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Ensaios-->Subsídios para entender o Islã - Partes I, II e III -- 21/07/2010 - 14:14 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SUBSÍDIOS PARA ENTENDER O ISLAM (E AS BASES DE SUA DIPLOMACIA)

I

& 1575;& 1604;& 1573;& 1587;& 1604;& 1575;& 1605;

HEITOR DE PAOLA

25/06/2010

Habituados a raciocinar em termos de poderes estatais, militares, econômicos e burocráticos, os estrategistas do Ocidente perdem freqüentemente de vista a unidade profunda do projeto islâmico ao longo do tempo, nublada, a seus olhos, por divergências momentâneas de interesses nacionais que, para eles, constituem a única realidade efetiva. E nisso refiro-me aos estrategistas das grandes potências, não a seus macaqueadores de segunda mão que hoje constituem a 'zé-lite' da diplomacia luliana. Estes não têm sequer a noção de que exista, para além dos lances do momento, um projeto islâmico de longo prazo...

OLAVO DE CARVALHO

Ao que me consta fui o primeiro a perceber que a diplomacia ‘luliana’ não é burra nem cometeu uma gafe ao apoiar o Irã. Poucos dias depois verifiquei que a imprensa estrangeira já percebera o interesse do Brasil em seu próprio programa nuclear, aproveitando-se dos sinais de fraqueza da Casa Branca, devido à política de apaziguamento da ‘Doutrina Obama’ para a Estratégia Nacional de Segurança. Só a mídia brasileira, confirmando sua proverbial indigência, continua vociferando sobre a ‘vergonha que Lula nos fez passar’. Hoje, até Merval Pereira, admite que o diabo pode ser mais feio do que se pinta. Mas isto é outra história.


O texto em epígrafe foi extraído do artigo Diplomacia de Sonâmbulos onde Olavo aponta para um nível muito mais profundo de discussão:

‘Pergunto-me se alguém, no nosso governo, tem alguma compreensão do pano-de-fundo religioso, místico e esotérico das manobras do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad. A resposta é evidentemente 'Não”.’ Para nossos diplomatas – e de resto, para a diplomacia ocidental como um todo – a religião não passa de ‘um adorno – ou disfarce publicitário’.

Um dos efeitos culturais mais devastadores dos escritos de Marx foi marcar indelevelmente a historiografia ocidental com a fácil, mas frágil fórmula mágica do ‘interesse econômico’ para tudo explicar sobre as relações entre as nações e os grupos humanos. A política, como conseqüência das decisões ‘imperialistas’, assume o segundo lugar. Raymond Aron ([1]) faz uma profunda crítica e estuda várias outras causas para as guerras. Nem mesmo os comunistas acreditam mais nas sandices do ‘materialismo histórico’. Mas a burritzia ocidental continua apregoando os fatores econômicos e políticos, principalmente numa região como o Oriente Médio, um deserto descansando sobre um mar de petróleo.

Mas não é assim que pensam os habitantes da região, como diz Olavo:

‘O único lugar do planeta ([2]) onde a consciência do poder da religião como força modeladora da História está viva não só entre os intelectuais como até entre a população em geral, é o Islam. Por isso é que milhões e milhões de muçulmanos têm um senso de participação consciente em planos estratégicos de longuíssima escala - em escala de séculos - para a instauração do Império Islâmico Mundial. ’ (As maiúsculas são minhas. Ver razão para isto na secção Ummah adiante).

Ibn Khaldûn, ([3]) em sua obra Kitâb al-Ibar.Al Muqaddimah – An Introduction to History (Princeton University Press, 2005), estudou na história do Islam a autoridade real e as dinastias e depois de analisar vários autores que o antecederam, assim se expressa:

‘Chegamos ao conhecimento destas coisas com a ajuda de Deus e sem instruções de Aristóteles ou os ensinamentos dos Môbedân ([4]). (...). Nós, de outro lado, fomos inspirados por Deus’ ([5]). Num dos estudos sobre as dinastias e a autoridade real, diz: ‘Dinastias de grande poder e autoridade real absoluta têm suas origens na religião baseada no respeito às profecias ou numa propaganda verídica. A autoridade resulta da superioridade e esta do sentimento de grupo. Somente com a ajuda de Deus em estabelecer Sua religião é que os desejos individuais se aproximam (...) e seus corações se unem. O segredo é que, quando os corações sucumbem aos falsos desejos e se inclinam para o mundo, surgem grandes diferenças e ciúme mútuo. Quando eles se voltam para a verdade e rejeitam o mundo e tudo que seja falso e se dirigem a Deus, eles se tornam num só em sua visão de mundo. Desaparece o ciúme. A mútua cooperação e apoio florescem. Como resultado, o Estado se amplia e a dinastia cresce...’ ([6]). (P. 125-6, negritos meus)

E entramos assim no âmago da visão de mundo do Islam e, conseqüentemente, na base de sua diplomacia totalmente desconhecida por seus pares ocidentais. Os últimos podem ter estudado a fundo os grandes tratadistas do Ocidente, mas este conhecimento não lhes serve para grande coisa. Pelo contrário, ao projetarem esses conhecimentos sobre o Islam ficam impedidos de conhecer como seus líderes pensam e vêem o mundo. A primeira dificuldade é derivada de um falso conceito geográfico, com graves conseqüências geopolíticas: como o Islam é aparentemente dividido em vários ‘países’ – assim como o Ocidente – não se dão conta de que por trás desta aparência existe aquela unidade de visão de mundo apontada por ibn Khaldun. Mesmo sabendo que as divisões territoriais do Oriente Médio foram traçadas arbitrariamente em Londres e Paris, ainda as enxergam como unidades nacionais zelosas de seu território e são incapazes de entender como são facilmente manobrados por falsas divisões através das quais os dirigentes os exploram para obter vantagens para o Islam. Iraque, Síria e Jordânia não são nações do mesmo sentido, extensão e profundidade que Estados Unidos, França e Alemanha. Entre os primeiros há duas séries de unidades: étnica – são todos árabes – e, mais forte ainda, religiosa – o Islam é a única religião. Constituem, portanto, uma única grande Nação Islâmica da qual as divisões geopolíticas podem ser chamadas com alguma licença de linguagem, de províncias. Pode-se dizer o mesmo, com algumas restrições, dos países islâmicos não-árabes, Irã, Turquia, Paquistão, Afeganistão, Indonésia, Argélia, Egito, Tunísia e demais países africanos que professam o Islam.

Outra divergência através da qual os ocidentais apostam poder dividir o Islam são as diferenças – e em alguns momentos guerra declarada – entre sunitas e xi’itas. No entanto, quem acompanhou a invasão do Iraque por tropas ocidentais pôde observar que os últimos, há anos submetidos à cruel ditadura sunita de Saddam Hussein da qual foram libertados pelos invasores, também praticam terrorismo contra as tropas aliadas ([7]). Leve-se também em consideração a recente ação da Turquia sunita a favor de Teerã, na qual o Brasil entrou a reboque. Certamente a Turquia tem seus próprios interesses: mostrar ao mundo islâmico uma alternativa sunita à liderança xi’ita iraniana. Que disputem a liderança não indica uma divisão frente aos inimigos infiéis.

É ainda ibn Khaldun quem mostra a real e efetiva função da religião entre os homens:

‘(...) o propósito dos seres humanos não se limita ao bem estar no mundo. O mundo inteiro é insignificante e fútil. Termina na morte e aniquilação. O propósito (dos seres humanos) é sua religião, que os leva à felicidade no outro mundo. Portanto as leis religiosas têm como propósito indicar o curso a seguir em seu relacionamento com Deus e seus semelhantes. Isto também se aplica à autoridade real (...) (As leis religiosas) guiam-na pelo caminho da religião, de tal modo que tudo estará submetido às leis religiosas. (...) Tudo que é feito (pela autoridade real) motivado por razões políticas sem supervisão da lei religiosa é repreensível porque sua visão não segue a luz divina. (...) Portanto, é necessário guiar as massas de acordo com as leis religiosas em todas suas tarefas, tanto neste mundo como no outro. ’ (p. 154-5, negritos meus).

Acredito que os últimos ocidentais que entenderam realmente o Islam foram os Cruzados. Isto porque também possuíam uma visão de mundo religiosa e unitária: o Cristianismo. Apesar das rivalidades intra-européias – que não eram poucas – os exércitos Cruzados eram forças cristãs, sob a benção e o comando Papal, imbuídas de uma visão unitária de mundo e, portanto, podendo compreender melhor seus adversários. Lutavam para libertar, salvar e manter em mãos Cristãs o Santo Sepulcro, restituindo o direito dos fiéis à peregrinação. Qual o interesse econômico de Jerusalém? Qual o interesse político, a não ser secundariamente no século passado? O que existe lá para ser sagrada para as três religiões monoteístas? Será coincidência que é o lugar do Templo dos Judeus, local da pregação, morte e crucificação de Jesus Cristo e onde se considera que estava Masjid Al Aqsa (a mesquita mais longínqua) de onde Maomé subiu aos céus (isra e mi’râj)? Ou há algo que transcende nossa compreensão? Transcendência esta perdida pela visão ocidental, mas não pelo Islam!


A UNIDADE ISLÂMICA

A unidade Islâmica se expressa através do Corão (al Qu’r& 257;n), da universalidade da shari’a, a Lei Islâmica baseada no próprio e nos haddithim, nos conceitos de ummah e jihad e nas táticas e estratégias denominadas hudna e taqiyya. Deve-se também levar em consideração as tariqas, comunidades esotéricas de crentes sufis centradas na autoridade de um sheik (velho, sábio) e que não conhecem fronteiras. Estes e outros conceitos serão estudados adiante.

