu o seu passado de glória. Era neto do bandeirante paulista Silva Moreira, de sangue limpo, sem mistiçagem. Um homem honrado e de prestígio na sua terra, com suas doze fazendas cheias de gado, batendo chifres. Tinha vindo do império, das hostes monarquistas. Foi homem forte do partido dos bem-te-vis, depois liberal. Chefão sertanejo, que lutou com bravura nos altos sertões maranheses. Lembrou, naquela hora amarga, da sua mula esquipadeira, da luta sangrenta de Serra da Cinta, onde morreram cento e vinte e seis jagunços. Não suportou mais a violência. E suas fazendas foram saquiadas, queimadas pelos seus inimigos. Foi obrigado a abandonar tudo. Era de sangue limpo. Um puro, que sonhou construir um Estado livre e independente, de Boa Vista até Pastos Bons. E veio atrás deste sonho. E agora? Era um miserável. Um infeliz, que perdeu a cabeça e cavou a própria sepultura. E sentiu-se num brongo trevoso, despido dos ouropéis ilusórios do mundo, das honrarias e do poder. Era a crucificação. A noite negra da alma. O descortinar da purificação rumo ao eterno. E as lágrimas correram-lhe pela face. De fora, entrou para o casarão um bramido de canguçu feroz:
- Vou amarrar o negro Atanásio... Pega-Égua no rabo de uma porca e tocar fogo!
Ao clarear da manhã, apareceu no telhado do sobrado um pano branco na ponta de um rifle, dando sinal de rendição. O Coronel Leão Leda dava o pescoço à forca. Pedia cabungo. Os papos-amarelos silenciaram, num profundo panejar de dobre de finados! A caboclada enfezada, rilhando os dentes, agurdou. Daí a pouco a pesada porta de cedro rangem nas velhas dobradiças, abrindo-se para amanhã de morte. Os raios do sol penetraram pela porta adentro, iluminando o casarão. E o Coronel Leão Leda, aos poucos, foi aparecendo, em passos de cavalo broco atacado de garrotilho. Era um molambo, sem os requififes de ouro. Barba crescida, salpicada de sarro, como capinzal sujo, cabeleira ruiva, assanhada, rosto vermelhão, inchado de sono, parecendo um pai-do-mato; camisa esfarrapada pra fora, ceroulas encardidas, fedorentas, amarradas nos tornozelos e pesão branco descalço. Olhar esbugalhado de doido. Uma figura assombrosa, da cor de jumento fujão, em chapada de chão vermelho. Não disse uma palavra. Ficou ali parado como um poste. E dois cabras, de supetão, arrancaram do meio da porcada de caetetu, um com um longo punhal e o outro com uma pajeú afiada, e atravessaram-lhe o peito, sem dó nem piedade. Leão Leda, com uma cara de dor, ainda ficou fazendo aparro com o corpo, morrendo de pé como uma vela! Um cabra malvado, saindo do meio do cererê, encharcado de tigueira, desceu o cala-boca de jucá, no pé da orelha do Coronelão, que o danado caiu de borco. E a cabroeira berrou fogo no corpo, que chegava a levantar-se do chão.
Próximo do sobrado, num capuão de mato, as gralhas-cã-cã gargarejavam os cantos estridentes nos galhos de uma goiabeira-braba, na hora da matança. O filho do Coronel, Mariano, vendo o pai morrer, sacou de sua pistola e berrou fogo, acertando a perna de meu compadre, Zé Barqueiro. Foi o que faltava, a cabroeira caiu-lhe em cima, aos tiros e facadas. Fiquei com dó, era um rapaz de vinte e dois anos, na flor da mocidade. Os corpos foram atirados no meio da rua, como um surrão de abóbora. Dentro do casarão, a jagunçada tremia acovardada. Não tinha jeito de fugir, pois os mil e duzentos caboclos faziam o cinturão de ferro, ao redor do sobrado. Oito jagunços foram presos. E no meio deles estava o terrível Atanásio, braço direito do Coronel e responsável por muitas mortes. Foi amarrado pelos pés e arrastado vivo pela rua a cavalo. E nos fundos da cidade, numa planura chata de cerrado, teve de abrir a própria cova.
O negro Libório, velho mulandeiro, já tordilho no avançar dos anos, coçando o pixaim, vivamente entusiasmado, diz:
- Eta causo triste, seu Cachoeira! Teve hora que pareceu conversa mole de beira-de-estrada. Mas como eu sei que o senhor não é peador de ema, boto fé! E então pergunto: Por que os padres, Zeca Mourão e Cipaúba não evitaram a morte do Coronel com seu filho, já que o homem estava acovardado no medo e tinha-se rendido?
- Não adiantava, seu Libório. O Coronel, quando aqui chegou, foi dando dia-santo pro povo guardar, e trepando na alma de todo mundo. O ódio foi crescendo e enraizando até rebentar-se nessa matança. Se os grandes da terra tentassem evitar sua morte, era bem capaz de morrer com ele, picados no facão. É claro que ninguém não queria ele vivo. Não aprendeu a regra do bom-viver, que ensina: em terras alheias, deve-se pisar no chão devagar. E essa região do Nortão de Goiás, das barrancas do Tocantins ao Araguaia, é como abelha, dá mel, mas não quer ser maltratada!
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui