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Ensaios-->Filosofia Medeval -- 03/04/2010 - 14:45 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A concepção do pensar filosófico na Idade Média
A fé medieval e a filosofia grega

O período da Idade Média foi caracterizado pela sobreposição da fé ao pensamento grego antigo. Portanto, o eixo do conhecimento medieval é o cristianismo, conforme se pode observar que o processo político, sobretudo por meio da decisão de Constantino no século IV, fez do cristianismo Católico a expressão de fé oficial do Império Romano. Essa era é chamada de período das trevas, pois foram mil anos de submissão intelectual do pensamento. No entanto, essa idéia de obscuridade segue com ressalvas, afinal, o fato de a fé receber tal prerrogativa não subjugou o pensamento racional a ponto de anulá-lo, visto que suas correntes filosóficas mais expressivas construíram a base do raciocínio medieval na filosofia grega. “para os filósofos da Idade Média, o fato de o cristianismo significar a verdade era um dado praticamente irrefutável. A questão era saber se teria simplesmente de acreditar na revelação cristã, ou se também se poderia aproximar das verdades cristãs com a ajuda da razão. (...) haveria uma contradição entre bíblia e razão, ou será que a fé e o conhecimento poderiam conviver em harmonia? Quase toda filosofia da Idade Média gira em torno dessas questões”. (Gaarder, 1999).
O Neoplatonismo, corrente inspirada em Platão, marcou a transição entre duas eras. Pode-se afirmar que os neoplatônicos se caracterizam como elementos marcantes do pensamento medieval, pois estão presentes no pilar dessa época, fundando posteriormente até um segmento ideológico que se contrapôs, em pelo menos um dogma, ao cristianismo: os Monofisistas (corrente fundada por Dióscoro no século V). Esse segmento defende uma natureza apenas para Cristo, a divina. As três grandes correntes helênicas também buscaram uma aproximação com a mesma temática, servindo como ponte entre a filosofia grega e o pensamento medieval. Tais segmentos sofreram tanto influência dos três grandes pensadores de Atenas como de seus antecessores Demócrito e Heráclito. Toda essa amálgama, além de ter fortalecido o cristianismo, caracterizou o pensar da Idade Média.
Plotino foi o nome de maior expressão do pensamento neoplatônico. Ele introduziu em Roma uma corrente que se bipolarizou com o cristianismo. Segundo seu pensamento, o mundo constitui-se em dois grandes pólos. Em uma extremidade estava a luz divina, conhecida como Uno ou Deus. Do outro lado, as trevas absolutas não iluminadas pela luz do Uno. Plotino cria que, na realidade, o único ser era o Uno, absoluto, eterno e imutável, pois as trevas eram o não-ser. Afinal, as trevas revelavam-se como a ausência da luz do Uno, que representava a única existência concreta, portanto as trevas não existiam. Essa concepção foi de encontro ao pensamento Platônico, uma vez que Platão desenvolveu a idéia da bipartição, pois cria na existência de um mundo sensível e de um mundo supra-sensível como constituintes da realidade absoluta. Obviamente Plotino renegou a duplicidade de Platão ao afirmar que o Uno representa a unificação de tudo. A única realidade absoluta. A realidade, que a partir de si, gera outras realidades, portanto é imóvel, porém, movedor. Tudo é um, pois tudo é Deus. “os neoplatonistas acreditavam que o Único abençoava com o Espírito (a Inteligência Divina), e isso concedia a vida ao universo. As almas humanas eram partes dessa alma universal, assim como as células do corpo, criadas à imagem do Único”. (Mannion, 2006).
A corrente neoplatônica também contribuiu para influenciar o cristianismo no que se refere à mística. A afirmativa do místico cristão Ângelus Silesius evidencia a influência neoplatônica no cristianismo: “A pequena gota se transforma em mar quando chega até ele; e assim, a alma se transforma em Deus quando é nele acolhida”. Percebe-se, nesse pensamento, um ponto comum às duas correntes: o objetivo de ambas é se encontrar com o Uno. Portanto, tanto em uma quanto em outra, há a preocupação de criar métodos de introspecção para alcançar tal propósito. Atingir o Uno é tão difícil que o ser necessita estar livre de toda inteligência e de todo apego ao mundo material, visto que Deus é superior tanto à inteligência quanto às coisas materiais.

Patrística: crer para compreender
Observa-se que a Idade Média se caracteriza pela congruência entre fé e razão como caminhos. A influência religiosa é inegável, ao mesmo tempo em que se percebe a preocupação de se aprofundar na busca da compulsão espiritual sem a necessidade de abrir mão de toda a herança filosófica adquirida até então. Conquanto afirmem que esse período da história seja marcado pela falta do desenvolvimento do pensamento filosófico, constata-se que tal era consolida-se pela consecução da atitude filosófica e pela emancipação das formulações quanto a questões que envolvem o ser e suas presenças física e metafísica. O fato de a fé se fazer presente no pensamento dos maiores ícones dessa época não subtrai o valor do pensamento desenvolvido, sobretudo, no que se refere à independência intelectual voltada à descoberta do Uno no mundo supra-sensível.
O pensamento dos grandes nomes da Patrística fundamenta-se na filosofia para adquirir um grau de aproximação da “verdade”, talvez, por meio desse pensamento livre, atingir-se-ia Deus em sua dimensão mais íntima. O que efetivamente se constata é que a filosofia medieval reveste-se de algo puramente divino, por isso, pode-se afirmar que abstrair pensamentos da filosofia é o mesmo que ouvir o próprio Deus, para os pensadores da época. Essa fonte de união entre o ser e Deus também pode ser reinterpretada pelos filósofos em busca da santidade para, a partir dela, levar o ente humano ao conhecimento da divindade. Entretanto, consoante afirma São Justino (Mannion, 2006): “a filosofia não é simplesmente reprodução do que os mestres já pensaram, e sim, pesquisa contínua, questionamento”. Em Clemente de Alexandria, observa-se uma afirmativa mais contundente: “A filosofia prepara o caminho para aquele que é chamado à perfeição por Cristo”.
Para que haja atitude filosófica, é mister que o homem se indague constantemente. Por que sentimos algo, o que são as nossas crenças e sentimentos? Talvez daí se possa retirar um conceito aproximado de filosofia: não aceitar como óbvias e evidentes as coisas. Jamais aceitar sem antes investigar e compreender. Não dar aceitação imediata às coisas, sem prévias considerações.
Ora, o fato dos formuladores medievais questionarem pensamentos anteriores a eles, retirando assim a essência de cada linha pesquisada, comprova o devido cuidado ao analisar postulados investigados. Pode-se afirmar que não é pelo fato da Patrística ser caracterizada pela expressão da fé que não haverá pensamento independente. O uso da razão representou intensa preocupação da parte dos pensadores ligados ao dogmatismo como fonte exata da verdade, por mais que muitas vezes, os filósofos medievais não conseguissem sair radicalmente do restrito mundo da fé.
Como a Igreja necessitava organizar-se contra as correntes heréticas, os padres organizaram-se a fim de propagar a fé por meio da formalização de conceitos próximos à filosofia grega, uma vez que o pensamento grego sustentava as academias existentes. Na verdade, o intuito inicial seria combater as invasões ideológicas a partir da cristianização da filosofia, embora esta não poderia estar acima da fé, ou seja, da revelação divina, a teologia. Portanto, a Patrística (período que vai do século II ao século VIII) foi uma resposta ao crescimento de correntes alheias ao cristianismo e que poderiam, de certa forma, ameaçar a estabilidade política da Igreja. “desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensinamentos às autoridades romanas e ao povo em geral. Mesmo com o estabelecimento e a consolidação da doutrina cristã, a Igreja sabia que esses preceitos não poderiam simplesmente ser impostos pela força. Eles tinham de ser apresentados de maneira convincente, mediante um trabalho de conquista espiritual. Foi assim que os primeiros Padres da Igreja se empenharam na elaboração de inúmeros textos sobre a fé e a revelação cristã. E o conjuntos desses textos ficou conhecido como Patrística”. (Cotrim, 1993).
Santo Agostinho surge como grande exemplo dessa problemática, sobretudo, quando antes de se converter, pesquisa várias tendências religiosas e filosóficas (maniqueísmo, estoicismo, neoplatonismo até o cristianismo) antes de chegar à emancipação da maneira de se olhar o mundo de fora para dentro e de dentro para fora. Agostinho aproveita a teoria metafísica de Platão, como conhecedor do neoplatonismo, para cristianizá-la. “do Neoplatonismo, Agostinho assimilou a concepção de que a verdade, como conhecimento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no mundo das idéias”. (Cotrim, 1993). Santo Agostinho salvou a bipartição platônica atribuindo o mundo supra-sensível a Deus. Não se percebe que, com isso, ele tenha-se aproveitado de pensamentos anteriores a si para justificar sua fé, porém, infere-se de que, por meio da elaboração do pensamento investigativo, tenha chegado a uma explicação das teorias de seu mestre, conjugando-as à sua nova linha de fé e de pesquisa, o cristianismo. Embora seja recorrente afirmar que, para ele, a fé sobrepunha-se à razão.
Como conhecedor da filosofia grega, Agostinho ensinava o caminho do auto-conhecimento como pressuposto necessário para se chegar a via da verdade. Por isso, diz-se que, assim como os olhos necessitam da luz para visualizarem os entes mundanos, a alma precisa da iluminação divina para compreender as verdades eternas oriundas na sabedoria. A partir desse postulado, afirma-se que a alma exerce superioridade sobre o corpo humano, pois a alma seria a participação de Deus no ser, portanto, poderia conduzir o homem ao bem. “a verdadeira liberdade está na harmonia das ações humanas com a vontade de Deus. Ser livre é servir a Deus, pois o prazer de pecar é a verdadeira escravidão”. (Cotrim, 1993).
Se, por um lado, Deus prevê tudo em sua essência e é o responsável pela existência, tudo o que ocorre na Terra fora pelo menos permitido por Ele, afinal, segundo Platão e os Neoplatônicos, Deus é o motor imóvel da humanidade. Agostinho não cria nessa possibilidade, pois, segundo ele, Deus concedera o livre-arbítrio ao homem, portanto, este passaria a ser o único responsável pelas suas ações. A teoria da concessão da liberdade ao homem salvou Deus de receber a culpa por todas as desgraças existentes no mundo e pela má inclinação do ente humano. “Para Agostinho, a fonte do pecado está no abuso da liberdade, sendo, entretanto, o livre-arbítrio um grande dom de Deus”. (Agostinho, 1995). No entanto, deve-se pontuar a diferença entre livre-arbítrio e destino, pois, se destino for a ocorrência de tudo o que havia sido traçado pelo Ser superior, o homem não seria responsável pela consecução de todas as más inclinações, uma vez que estaria apenas sendo um personagem representando um papel determinado por Alguém. Ao passo que, a partir do livre-arbítrio, além do ente humano ser o agente de sua história, assume toda responsabilidade pelas conseqüências de suas ações.

Pode haver fé se houver razão?
Segundo o Argumento Ontológico de Santo Anselmo, percebe-se que o autor parte do pressuposto de que crer na existência de Deus é algo óbvio. Dessa maneira, todo e qualquer pensamento ligado a essa realidade impossibilita considerar outras variantes. Tal posicionamento pode parecer-se auto-suficiente e agressivo, pois fecha em si o caminho das possibilidades. Caso seja sensato não crer naquilo que se convenciona, há a intenção de impor, embora de maneira sutil, uma posição argumentativa tida como perfeita, conseqüentemente, desconsidera-se a diversidade. O texto abaixo evidencia o papel da atividade filosófica em Santo Anselmo (Martines, 1997): “Eu não tento, Senhor, aprofundar-me nos teus mistérios porque a minha inteligência não é adequada, mas desejo compreender um pouco da tua verdade, em que o meu coração já crê e ama. Eu não procuro compreender-te para crer, mas creio para poder te compreender. “ E esse, com efeito., foi o progra;ma de Anselmo: esclarecer com a razão aquilo que já se possui com a fé. Era esse o pedido que os monges lhe haviam feito: que aquilo que é revelado não fosse apenas imposto com a autoridade da Escritura, mas também resplandecesse com a luminosidade do raciocínio. Daí as provas da existência de Deus, a tentativa de compreender por que o Verbo de Deus se encarnou, por que Deus é uno e trino e como são “compossíveis” a predestinação e a liberdade humana”. Anselmo expressa grande confiança na razão humana, pois, esta é capaz de lançar luz sobre os mistérios da fé cristã e evidenciar coerência, conveniência e necessidade .
Santo Anselmo tece o primeiro passo seguindo uma lógica não questionável. Naturalmente para se criticar um ponto argumentado, ou para aceitá-lo, deve-se, primeiramente, tê-lo em mente a fim de se iniciar um processo de reflexão. Isso não quer dizer que se aceite a argumentação, porém, apenas o fato de refletir sobre ela, já a eleva a um grau de importância significativa.
Analisa-se que o segundo passo também trás uma argumentação relativamente aceitável, uma vez que o tipo de argumento foge do dogmatismo e caminha para o âmbito da lógica universal. Constatar a presença do argumento no intelecto não é suficiente para afirmar que ele foi abstraído e armazenado conscientemente ou que houve aceitação por meio da conclusão a que se possa ter chegado. Pode-se discordar de qualquer argumento, entretanto deve-se admitir que a existência dele seja palpável ao menos no intelecto. Porém, isso não é suficiente para afirmar que de fato o argumento procede.
O terceiro passo, na realidade, é a conclusão que se tira de algo que habita a mente: se existe na mente, existe na realidade, pois a mente é algo real, assim como há a possibilidade de ser real, fato que possibilita a intelecção, torna-o iminentemente real. “relativa ao argumento para a existência de Deus defendendo que a existência do conceito de Deus pressupõe Sua existência. (...) postular uma questão faz com que ela exista de fato”. (Mannion, 2006).
A dialética representa um papel fundamental no exercício da atividade filosófica, sobretudo, no combate às argumentações dos ditos hereges, contrários à doutrina cristã. Os dialéticos revestem-se do argumento lógico e “verdadeiro” para se iniciar o processo de desconstrução da “inverdade” proferida pelos “ímpios”. Portanto, percebe-se que, se a dialética, como lógica, desconstrói a argumentação herética, o argumento deste não é revestido pela lógica. Portanto, mais uma vez, afirma-se algo partindo da suposta intuição de que o dogmatismo sobrepõe-se ao pensamento contrário ao canônico. “A fé se ilumina pela inteligência. As verdades de fé estão pressupostas nos seus conteúdos, que não são frutos da investigação racional, mas a ela — a fé em que se acredita são oferecidos pela própria fé, que permanece como o ponto de partida, uma espécie de pilastra, de toda a construção racional. A razão serve para articular as verdades da fé ou para iluminá-las através de argumentações dialéticas. Desse conjunto surge uma perfeita concordância entre fé e razão, com a condição de que esta seja utilizada segundo normas precisas ou pressupostos indubitáveis. Mas, precisamente, qual é esse pressuposto fundamental? O primeiro, que condiciona todos os outros é representado pela unidade e perfeita correspondência entre linguagem, pensamento e realidade ou mútua remitência entre lógica e mundo ou entre eles e vocês. A realidade corresponde aos conceitos e a remitência dos conceitos à realidade, que é fruto de um movimento objetivo. Anselmo defende uma concepção realista dos universais. Aos conceitos de bondade, sabedoria, ser e natureza corresponde uma realidade ontológico-teológica da qual depende toda a atividade cognoscitiva do intelecto relativamente às coisas que, precisamente, participam daquela bondade, daquele ser e daquela natureza. As coisas boas, grandes, existentes etc., não seriam concebíveis se não houvesse o pressuposto da bondade, do ser etc., que são idéias universais e arquétipos situados na mente divina e sobre as quais se moldou o criado”.
A dialética, nesse contexto, representa o exercício da verdade fortalecendo o argumento a fim de que mesmo os hereges possam, por meio da lógica, convencerem-se de que o pensamento eclesiástico é confiável, pois ele representa a própria revelação.

A Escolástica: compreender o que se crer
Iniciou-se com a incursão de Carlos Magno de difundir universidades em todo seu império. Naturalmente, pela influência política, as universidades funcionariam a partir do acompanhamento da Igreja Católica. Portanto, a cultura greco-romana, encontrada apenas nos mosteiros até então, voltou a ser publicada, consequentemente, estabeleceu uma influência mais marcante no pensamento da época. A Patrística apregoava que a teologia iluminava o pensamento dos filósofos a fim de estabelecer o alcance da verdade, portanto, a verdade seria puramente revelação divina. Ao passo que a Escolástica cria na união indissolúvel entre fé e razão sem que a razão fosse submetida à fé. Na verdade, os pensadores dessa época, buscavam explicações científicas para estruturarem a fé por meio da razão, além de formularem argumentos capazes de conservarem a crença de ataques heréticos. “a filosofia cristã evolui bastante, baseada nos princípios platônicos e aristotélicos e, ainda assim, estava determinada a harmonizar-se com os dogmas da Igreja. (...) tal síntese entre a filosofia e a teologia resultou na escola de pensamento principal da Idade Média”. (Mannion, 2006).
A partir do século XIII, as teorias de Aristóteles marcaram de forma profunda o pensamento escolástico, visto que, nessa época, muitos dos escritos aristotélicos foram encontrados, portanto, influenciou permanentemente o modo de conceber e de postular. “consultando a tradução feita diretamente do grego, Santo Tomás recuperou o pensamento original de Aristóteles. Mais do que isso, fez as devidas adaptações à visão cristã e escreveu uma obra monumental, a Suma Teológica, onde, uma vez mais, as questões de fé são abordadas pela luz da razão”. (Aranha, 1993).
O período escolástico divide-se em:
• Primeira fase (século IX ao século XII): busca na interação entre fé e razão.
• Segunda fase (século XIII ao século XIV): formulação de profundos compêndios filosóficos. Sobretudo, com o surgimento do maior ícone do pensamento escolástico, São Tomás de Aquino.
• Terceira fase (século XIV ao século XVI): decadência da escolástica, estabelecimento da dissolução entre fé e razão. Maior expoente é Dons Escoto.
Portanto, a Escolástica não teve o objetivo de minimizar o pensamento filosófico, pois introduziu a compatibilização entre filosofia e teologia a fim de que pudesse aproveitar a contribuição grega para o pensamento Ocidental, sobretudo, para o fortalecimento da fé. Nesse ponto, é mister afirmar que São Tomás de Aquino buscou a percepção racional para justificar a existência de Deus formulando suas Cinco Vias. “e o que se atribui a Tomás de Aquino é o mérito de ter conseguido a grande síntese entre a fé e o conhecimento”. (Garder, 1999).

Tomás de Aquino: santa filosofia
O pensamento de Tomás de Aquino realizou a grande síntese do aristotelismo e as verdades teológicas da fé cristã. Esse é o grande mérito de Santo Tomás: união entre a fé e o conhecimento. A filosofia aristotélica foi o pano de fundo da união que ainda é observada, pelo menos, na estrutura da Igreja Católica. Há apenas um caminho para percorrerem o cristianismo e a filosofia. Deduz-se que a razão pode ser identificada às verdades encontradas na bíblia.
Como a filosofia aristotélica pressupunha a existência de um Deus, ou de uma causa primeira, movedora e imóvel, Tomás valeu-se dela para resgatar algo, que, como ele próprio afirma, é inteligível e, por isso, facilmente compreensível. Segundo se abstrai de Tomás de Aquino, a união entre fé e razão é tão óbvia quanto à existência da natureza, pois a fé coloca em evidência a constatação de um Deus. Assim, pode-se observar que ela é presente no intelecto, baseado em Aristóteles, para tudo, há uma causa primeira, absoluta. Ora, como se pode renegar a existência de um ser criador imóvel, se somos criaturas de um ser criador e criado ao mesmo tempo. Se formos buscar o primeiro criador absoluto, iremos constatar que Ele criou sem ser criado, pois, se assim não fosse, Ele também seria criatura de um ser superior a ele. “Contrariamente à doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por intuição, Tomás sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente por demonstração; entretanto esta demonstração é sólida e racional, não recorre a argumentações a priori, mas unicamente a posteriori, partindo da experiência, que sem Deus seria contraditória. As provas tomistas da experiência de Deus são cinco: mas todas têm em comum a característica de se firmar em evidência (sensível e racional), para proceder à demonstração, como a lógica exige. E a primeira dessas provas - que é fundamental e como que norma para as outras - baseia-se diretamente na doutrina da potência e do ato. (...) Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja solidez e evidência são igualmente incontestáveis: uma experiência sensível, que pode ser a constatação do movimento, das causas, do contingente, dos graus de perfeição das coisas ou da ordem que entre elas reina; e uma aplicação do princípio de causalidade, que suspende o movimento ao imóvel, as causas segundas à causa primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao perfeito, a ordem à inteligência ordenadora'. (Durant, 2000).
Caso pensemos que Deus não existe, podemos pensar que em um momento nada existiu, portanto nada haveria. Ora, isso é evidentemente falso: Deus ou nada? Com essa linha de raciocínio, Tomás evidencia-nos que a existência de Deus, ademais de um pensamento religioso, é inteligível por qualquer ser que faça uso do raciocínio, da dialética.
Tal conclusão foi fundamentada a partir da linha de pesquisa de Aristóteles, no que tange a descoberta do sínolo como ser absoluto, gerador e imóvel. A união entre a fé e o conhecimento foi indubitavelmente a síntese do esforço intelectual que Santo Tomás de Aquino fez para enaltecer o processo filosófico no contexto de uma religiosidade acentuada.
Compreende-se que, de certa maneira, Agostinho buscava a união entre a fé e a razão, embora enfatizasse que aquela se sobrepunha a esta. Já Santo Tomás sintetizou a fé e a razão com maneira de compreender os desígnios de Deus, ou como forma de aceitar a ciência, desenvolvida até então, para fortalecer os conceitos de fé.

Duns Escoto: o rompimento
Na contramão do esforço de união entre fé e razão, Duns Escoto surge a fim de romper a sintonia entre a teologia e a filosofia. Para ele, todo o conhecimento revelado fica a cargo da teologia, aliás, a teologia é justamente o conhecimento enviado por Deus aos homens; por ser revelado por Deus, está fora da abstração humana, apenas surge como apresentação do desvelamento divino. A filosofia, porém, evidencia a capacidade de alcançar naturalmente o conhecimento, visto que se encontra em uma disposição mais palpável que o conhecimento de Deus. Como se separasse o mundo em duas partes: o mundo da graça ou da revelação (teológico) e o mundo da natureza, inteligível (filosófico). Duns Escoto, diferentemente de Santo Agostinho e Santo Tomás, cria o desenvolvimento racional de que a filosofia tem o propósito de especular, de conhecer sem uma praticidade; a teologia busca o conhecimento, a verdade para associá-la à prática da virtude, atendendo-se a Deus.
Duns Escoto afirma ainda que a união entre filosofia e teologia contribui para que aquela sufoque esta. Pode-se inferir de que a teologia, segundo ele, sofresse de uma influência nociva ao objetivo de revelação. Haveria comprometimento com a intenção do ser absoluto em desvelar os ensinamentos. Por isso que o processo de dissolução da teologia e da filosofia tem o escopo de salvaguardar a pureza, sobretudo, da fé teológica.

Pensamentos árabe e cristão: o casamento da fé com a razão

Pelo que se percebe, a filosofia árabe medieval foi um misto de razão e de fé. Nota-se grande influência do pensamento aristotélico, portanto, há uma proximidade bastante considerável com o pensamento escolástico, obviamente que não se pode desconsiderar a influência neoplatônica. O pensamento cristão baseou-se na filosofia grega para formular o pensamento medieval (patrístico e escolástico). Houve uma preocupação em tornar próxima ao conceito cristão toda a filosofia que se encontrava em voga. Naturalmente, observa-se que grandiosos gigantes do pensamento medieval, como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, viram nos pensadores da Idade Antiga a possibilidade de resgatar alguns conceitos para servirem como base filosófica para as teorias cristãs daquela era. Talvez, com isso, pudessem evitar, futuramente, divergências entre tais conceitos. Na filosofia árabe, considerando a dificuldade de tradução dos escritos gregos para a língua mulçumana, houve uma preocupação, talvez, mais singela com relação ao fazer científico, pois o pano de fundo racional sobressaiu-se ao religioso, embora não se possa desconsiderar este. Em Averróis, por exemplo, a razão é responsável por toda abstração científica, conquanto não se possa renegar que ele mesmo afirma que não se deve, por meio da razão, destruir a fé, pois, sabe-se que a fé é fonte de conformação da verdade abstraível. Já em Duns Escoto, a fé sobrepõe-se à razão, uma vez que houve a dissociação entre ambas, pois a fé possui maior credibilidade por ser a própria revelação.
