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Ensaios-->Filosofia Antiga -- 03/04/2010 - 14:44 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Módulo I - A filosofia existencial no pensamento grego antigo


O espanto como motivação

São inerentes ao ser humano atributos capazes de possibilitar a absorção da realidade, pois são intrínsecos a si próprio. Embora muitas vezes não exercite a possibilidade de se admirar com o óbvio, esforça-se por experimentar a reflexão como forma de se deparar com questões inerentes ao mundo, além de rever os paradigmas constitutivos da verdade. Segundo Karl Jaspers, há três motivadores do fazer filosófico: 'Do espanto provém a interrogação e o conhecimento, da dúvida em relação ao que se conhece deriva a comprovação crítica e a clara certeza, e da comoção do homem e da consciência de sua perdição provém a interrogação relativa a si próprio'. ( Jasper, 1973). Portanto, há comportamentos que o homem deve reflexionar como forma de busca da abstração profunda de si mesmo e da sociedade, na qual se insere. Não haveria a possibilidade do pensamento filosófico sem uma percepção ímpar das estruturas comuns doa dia-a-dia.
O ente humano, motivado pelo fazer filosófico, pode propor-se a desenvolver uma visão profunda da realidade, que até então se apresentaria óbvia. A admiração com os detalhes que envolvem o ser contribui para a plena visão de um mundo diferenciado do que é apresentado pela “realidade” enganadora dos sentidos, quase sempre influenciados pelas idéias pré-estabelecidas. É conhecida a frase de Platão acerca da busca de um filósofo: “essa emoção, o espanto, é próprio do filósofo; nem tem a filosofia outro princípio.” (Buzzi, 1992). Um ente que se revela constantemente pode, por outra óptica, apresenta-se completamente diferente do que os sentidos apresentam-no. Nesse ponto, o senso crítico auxilia o pensador a sair de sua caverna, onde são apresentados reflexos da realidade. Em conseqüência, os padrões sociais caem no crivo da abstração a fim de que se possa desmascarar qualquer influência oriunda da superestrutura (fase de alienação dos interesses individuais pelos interesses de classe). Portanto, o espanto com os sentidos ligados ao senso comum conduz o filósofo a uma visão que perpassa o horizonte, levando-o além do óbvio. “No espanto, ficamos em suspenso. É como se retrocedêssemos diante do ente pelo fato de ser e de ser assim e não de outra maneira. O espanto não se esgota nesse retroceder e, ao manter-se suspenso, é, ao mesmo tempo, atraído e como fascinado por aquilo diante de que recua: assim, o espanto é a disposição em meio à qual estava garantida para os filósofos gregos a correspondência do ser dos entes.” (Heidegger, 2006).

No momento em que o ente humano se depara com o “novo”, abrem-se os caminhos de outras possibilidades. A partir daí, a busca pela confirmação da verdade conduz o pensador a pesquisas e a investigações referentes aos assuntos postos em questionamento. O contato com teorias e reflexões diversas possibilita o confronto imediato de idéias e põe a “verdade” à prova. O crescimento intelectual adquirido por meio da pesquisa passa a ser conseqüência do espírito investigativo criado substancialmente do espanto inicial. Assim, o mundo se apresenta e dispõe, igualmente, os detalhes mais implícitos aos olhos dos seres não espantados. Percebe-se que o subsídio oferecido pela natureza encontra-se ao alcance de todos, embora somente alguns busquem os meandros mais obscuros do pensamento. Aristóteles reitera o que disse Platão com estas palavras: “é a admiração que leva os homens a filosofar. Eles se admiram das coisas estranhas com que esbarram; depois, eles começam, pouco a pouco, a questionar as fases da lua, o movimento do sol e dos astros e, por fim, a origem do universo inteiro.” (Reale, 1994).
Outro ponto de bastante relevância é o da metamorfose dos dogmas estabelecidos pelos segmentos sociais dominadores. Não há dúvidas quanto ao fator motivador metamorfose proceder do exercício do espantar-se e da busca pelo fazer filosófico. Analisar o mundo com bom senso implica rever conceitos tidos como imutáveis. O questionamento e a tomada de atitudes progressistas são decorrentes da plena abstração dos conceitos oriundos do contato com um outro mundo, que na realidade, sempre foi o mesmo, entretanto insiste-se em observá-lo de uma maneira única e sugestionada. Talvez seja uma excelente oportunidade de cogitar a possibilidade de colocar os conceitos “imutáveis” à luz do questionamento para fazer-se independente uma leitura polida como pressuposto essencial da constituição da opinião. Indubitavelmente o espanto apresenta-se como protagonista da emancipação e do crescimento intelectivo, além de se tornar ferramenta indispensável às batalhas do dia-a-dia.
Consoante a explicitação dos argumentos citados, se espera do ser humano um posicionamento quanto ao problema da bicefalia, ou seja, a busca da luz clareadora das opiniões fará do ente humano elemento responsável pela concretização de seu pensamento e de suas posições intelectuais diante das diversas “verdades” apresentadas no ambiente social. A busca da unicefalia representa a bandeira filosófica para a constituição de um posicionamento independente na vontade de querer sair do breu da “caverna”, na qual se mantém auto-aprisionado.

O ser em Parmênides


O fator de motivação dos primeiros pensadores a substituírem o pensar místico pelo pensar filosófico foi o estudo das transformações da natureza. O pensamento que reinava até então era o de que os deuses haviam determinado cada ocorrência, que por sua vez, somente existia por vontade divina. Tal pensamento conduz o ente humano a não perceber em si o agente fundamental no processo de transformação sócio-pessoal, consequentemente, tornar-se-ia um ser comissivo. O que se pode perceber é que a sociedade a priori da filosofia vivia em um conformismo profundo. Despiam-se de seus atributos naturais e passavam-nos aos deuses. Obviamente os sacerdotes exerciam, em contrapartida, um domínio sobre os demais em virtude da proximidade com os “manipuladores” dos destinos humanos e naturais.
Portanto, os Filósofos da Natureza, nomenclatura conferida àqueles que vieram antes de Sócrates (os pré-socráticos) e que se dedicaram aos processos naturais foram os primeiros a darem passos concretos na formulação de postulados essenciais com objetivo de buscarem explicações pautadas na razão e na experiência para as transformações naturais. Parmênides não foi diferente. Renegava o atributo da criação aos deuses, pois tinha a certeza de que havia outro motivador para as transformações sociais. Os primeiros pré-socráticos criam que havia um elemento da natureza responsável pelas transformações, contudo, para ele, seria um erro afirmar isso, pois nada pode ser ele mesmo e outra coisa ao mesmo tempo.
Havia um pensamento comum aos gregos: “tudo o que existe sempre existiu”. Então, para Parmênides, nada poderia surgir do nada. Uma observação acerca desse assunto pode esclarecer um ponto de discussão posterior. Segundo ele, o ser é aquilo que é, ou seja, está aí. Ao passo que a ausência do ser deve ser pautada como não-ser, ou seja, o não-ser seria justamente a ausência do ser. Ora, se nada pode surgir do nada, o que não é nunca poderá ser. O ser é e o não-ser não é. Segundo ele, como algo poderia ser e não ser ao mesmo tempo?
A fim de ilustrar a explanação com uma análise do poema de Parmênides, observar-se-ão alguns de seus fragmentos que dizem respeito ao tema em voga: “Eis o que eu digo: presta toda a consideração sobre a palavra que ouves sobre quais caminhos se há de ter em mira, como os único, próprios de uma investigação. O primeiro, como o Ser é (o que é o Ser) e também quão impossível o Não-ser. A senda de uma confiança fundada é seguir a re-velaçâo (alétheia). O segundo, como não é, e, também, quão necessário (é) o Não-ser. Esse, portanto, segundo te revelo, é uma vereda, que não se pode em absoluto interpelar, pois nem podes travar conhecimento com o Não-ser, de vez que nem podes indicá-lo por palavras.” (Heidegger, 1987).

A observação do caminho ao encontro do ser e o caminho da revelação, do sair do velado para o desvelado evidencia o fato de que nada pode ser o que é e sua contradição simultaneamente, senão, apenas não seria. Esse caminho nos leva para a verdade do ser, embora se esconda e se mostre constantemente em um processo cíclico permanente, segundo Heidegger, grande exegeta da ontologia.
A partir dessa linha trilhada por ele, nada do que existe pode transformar-se em algo diferente do que é. Mais tarde esse pensamento ficou conhecido como princípio de identidade ou princípio da não contradição. Embora tal princípio tenha sido concebido por Parmênides, este não negaria as transformações que ocorrem na natureza, afinal, eram e são perceptíveis. Contudo, sempre afirmava que os sentidos constantemente nos enganam, portanto, não se poderia confiar plenamente neles. A exemplo disso, no cotidiano, poder-se-ia dizer: “Bob aparece como um santo, mas, na vida real, é um demônio” ou “As aparências enganam”, tais afirmações evidenciam o fato de que a percepção muitas vezes engana se se basear pela simples constatação empírica. Colocava Parmênides, então, efetivamente a razão sobreposta à percepção. Nele, os estudos filosóficos conheceram o maior racionalista entre os pré-socráticos.
Pode-se afirmar então que, em Parmênides, o devir não pode ser confundido com a relação antagônica entre os opostos. Pois, refutava veementemente as argumentações de seu grande adversário: Heráclito. Para Parmênides, nada poderia transformar-se naquilo diferente do que era. Se algo era x, não poderia mutar-se em y, pois x era x e y era o não-x. Pois bem, o que seria diferente de x seria o não-ser, nesse caso, x seria o ser. O que é sempre será idêntico a si mesmo. Nunca poderá transformar-se naquilo que jamais pertence à sua essência. Se para Parmênides o ser é logos, a quebra do princípio da contradição colocará a verdade em contradição. Afinal, a verdade esconde-se na unicidade, uma vez que, se for plural, não poderia ser o ser (logos), pois deve existir uma compreensão única que traz harmonia às oposições, uma vez que o ser é imóvel. Por isso, dizia que o que se ver pertence ao mundo sensível, portanto, suscetível à confusão de nossas percepções não confiáveis; e a razão existe no mundo inteligível onde tudo é seguro e confiável e, claro, não há contradição.


O ser em Heráclito


Se para Parmênides nada poderia transformar-se em algo diferente do que verdadeiramente é, Heraclíto percebia justamente o contrário embora ambos procurassem estabelecer uma ordem suprema capaz de impulsionar as transformações naturais. Heráclito postulou um pensamento ainda muito latente nos dias de hoje: “não é possível tocar duas vezes uma mesma substância mortal num mesmo estado, porque se recompõe e se reconstitui de novo através da rapidez da mudança, ou melhor, não é de novo, nem em seguida, mas é, ao mesmo tempo, que surge e desaparece” (fragm. 91). Na verdade, existia efetivamente algo superior que movia as transformações terrestres. Contudo, essa força agia na oposição dos entes. Afinal, somente existia a noite, porque havia o dia; a alegria, porque havia a tristeza; o bem, porque existia o mal; a saúde, porque havia a doença e assim sucessivamente. Portanto, em Heráclito, havia algo superior que impulsionava as transformações por meio da oposição: “as uniões são todos e não todos, semelhança e diferença, acordo e desacordo; o Uno nasce de todas as coisas e todas as coisas nascem do Uno” (fragm.10). Essa força responsável pelo movimento do devir seria efetivamente múltipla e em constante oposição, uma vez que, na diversidade, haveria a ordem responsável pelo movimento. Porém, para ser suprema, deveria mover sem ser movida, pois, do contrário, não poderia ser suprema. A partir do estabelecimento desse pressuposto, Heráclito inaugura uma discussão que no pensamento moderno sustentará o idealismo materialista de Hegel e o materialismo científico de Marx.
Os fragmentos de Heráclito sempre fizeram presentes nos debates filosóficos e os impulsionaram ao longo da história. A realidade, interpretada por ele como physis, logos, alétheia, diz, ao mesmo tempo, o múltiplo e o uno, a diferença e a identidade. A originalidade destes textos interpela o pensamento, provocando, em seus comentadores, interpretações muito divergentes.
Segundo Heráclito, a idéia da oposição seria responsável pela harmonização da ordem universal existente, uma vez que, se não houvesse a idéia oposta, não se conheceria a idéia primeira. Tal força responsável pela harmonização das coisas é chamada de logos, mudança e contradição. A percepção evidencia a experiência de que tudo se torna contrário a si mesmo, pois a “falsa” idéia da estabilidade de tudo pode ser questionada pela percepção da quebra de idéias. Portanto, logos em Heráclito pode ser caracterizado como a verdade suprema que harmoniza as oposições e será a ordem das coisas. Como se percebe, para sua formulação ontológica, Heráclito partiu da experiência sensível percebida por meio das transformações da natureza. Ao passo que Parmênides cria que nossa percepção constantemente nos engana e esconde o logos dos entes, assim, o devir não poderia ser especulado a partir da experiência sensorial, mas da racionalização.

A concepção de ser em Heráclito e Parmênides



A concepção de ser em Parmênides e Heráclito parte da premissa de que a transformação natural serve de pano de fundo para o desenvolvimento das teorias de que tratam as teses levantadas acerca das modificações visíveis na natureza. Para Parmênides, tudo o que existe sempre existiu (pensamento comum à época), portanto nada poderia surgir do nada. Entretanto, o questionamento mais presente em sua teoria foi: nada que existe pode se modificar e se transformar em algo diferente do que é. Embora constatasse as constantes transformações observáveis na natureza, não poderia crer pelo simples fato de ver. Ou seja, os sentidos não são dignos de confiança. Não é porque a natureza se transforma que se pode afirmar que tudo se transforma. Contudo Heráclito fará um contraponto a Parmênides, sobretudo, quando afirma que, na natureza, tudo flui. Tudo está em movimento e nada dura para sempre.
Pode-se constatar essa transformação por meio dos sentidos, embora não seja a única fonte necessária para afirmar tal possibilidade. Portanto, se tudo flui, não há ser, tudo é vir-a-ser.
Conforme o posicionamento quanto às transformações naturais, iniciar-se-á a concepção de ser em Parmênides e Heráclito traçando a distinção básica entre esses dois grandes pensadores. A noção de ser em Parmênides segue o mesmo posicionamento da natureza, ou seja, o ser é, assim como o não-ser não é. Pode-se afirmar que essa teorização caminha paralelamente com sua idéia geral acerca da natureza. Como para Parmênides tudo sempre existiu, o ser também possui a característica de ser eterno. Parmênides, ainda sobre o ser, afirma que é imutável e imóvel, pois ele é, sempre foi, porém não pode vir a ser. Já em Heráclito, a noção de ser, também, segue a teorização quanto à problemática da transformação. O ser é um constante fluir, pois não representa algo estático, ao contrário é dinâmico e por isso está em constante transformação. O ser é participante de um eterno processo circular; o ser é um sempre vir-a-ser. A dinâmica do ser representa a essência das transformações observáveis na natureza. Entretanto, adquire dimensões ainda mais profundas por não se prender apenas à natureza observada pelos entes animados.
Contudo, a verticalização das idéias e dos conceitos desses dois grandes filósofos pré-socráticos convergirá no desenvolver da especificação do estudo ontológico. Ao se falar sobre os entes, questiona-se sempre a relação substancial do ser. Nesse caso, o ser passa a ser a possibilidade dos entes. Como se os entes surgissem da determinação do ser. Ou que o ser pudesse acompanhar os entes na trajetória de ser entes; um emergir por causa do ser. Ora tal afirmação busca como pano de fundo a conceituação de alethéia como a revelação do ser, as coisas devem se revelar tais quais são. A realidade, assim concebida, é, ao mesmo tempo, um aparecimento e um retraimento, pois “o desvelar-se gosta de esconder-se” (fragmento 123).
Os caminhos em Parmênides talvez apresentem um conceito ao qual se referem os dois pensadores. O primeiro caminho trata da concepção de que ser é e da impossibilidade do não-ser. Partindo da idéia de que o ser é um constante revelar-se, pode-se inferir de que a revelação é o grande pilar da busca da confiança sólida, da verdade. O não-ser, por sua vez, é a não ocorrência do ser ser aquilo que não é. O segundo caminho trata da idéia de como não é e como necessário é o não-ser. A possibilidade de a idéia ser apenas aquilo e ao mesmo tempo não poder ser algo que não é leva a crer que o não-Ser conduz a alethéia. Por isso, a evidente relação dicotômica entre ser e aparência: há uma implicação e troca de um pelo outro e assim uma constante confusão; o que conduz constantemente ao engano. Portanto, no início da filosofia, para distinguir o ser da aparência, foi preciso “dar primazia à verdade entendida como des-cobrimento, frente ao encobrimento. Ao re-velar-se frente ao velar-se, concebido como vendar e dissimular, devendo o ser diferençar-se do outro e fixar-se como physis: opera-se a distinção entre Ser e Não-ser, e, ao mesmo tempo, entre Não-ser e Aparência” (Heidegger, 1987). Por isso que passa a ser tão importante a busca pela diferenciação, pois, além de distinguir aquilo que pode ser daquilo que não pode ser, aproxima a idéia da verdade (alethéia). Por fim, o terceiro caminho é o do erro. Surge o posicionamento quanto à conceituação do ser bicéfalo. O fato do ser não saber separar doxa de uma outra opinião posiciona o ser em um mar estando sempre à deriva. Isso ocorre por falta de critérios para saber se estão diante do erro ou da verdade. Não há relação entre os entes com o ser. Por isso, pode-se afirmar que se faz mister relacionar a multiplicidade dos entes à característica de unificação do ser.
Conquanto haja a importância da separação de conceitos, existe um ponto que expõe a convergência acerca da questão do vir a ser no ser. O vir a ser no ser possui como essência a possibilidade do ser vir a ser, de modo que, se ser se sobrepõe aos entes, na essencialização como physis, pode desvelar-se sempre como a essência de algo. Ou simplesmente como a possibilidade de revelação, afinal, esta é a característica do ser. Partindo desse mesmo ponto, pode-se correlacionar ser a logos, pois este caracteriza aquele do ponto de vista da physis. Isso por ser a reunião constante dos entes. Como diria Heráclito, logos é o ser do ente. Portanto, o logos tem o caráter de revelação ou manifestação.

Sócrates

À época em que Sócrates ainda era discípulo de Aquelau, filósofo originário, dedicava-se à questão da physis e outros problemas comumente discutidos pelos pré-socráticos. Mais tarde, Sócrates afasta-se desse estudo para se dedicar à metafísica. A partir dessa conclusão, Sócrates pôde, durante seu julgamento, dizer com firmeza: “Digo (...), ó cidadãos atenienses, que dessas coisas (das que são objeto da filosofia da natureza) não me ocupo de modo algum; e disso invoco como testemunho a maior parte de vós; e peço-vos que vos informeis mutuamente e o declareis abertamente todos vós que me ouvistes falar; e são muitos os que me ouviram falar. Eia, pois, declarai-o uns aos outros, se há alguém entre vós que alguma vez me tenha ouvido discorrer, por pouco que seja, sobre tais coisas” (...). (Platão, 1977).
Ele deixa evidente que o estudo do Cosmos está reservado aos deuses, visto sua grande complexidade, sobretudo essa idéia se fortalecia a partir de boatos sobre pensadores que perderam o juízo por conta desse estudo, como Anaxágoras. “Em geral, no que concerne aos fenômenos celestes, ele (Sócrates) desaprova a curiosidade de aprender como a divindade os consignou; e realmente sustentava que não podiam ser descobertos pelo homem e acreditava não ser agradável aos deuses quem procurasse o que eles não tinham querido revelar. Quem se dedicasse a tais problemas expunha-se, segundo ele, ao risco de enlouquecer, assim como Anaxágoras, que ensoberbeceu por suas pesquisas sobre a obra dos deuses.” (Xenofonte, 1981).
Para Sócrates, o mais importante era dedicar-se ao estudo da metafísica, desligando-se parcialmente, assim, do mundo sensível. Sócrates interpretou a frase do oráculo “conhece-te a ti mesmo” como buscar o conhecimento da alma. Para Sócrates, a alma é o eu consciente, é personalidade intelectual e moral. Portanto, a essência do homem é a alma. “Conhecer-se a si mesmo” significa conhecer sua alma. “coincide com a nossa consciência pensante e operante, com nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante. Em poucas palavras: para Sócrates a alma é o eu consciente, é personalidade intelectual e moral” ( Reale, 1994).
Desde Homero, muitos falaram da psique, mas, a partir de Sócrates, esse termo recebe um sentido novo, que permanece na cultura grega. Segundo estudo, o termo alma, para Sócrates:
Nesse sentido, a tradição moral e intelectual do Ocidente tem suas raízes nesse pensador. Teorias como estas sustentam o pensar ocidental até os dias de hoje. A finalidade da alma humana, segundo depreende-se de Sócrates, é buscar a felicidade. Subentende-se felicidade como virtude, ou seja, deixar exteriorizar a característica inerente à alma: bondade. Sendo a alma a essência do homem e a inteligência seu pilar, pode-se afirmar que a ciência ou o conhecimento é a virtude em sua essência. Esta finalidade surge como preceito de bom convívio em comunidade, respeito ao ser e às leis sociais. O conhecimento e a ciência representam os parâmetros para que o ser possa desenvolver em si valores verdadeiros, evitando assim, a corrupção social. Como a alma representa no ser a inteligência, o conhecimento, o homem necessidade dessa consciência para buscar o autodomínio moral (enkráteia), pois o verdadeiro ser virtuoso precisa dominar todas as situações de dor ou prazer, desejos ou paixões. A alma deve dominar todos os instintos do ser. Segundo Sócrates, isso representa a verdadeira liberdade. A enkráteia evidencia-se como domínio da razão e do conhecimento, processo de aquisição da liberdade com o logos, capacidade da razão sobrepor-se à animalidade do ser.


Dialética Socrática

O primeiro fim da dialética socrática visa dispor a preocupação no campo da ética e da verdadeira luta pelo saber. Como bem diz Reale: “A dialética socrática tem em vista a exortação à virtude, o convencimento do homem de que a alma e o cuidado da alma são o máximo bem para o homem, a purificação da alma provando-a a fundo, com perguntas e respostas, para libertá-la dos erros e dispô-la à verdade”. (Reale, 1994).
Na realidade, tal dialética estimula um encontro intelectivo entre almas a fim de caminharem rumo à verdade, alimentando-se mutuamente de reflexões e discussões acerca de temas ligados ao ser. Para se empreender uma análise mais didática, dividir-se-á a dialética socrática em três características: o não-saber, a ironia e a maiêutica.
O não-saber socrático apresenta-se como sua característica principal observada em seu estudo, pois evidencia seu posicionamento contrário ao caminho da soberba que permeou seus contemporâneos, os sofistas. Mesmo que a declaração do Oráculo de Delfos tenha possibilitado interpretá-lo como um ser único dentre os demais, afirmando que ele era o mais sábio dos homens, Sócrates jamais se permitiu a plenitude dessa idéia. O Oráculo foi assim interpretado por ele: “ Só Deus é sapiente, e isto ele quis dizer no seu oráculo: que pouco ou nada vale a sapiência do homem; e, afirmando que Sócrates é sapiente, não quis, creio, referir-se propriamente a mim, Sócrates, mas apenas usar o meu nome como um exemplo; como se tivesse querido dizer o seguinte: ‘Ó homens, entre vós é sapientíssimo aquele que, como Sócrates, tenha reconhecido que, na verdade, a sua sapiência não tem nenhum valor`” (Platão, 1977).
Sócrates punha-se, muitas vezes, em um diálogo, como ignorante. Dessa maneira, lutava contra a soberba interior, notadamente nociva à sede pela busca constante da verdade. Talvez o não-saber para Sócrates tenha sido a circunstância mais inteligente encontrada por ele para manter-se inquieto diante de sua “burrice”. Reconhecer-se pequeno diante do universo extenso do conhecimento encoraja o ser a ir ao encontro do conhecimento. Ao passo que, se se perceber o mais inteligente, poderá ser conduzido à inação, uma vez que já teria a verdade em si. Paulatinamente poderia se despir do espírito investigativo.
A ironia socrática caracteriza-se como uma forma de encorajar o interlocutor a entrar no debate. A utilização dessa ironia visa provoca o interlocutor a entrar no diálogo. “Em que consiste essa ‘ironia socrática`?” O que pretende Sócrates com sua insistência importuna de fazer perguntas? O próprio Sócrates, na Apologia , responde: “Aqui talvez alguém poderia dizer-me: Mas,ó Sócrates não serias capaz de viver quieto e silencioso uma vez saído de Atenas?` Eis a coisa mais difícil de todas de persuadir alguns de vós. Porque se eu vos disser que isso significa desobedecer a deus, e que por isso não é possível eu viver quieto, vós não me acreditareis, e direis que eu falo por ironia ; se eu vos disser que isso é para o homem o maior bem, o discorrer em cada dia acerca da virtude e dos outros temas sobre os quais me tendes ouvido disputar e fazer pesquisas em mim próprio e nos outros e que uma vida sem exame é uma vida indigna de ser vivida: se eu disser isso, ainda menos me acreditareis ” (Platão, 1977).
Por meio da ironia, Sócrates apresenta-se como um tolo, coloca-se no mesmo nível no diálogo, assim, o companheiro de debate não enxerga diferença intelectual com Sócrates. Este o conduz ao conhecimento simplesmente fazendo perguntas supostamente “idiotas”. Justamente por fingir que não sabia de nada, Sócrates instigava a pessoa a usar a razão.
Por fim, a maiêutica (palavra que significa trabalho de parteira), assim como as outras duas características, está intrinsecamente ligada ao fato de fazer o interlocutor chegar ao conhecimento por si. O trabalho da parteira caracteriza-se justamente por ajudar a gestante a dar à luz ao bebê. O filósofo, por meio da maiêutica, faz com que seu adversário chegue ao conhecimento independentemente do nível intelectual. O verdadeiro filósofo não impõe o conhecimento, ao contrário, faz com que a pessoa externalize o conhecimento a partir da leitura que todos podem fazer.



Platão

Platão valia-se da metáfora da Primeira e Segunda Navegação para se referir à atividade filosófica. A seguir, observem o texto do Fédon em que Platão explica a necessidade de iniciar a segunda navegação: Isto [isto é, articular a Inteligência com os elementos físicos e não com o melhor] significa dizer que não se é capaz de distinguir que uma coisa é a causa verdadeira e outra é aquilo sem o qual jamais a causa poderia ser causa. Parece-me que a maioria, andando a tatear como na escuridão, usando um nome que não lhe convém, designa o meio como se fosse a causa. Em conseqüência alguém, colocando um vórtice em torno da terra, supõe que ela permaneça firme em razão do céu, enquanto outros colocam debaixo dela o ar como apoio, como se a terra fosse uma arca achatada. Mas a força pela qual a terra, o ar e o céu têm atualmente a melhor posição possível nem a procuram nem acreditam que haja uma força divina, mas pensam um Atlas mais poderoso, mais imortal e mais capaz de sustentar o universo, nem pensam que é o bem e o laço do bem o que verdadeiramente liga e mantém todas as coisas. Com todo prazer me tornaria discípulo de quem quer fosse para poder aprender algo sobre essa causa. No entanto, já que fiquei sem ela e não me foi possível descobri-la por mim mesmo e nem aprendê-la por outro, tive de empreender uma segunda navegação para andar à busca da causa; queres, Cebes, que te exponha quanto trabalhei nisso?

Platão cria que a Primeira Navegação ocorria por meio da contribuição dos ventos que sopravam as velas e conduziam as embarcações. Segundo ele, a tradução dessa navegação refere-se à filosofia pré-socrática que se encontravam na problematização da physis. Somente a partir da Segunda Navegação platônica se torna possível falar propriamente de questões efetivamente relacionadas à metafísica “ de corpóreo e incorpóreo, sensível e supra-sensível, empírico e metaempírico, físico e supra-físico” (Platão, 1999). Assim, antes de Platão não se pode chamar ninguém de materialista, pois foi ele quem descobriu o espiritual, o mundo inteligível.
Platão achava que não havia necessidade de muito esforço visto que a physis encontra-se no nível do sensível, portanto disposta à vista. Para Platão, o filósofo deveria sair do plano sensível e passar para o supra-sensível, no campo da razão e da dialética. Nomeava essa passagem de Segunda Navegação. Obviamente, se Platão considerava como verdadeiro esforço filosófico a Segunda Navegação, pode-se depreender que a metafísica constitui-se seu pilar filosófico. Segundo Platão, quem vê as coisas no logos, as vê em sua realidade, e quem as vê nos sentidos as vê nas suas imagens tênues e distorcidas.
Para explicar o sensível, Platão postula o mundo das formas, pois o mundo sensível apenas pode ser explicado por um plano superior ou uma causa meta-sensível. O mundo sensível representa o mundo imperfeito, ou reflexo da perfeição. Essa perfeição seria o mundo das idéias; assim, não se poderia afirmar que isso é justo ou injusto, grande ou pequeno se não há conhecimento do mundo das formas, pois o modelo de justiça ou da medida é justamente inerente ao mundo supra-sensível. Apenas após a Segunda Navegação, pode-se possibilitar o diálogo acerca de corpóreo e incorpóreo, sensível e supra-sensível, empírico e metaempírico, físico e suprafísico, pois foi a partir de Platão que se contrapôs tudo o que é físico com a essência do físico ou o metafísico. Portanto, aqui se observa, de modo mais singular, a essência da questão ontológica. Se para ele as idéias são o verdadeiro ser, será pontualmente aí que efetivará um corte epistemológico no pensamento filosófico. Trata-se, segundo Platão, do ser em si, do ser estável e eterno, opondo-se em tudo ao ser sensível. Falando da Idéia amor no Banquete, lê-se: (...) algo, em primeiro lugar, que sempre é, e que não nasce nem perece, não cresce nem diminui e, ademais, que não é belo em parte e feio em parte, nem às vezes belo e às vezes não, nem belo em relação a alguma coisa e feio em relação a outra, nem belo numa de suas partes e feio noutra, enquanto é belo para alguns e feio para outros. Nem o belo se mostrará para ele como um rosto, ou como mãos, nem como qualquer outra das coisas das quais o corpo participa; nem se mostrará como um discurso ou como uma ciência, nem como algo que é em outro, por exemplo, num ser vivo, ou na terra ou no céu ou em qualquer outro, mas se manifestará em si mesmo, por si mesmo, consigo mesmo, como única forma e ser eterno; todas as outras coisas belas, ao contrário, participam dele de tal modo que, enquanto elas nascem e perecem, ele em nada se torna maior ou menor, nem sofre nada por isso. (Platão, 2005).

Como tudo no mundo sensível é múltiplo, individual e contingente, não se podem encontrar as causas que expliquem as coisas e os acontecimentos, pois tudo é dinâmico. Para se ter um conhecimento seguro as coisas precisam ser universais e unas. Esse conhecimento não pode ser depreendido já que tudo flui. Para postular o verdadeiro conhecimento, é necessário unificar as coisas. Platão as unificou criando a teoria do mundo das idéias. Se há uma multidão de cavalos no mundo sensível, é preciso descobrir donde vem a forma de ser cavalo, ou o cavalo em si, a partir do qual se pode estabelecer essa comparação. No mundo das idéias, encontra-se o verdadeiro ser das coisas, a essência de tudo. Somente o ser de cada idéia é idêntico a si mesmo e sem mudança. Por permanecer imóvel, o uno do mundo das idéias pode-se ser conhecido. A forma no mundo das idéias tem caráter absoluto, pois é a causa primeira. É dela que tudo do mundo sensível surge. As idéias unificam, no mundo da formas, os indivíduos de uma espécie. Para Platão, apenas é possível entender o múltiplo a partir do uno, as coisas e eventos temporais a partir da eternidade, as coisas mutáveis a partir da imutabilidade.
Se para Platão tudo é explicado a partir de uma unidade, o mundo das idéias, ao mesmo tempo em que unifica o mundo sensível, apresenta outro tipo de multiplicidade, há um vasto número de idéias; as fôrmas para as coisas do mundo sensível. Partindo desse pressuposto, a questão da multiplicidade e unidade das idéias só pode encontrar explicação em outro plano da realidade. No dizer de Reale (1994): “Como a esfera do múltiplo sensível depende da esfera das Idéias, assim, analogamente, a esfera da multiplicidade das Idéias depende de uma ulterior esfera de realidade, da qual derivam as próprias Idéias, e esta é a esfera suprema e primeira em sentido absoluto”.

Eis um problema gerado a partir de um já resolvido para Platão. A fim de resolver o problema da multiplicidade do mundo das formas, fez-se necessário ir além dele. Seria uma esfera da qual derivam as próprias idéias. Essa esfera seria primeira e suprema em sentido absoluto, pois ela não viria de nenhuma outra esfera; outras esferas, em contra partida, derivariam dela. Platão serve-se de duas causas para resolver essa questão: a material e a formal. As idéias são causa formal das outras coisas (primeiro nível), e o Uno é a causa formal das outras idéias (segundo nível). Portanto, em uma escala hierárquica, o Uno teria um posto absoluto, o mais alto; a idéia um posto intermediário, pois estaria subordinada ao Uno. A causa material, que possui a função de substrato para o primeiro e segundo níveis, é a Díade (dualidade). Essa oposição mais o Uno ajudam a resolver a multiplicidade no mundo das idéias. Entretanto, a Díade seria a matéria integrante da operação determinante do Uno. Assim, todas as coisas são resultadas da ação mútua desses dois princípios opostos. Portanto, Platão unifica a multiplicidade do mundo das idéias, mas não reduz toda a realidade ao Uno absoluto, havendo ainda possibilidade para a multiplicidade, uma vez que do Uno e da Díade surgem o mundo supra-sensível e o mundo sensível. “o problema metafísico por excelência é, para os gregos, o seguinte: ‘Por que existem os muitos?`, ou ‘por que e como do Uno derivam os muitos?` (...) a novidade de Platão, não no nível da ontologia das Idéias (dado que nesse plano ele explica ainda o múltiplo sensível, com outro múltiplo, o inteligível das Idéias), mas no nível da protologia, está, justamente, na tentativa de ‘justificação` radical última da multiplicidade em geral em função dos princípios do Uno e da Díade indefinida, segundo um esquema metafísico bipolar ”. (Reale, 1994).

Esse co-princípio bipolar do Uno e da Díade, deve ser interpretado como Aristóteles o fez no texto acima. A Díade seria a matéria indeterminada, que se constitui como substrato da operação definidora e determinante do Uno. Se para Platão o verdadeiro filósofo é aquele que vê o múltiplo na unidade, seria incoerente Platão matar a possibilidade de multiplicidade. Com o Uno e a Díade, Platão a salva.
A segunda navegação para Platão inaugura o contato com o mundo divino. Divino, para os gregos, era considerado tudo o que se encontra fora do mundo dos mortais. As idéias, para os gregos, eram divinas, porém o Uno era o divino absoluto. Platão identifica o Uno com o bem. O Uno ou o bem é o Deus supremo.
O demiurgo faz tudo do cosmos por meio do caos, medindo-se pelo paradigma das idéias e do princípio supremo que é o bem, é assim interpretado por Reale (1994): “Deus é Bom por excelência justamente porque opera em função da Idéia do Bem, ou seja, do Uno ou da Medida suprema, atuando-os perfeitamente, na medida do possível. Desta sorte, Deus age da melhor maneira, ordenando e co-mensurando a desordem que procede do Princípio material antitético ao Bem, segundo a ótica da estrutura bipolar que já conhecemos, ou seja, uni-ficando o múltiplo. (...) Deus, pois, como Aquele que realiza a Medida suprema, é também o que realiza a unidade-na-multiplicidade, ou seja, que liga o Uno e os Muitos e os Muitos e o Uno.”

E, se todas as coisas são uma mistura da Díade e do Uno, então todos os entes existentes são bons, porque seu ser é constituído pelo bem.



Aristóteles


Aristóteles desenvolve toda sua teoria no campo da metafísica. Para tanto, elabora quatro definições para o conceito de metafísica ou filosofia primeira, a saber: investiga as causas e os princípios primeiros e últimos; indaga o “ser enquanto ser”; investiga a substância e indaga Deus e a substância supra-sensível.
Aristóteles começa o livro Gama com estas palavras: “Existe uma ciência que considera o ser enquanto ser e as propriedades que lhes competem enquanto tal. Ela não se identifica com nenhuma das ciências particulares: de fato, nenhuma das outras ciências considera o ser enquanto ser, mas, delimitando uma parte dele, cada uma estuda as características dessa parte. Assim o fazem, por exemplo, as matemáticas”. (Reale, 1994).

Diferentemente dos pré-socráticos, Aristóteles não procurava a causa primeira na evidência da sensibilidade. Para ele, o saber não é ciência, é apenas constatação empírica. O processo de transformação em ciência visa chegar a uma causa. Procura o primeiro impulso. O porquê das coisas serem assim e não de outro modo. Ele acreditava que a explicação do fundamento de cada coisa está no conhecimento de sua causa primeira. Daí, pode-se retirar um pensamento científico, por meio do conhecimento da causa primeira. Buscar-se-á o conhecimento metafísico a partir da descoberta de um postulado amplo.

Para Aristóteles, a ciência do ser enquanto ser é a pesquisa das causas primeiras e princípios últimos do ser como uma totalidade: “Ora, dado que buscamos as causas e os princípios supremos, é evidente que estes devem ser causa e princípio de uma realidade que é por si. Se também os que buscavam os elementos dos seres, buscavam esses princípios , necessariamente aqueles elementos não eram elementos do ser acidental, mas do ser enquanto ser. Portanto, também nós devemos buscar as causas do ser enquanto ser”. (Bettencourt, 1994).
Fica claro, portanto, que a metafísica busca o porquê do ser enquanto ser, isto é, investiga as causas e os princípios supremos de toda realidade do ser. Mas o que é o ser?
Aristóteles divide as causas em quatro: a causa formal, a causa material, a causa eficiente ou motora e a causa final.
1. A causa formal é a essência de cada coisa ou a característica comum a sua espécie.
2. A causa material é a substância de cada coisa, de que são feitas.
3. A causa motora ou eficiente é a origem de cada transformação e o movimento do que conhecemos.
4. A causa final é a finalidade da existência de cada coisa.
Segundo Aristóteles, essas quatro causas são suficientes para explicar o ser e o devir das coisas.
Enquanto a physis é o ser em plenitude, a verdadeira realidade para os pré-socráticos, e todo o esforço de Platão foi em prol da elaboração da ciência do ser, para Aristóteles o objetivo da metafísica é o estudo do ser enquanto ser (ontologia). Portanto, para ele, a metafísica é a ciência que cuida do ser enquanto ser e das causas e princípios últimos.
Aristóteles levanta um ponto essencial a ser discutido: o conceito de ser. Ele elenca algumas características do ser, não definição; apenas conceitos desmistificadores dos conceitos levantados pelos pensadores que o precederam. Ainda segundo Aristóteles, o ser possuiria multiplicidade de sentidos e não definido como os pré-socráticos tentaram defini-lo (unívoco), tampouco como Platão sugeriu que fosse, separado das coisas. Ainda segundo ele, o ser não poderia ser identificado, dentro de um grupo semelhante, por características essenciais, tampouco por sua natureza. Apesar do ser apresentar multiplicidade, o múltiplo do ser refere-se a um único princípio. Segundo Aristóteles, esse uno é a substância ou matéria. “ O ser se diz em múltiplos sentidos, mas sempre em referência a uma unidade e a uma realidade determinada. O ser não se diz por mera homonomia, mas do mesmo modo que dizemos ‘sadio` tudo o que se refere à saúde: ou enquanto a conserva, ou enquanto a produz, ou enquanto é seu sintoma, ou enquanto é capaz de recebê-la, ou também do modo que dizemos ‘médico` tudo o que se refere à medicina: ou enquanto possui a medicina ou enquanto é bem disposto a ela por natureza, ou enquanto é obra da medicina; e podemos aduzir outros exemplos de coisas que se dizem do mesmo modo destas. Assim também o ser se diz em muitos sentidos, mas todos em referência a um único princípio (...) É evidente (...) que serão objeto de uma única ciência, justamente enquanto seres. Todavia, a ciência tem com objeto, essencialmente, o que é primeiro, ou seja, aquilo de que depende e pelo que é denominado todo o resto. Portanto, se o primeiro é a substância, o filósofo deverá conhecer as causas e os princípios da substância . (Reale, 1994)).

Portanto, o princípio unificador do ser é a substância. Ainda teoriza Aristóteles sobre o ser: como o ser é polívoco e a substância não é apenas um dos sentidos, mas o unificador da polivocidade, portanto, a metafísica pode ser considerada a ciência das causas e princípios supremos da substância. Ora, se a substância é a causa primeira, o filósofo deverá conhecer as causas e os princípios da substância.
Outra questão é levantada: o que é substância? Essa é uma teoria decisiva na metafísica de Aristóteles. O ponto inicial para o discípulo de Platão é: a substância é matéria ou é forma ou é o conjunto de matéria e forma (sínolo)? A primeira afirmação de Aristóteles é que substância é entendida como forma (essência das coisas); por exemplo, a forma da galinha é cacarejar, ciscar, bater as asas, por isso a forma identifica-se com a substância. A segunda afirmação é que a substância é compreendida como matéria (natureza material), nesse sentido, a matéria seria parte constitutiva das coisas concretas juntamente com a forma, pois a matéria sem a forma não formaria nada. Assim, pode-se concluir que todas as coisas são formadas a partir da união entre matéria e forma (sínolo), ou seja, seria a substância constituinte das coisas: Todos admitem que algumas coisas sensíveis são substâncias; portanto, devemos desenvolver nossa pesquisa partindo delas. De fato, é de grande utilidade proceder gradualmente na direção daquilo que é mais cognoscível. Com efeito, todos adquirem o saber deste modo: procedendo através das coisas que são menos cognoscíveis por natureza [= as coisas sensíveis] na direção das que são mais cognoscíveis [= as coisas inteligíveis ]. (Durant, 2000).

Em um outro sentido, ainda, Aristóteles conceitua a metafísica como teologia, pois, segundo ele, existe uma força última, impassível, imóvel e eterna, como as idéias de Platão, chamada Deus.
Como diz Reale (1994), o indivíduo concreto não pode “ esgotar a substância enquanto tal: se o sínolo esgotasse o conceito de substância enquanto tal, nada que não fosse sínolo seria substância. Assim Deus, e, em geral, o imaterial e o supra-sensível não seriam substâncias! (...).
“O ser no seu significado mais forte é a substância; e a substância num sentido (impróprio) é matéria, num sentido (mais próprio) é o sínolo, e num terceiro sentido (e por excelência) é a forma; ser é, pois, a matéria; ser, em grau mais elevado, é o sínolo; e ser é, no sentido mais forte, a forma. (...)” (Reale, 1994).

Essa força suprema é considerada em Aristóteles como a causa última movedora, por ser a última não pode ser movida, portanto o primeiro motor imóvel. Assim, Aristóteles encontrou o fundamento, o princípio e a causa última de toda a realidade. Então, se Deus fosse um ser movente e móvel ao mesmo tempo, não seria a causa suprema, visto que para ser absoluto precisa exercer a ação e não a sofrer por não existir algo superior a si.


Considerações finais

Por mais que nosso senso natural nos impulsione a julgar cada pensamento estudado, devemos conceber a idéia que foram essenciais cada qual em sua época, afinal, não se pode estabelecer um juízo de valor sobre os caminhos e descaminhos do pensamento grego a partir da definição de filosofia que temos hoje, pois, à época do postulado antigo, foi de fundamental importância para a evolução que percebemos atualmente.
Pode-se observar que há contradições evidentes nos postulados apresentados neste módulo. Ora, não se faz filosofia, tampouco se estabelece um pensamento cientifico sem divergências. Essa dialética enriquece o pensamento e possibilita a busca pela verdade.
Vimos, neste módulo, a necessidade de postular teorias acerca da causa primeira dos entes presentes na natureza e de seu processo de transformação. Essa necessidade partiu da tentativa de buscar outra origem, longe dos deuses, para que o ente humano pudesse assumir a condição de sujeito agente no processo de elaboração do pensamento livre de restrições e evidentemente voltado ao exercício da razão.
Parmênides e Heráclito protagonizaram uma das mais eloqüentes batalhas intelectuais da história acerca da definição do ser. Preconizaram, pois, um subgênero da metafísica responsável pela explicação do motor das transformações: a ontologia. Posteriormente, surgiu a tríade de Atenas: Sócrates, Platão e Aristóteles. Deram continuidade à projeção dos pré-socráticos, no entanto, mantiveram sua discussão no campo da metafísica. Por mais que se esforçassem, não conseguiram responder às questões com a exatidão necessária para encerrar tal debate. No entanto, foram de suma importância para chegarmos aos conceitos contemporâneos, sobretudo, na pessoa de Heidegger, um dos maiores exegetas da ontologia e responsável pela transfiguração do ser fora do campo metafísico.
Aprofundemos nosso debate consultando a referência bibliográfica e participando ativamente das discussões oferecidas pelos fóruns. Um forte abraço.

Fabrício Sousa Costa
Prof. De Filosofia


Referência bibliográfica


BENOIT, Hector, Sócrates: a nascimento da razão negativa. São Paulo: Moderna, 1996.

BETTENCOURT, Maria do Carmo, Aristóteles: a plenitude como horizonte do ser. São Paulo: Moderna, 1994.

BUZZI, Arcângelo R., Introdução ao pensar: o ser e o conhecimento. Rio de Janeiro: Vozes, 1992.

DURANT, Will, A história da Filosofia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2000.

HEIDEGGER, Martin, O que é isto – a Filosofia?. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

JASPERS, Karl. Filosofia da existência. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1973.

PLATÃO, Aristócles, Fédon. São Paulo: Rideel, 1999.

PLATÃO, Aristócles, Apologia de Sócrates. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

PLATÃO, Aristócles, O banquete. São Paulo: Rideel, 2005.

PLATÃO, Aristócles, Fédon. Espanha: Alianza, 1999.

REALE, Giovanni, Metafísica. São Paulo: Loyola, 1994.

RIBEIRO, Jorge Cláudio, Platão. São Paulo: FTD, 1994.

XENOFONTES, August, Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. São Paulo: Edipro, 2006.









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