A preocupação do casamento entre fé e razão é percebível tanto no pensamento cristão quanto no pensamento árabe. É notado que o motivo pelo qual se estabelece essa relação se faz diferente. Isso não impede que se realize uma análise mais profunda entre ambas as culturas. A união entre fé e razão na cultura árabe busca a meditação e a reflexão como forma de conduzir às possíveis contradições existentes neste mundo. A razão também não poderia destruir a fé, porque a razão deve permite que o ente humano possa sobreviver em um ambiente de diversidade. Aceitar a diferença do outro é a mais intensa expressão da racionalidade. Pois, a falta de respeito à cultura significa a expressão mais evidente da ignorância.
Em Avicena, a razão torna-se algo ainda mais importante, uma vez que a busca pelo desconhecido abranda-se por meio da utilização do conhecido. Portanto, o saber adquirido pela racionalidade facilita desvelar o conhecimento velado. Torna-se importante abordar alguns pensamentos de Avicena para contextualizar a afirmativa de que a filosofia é responsável pela mudança comportamental. A finalidade da filosofia teórica é provocar uma mudança contemplativa na alma; já a filosofia prática transforma o conhecimento propiciado pela teórica em algo prático, realizável. A filosofia teórica busca a verdade e a filosofia prática a realização do bem. Pode-se concluir que o verdadeiro fim da filosofia árabe medieval é tornar o ser humano melhor e mais feliz.
Constata-se que há grande proximidade entre o pensamento filosófico cristão medieval e o pensamento filosófico árabe medieval, visto que ambos preocupam-se com a fé e a razão na dimensão da busca pelo conhecimento profundo abstraído por essa união. Tal proximidade visa estabelecer uma harmonia no conhecimento pelo conceito metafísico aristotélico e a busca pelo inteligível que talvez convirja com o conceito dialético.

Reflexão final

A filosofia grega, segundo o que se percebe em grande parte dos filósofos antigos, buscou a constatação da existência de uma substância básica capaz de, a partir de si, impulsionar os entes. A partir dessa linha de pensamento, os filósofos medievais procuraram discorrer acerca da causa primeira, resgatando, assim, o embrião originário da filosofia antiga.
Sabe-se que a transição da Idade Antiga para Idade Média foi influenciada pelo seu contexto histórico-cultural, além, é claro, da influência que cada pensador trazia consigo. É-se sabido que o cristianismo surgiu exatamente nessa época, revolucionando todo um pensar cultural judeu. Mais especificamente, afirma-se que a influência exercida pelos cristãos não se restringiu apenas ao judaísmo. A rapidez da propagação do cristianismo fez-se incrível. Não somente sua difusão como também as histórias cristãs ocorridas e divulgadas pelos pregadores e observadores da fé, as quais foram, em seguida, contagiando o imaginário popular. Na mesma intensidade, a filosofia grega, por meio da expansão do Império Romano, foi-se instalando em diversas culturas por grande parte do império. Percebe-se que a força de sedução do pensamento grego iguala-se à do pensamento cristão. Tal constatação denota o respeito concedido à cultura grega expressado pelos cristãos medievais.
Em plena transição das eras, surge uma manifestação filosófica denominada Neoplatonismo. Os pensadores dessa corrente, obviamente, remontaram o pensamento de Platão. Tal resgate não foi fiel a ponto de apenas reproduzir o que o mesmo desenvolveu. Buscaram algo mais intenso. Ligaram o pensamento de Platão a um espírito contemplativo. Assim, algumas idéias tiveram de ser revistas. A questão do dualismo platônico pode ser um bom exemplo: Platão apregoava que o ser apresentava-se como uma criatura dual, físico, no mundo sensível; e o incorpóreo, no mundo supra-sensível. Ficou estabelecido, dessa maneira, um ser dotado de corpo e alma. Os neoplatônicos achavam, por influência do Estoicismo, que o ser era monista, apresentava apenas uma natureza, a material. Houve, sem dúvida, uma intenção de mistificar a teoria de Platão. O filósofo judeu Filon de Alexandria também estabeleceu paralelos entre a bíblia e a filosofia platônica por meio de uma interpretação alegórica das escrituras. Ora, a citada alegoria não era nada mais do que linguagem simbólica para narrar o desejo divino. Nota-se que, para decifrar os textos, faz-se importante que o leitor valha-se da razão a fim de que se extraia o sentido almejado pelo autor. O leitor comum naturalmente iria ler e levar o sentido tal como decifraria. Dessa maneira, haveria bastante confusão de entendimento ligado à interpretação bíblia. Portanto, apenas a fé, dotada de boa intenção, não seria suficiente para compreender as palavras do ser absoluto. A abstração por meio da razão seria o complemento necessário para se alcançar o objetivo estabelecido.
A Patrística nasceu do interesse dos padres da Igreja de lutarem contra a disseminação das idéias lançadas pelos hereges, mouros e qualquer sorte de ímpios. Houve a necessidade de buscar uma compatibilização entre a fé e a razão, pois não seria importante apenas crer por influência, nesse caso a fé seria volátil. Os grandes teólogos dessa época buscaram aprofundar a utilização da razão para que a fé pudesse ser fortalecida, portanto, dificilmente combatida por qualquer influência apenas oral, obviamente, respaldava-se também em observações de forças inteligíveis oriundas de outra corrente ideológica. A Escolástica buscou a consolidação desse objetivo, acreditando mais na verdadeira união entre fé e razão. Ora, como o ser é dotado de inteligência, a crença somente poderia ser adotada pelo fiel se ele conseguisse compatibilizar a fé por meio da compreensão. Daí surgiu talvez o mais fantástico postulado filosófico: As Cinco Vias de São Tomás de Aquino. De acordo com o pensamento tomista, pode-se entender a crença como a capacidade de abstração concedida naturalmente pelo ser absoluto. Não se pode renegar que, mesmo com a Escolástica e o pensamento tomista, a razão sobrepunha-se absolutamente à fé. A filosofia possui sua importância apenas se estiver a serviço da teologia, segundo os pensadores escolásticos. Incontestavelmente esta necessita daquela para alcançar o objetivo maior: propagar a idéia segura do cristianismo.
A grande questão levantada forma-se a respeito do seguinte tema: a filosofia medieval foi abstraída da teologia? Talvez não haja uma resposta precisa com relação a essa questão. Entretanto, consoante a visão descrita até aqui, percebe-se que realmente a filosofia da Idade Média nasceu da necessidade de respaldar a teologia. Portanto, conclui-se que a teologia foi o pano de fundo para o surgimento da filosofia medieval, pois a temática discutida durante todo esse tempo de mil anos girou em torno da questão que seria de interesse também para os gregos da antiguidade e aprofundada com ajuda do surgimento da teologia: a existência da causa primeira, Deus. Não é inteligente afirmar que a sobreposição da teologia à filosofia destruiu toda poesia do pensamento medieval, visto que apenas direcionou a temática da discussão. Se essa afirmativa negativa estivesse dotada de verdade, não haveria discordância entre os filósofos dessa época, tampouco a cultura árabe comungaria com tal direcionamento do debate em questão. O período da Escolástica tardia pode contextualizar essa afirmativa ao se observar o rompimento entre a filosofia e a teologia, sobretudo, pelo pensador Duns Escoto. Com ele, a filosofia instala-se no empírico, no sensível.

Referência bibliográfica

AGOSTINHO, Aureliano, Livre-arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995.
ARANHA, Maria Lúcia, Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.
COTRIM, Gilberto, Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 1993.
DURANT, Will, A história da Filosofia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2000.
GAARDER, Jostein, O mundo de Sofia. São Paulo: Cia. Das Letras, 1999.
MANNION, James, O livro completo da Filosofia. São Paulo: Madras, 2006.
REALE, Giovanni, História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990.


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