A unidade perfeita entre política, religião e legislação pode ser resumida nas palavras do Mufti Al-Tayyeb, Presidente da Universidade Al Azhar:

“A civilização Ocidental é diferente da Oriental primeiramente por sua atitude em relação à religião, que é de inspiração divina. Para nós, no Oriente, a religião é sagrada e é o ápice da honra. No Ocidente – como eu vi quando passei uns tempos na França – a sociedade não está interessada na religião. Mesmo que haja pessoas religiosas, é uma sociedade que não se posiciona em relação à religião, é uma sociedade secular. (...) Se o homem ocidental deseja satisfazer seus desejos e lascívia ele não tem nenhuma restrição religiosa, seja em sexo, comida ou bebida. Já nós do Oriente estamos restritos pela religião em todas as formas de comportamento. (...) O homossexualismo é expressamente proibido (...) assim como as artes que degradam o ser humano, como o cinema e o teatro. (...) Respeitamos os costumes ocidentais nos seus territórios, mas nos nossos Países não aceitamos que os ocidentais disseminem idéias contrárias à religião, em nome de direitos humanos.”


OS TEXTOS SAGRADOS DO ISLAM

Corão (al Qur’ & 257;n)

O livro que os diplomatas ocidentais deveriam ler e estudar profundamente. O Qu’r& 257;n (recitação ou narrativa) é constituído de 114 suras, divididas em 6.236 ayat ou versículos. É considerada a palavra de Allah revelada ao Profeta Maomé durante o período de 22 anos, diretamente em Árabe e, rigorosamente falando, não pode ser traduzido para usos religiosos em nenhuma outra língua, sendo toda tradução considerada, pelos mais ortodoxos, uma blasfêmia e uma degradação da palavra direta e intraduzível de Allah. Ultimamente têm sido relutantemente aceitas as traduções para o turco e para o farsi – idioma falado no Irã. O tema exaustivamente repetido e elaborado no texto é a completa submissão à vontade de Allah, que é um só e o único Deus. Engloba não apenas mandamentos religiosos, mas é uma legislação completa – constitucional, penal, civil e militar – não deixando nenhum lugar para a administração laica de qualquer aspecto da vida dos fiéis. É a vontade final e literal da palavra de Allah preservada exatamente desta maneira no Céu, para toda a Eternidade.

É a verdade e a única verdade, não se admitindo dissidências ou divergências, todas consideradas blasfêmias contra a vontade e a palavra de Allah, tal como transmitida ao Profeta. Com exceção dos xi’itas, não há clero. Pode-se considerar que cada fiel faz parte do clero. O controle é exercido pela teia de relações sociais que se entremeia na vida de todos, espionando, criticando, exigindo a fé (iman) na verdade da palavra de Allah e a prática correta dos ensinamentos. Nada, nada mesmo, escapa aos mandamentos – toda a vida está regulamentada nos mínimos aspectos. O que não consta no Corão, está nos Hadithim. Mammudah Abdalati ([8]) refere que desde os primeiros profetas, Abraão, Moisés e Jesus, a verdadeira religião é o Islam. Esta frase fica incompreensível sem a tradução da palavra islam. Para entender melhor deveríamos traduzir literalmente as palavras árabes. Se, ao invés de dizermos ‘o Islam é a única religião verdadeira’, fizermos a tradução, ficará: a submissão (a Deus) é a única verdadeira religião. E a afirmativa de Abdalati assume uma nova compreensão, pois a única submissão deve incluir o reconhecimento de Maomé como Único Mensageiro de Allah.


Sunnah e Haddhithim

Sunnah significa ‘caminho trilhado’, a coleção das tradições do Profeta, sua interpretação de algumas passagens de sua vida e testemunhos sobre os seus atos. É a segunda fonte da Lei Islâmica. Por ser mensageiro de Allah todos os seus atos e palavras devem ser seguidos literalmente, pois são considerados também a vontade de Allah. Um registro validado deste caminho constitui um Haddith. Cada Haddith encerra um ensinamento exemplar. Geralmente são relatos feitos pelos sah& 257;ba, os que conviveram com o Profeta. Existem vários tipos de haddith (corretos, bons, fracos ou falsos), os principais sendo os Haddith Qudsi (sagrados), as palavras de Allah repetidas por Maomé e guardadas por uma isnad, cadeia de transmissores com autenticidade comprovada (quando esta cadeia é citada o conteúdo textual chama-se matn). De acordo com as-Sayyid ash-Sharif al-Jurjani, os Haddith Qudsi diferem do Corão porque foram revelados em sonhos ou revelação direta e são expressados através das palavras de Maomé, enquanto no Corão é a palavra direta de Allah. A grande maioria dos crentes considera os haddhithim fontes essenciais para esclarecimento do Corão.

As bases corânicas para que os atos e palavras do Profeta sejam seguidos são, entre outras:

3:132

‘Obedeçam a Allah e a seu Mensageiro e contarão com minha misericórdia’

59:7

‘... Aceitai, pois, o que vos der o mensageiro, e abstende-vos de tudo quanto ele vos proíba’

4:80

‘.... Quem obedecer ao Mensageiro obedecerá a Allah’

Sunitas e xi’itas têm séries diferentes de haddithim, um bom apanhado pode ser visto aqui e uma explanação bem extensa pode ser encontrada aqui.


A SEGUIR: A VISÃO ISLÂMICA DO MUNDO
E OUTROS CONCEITOS FUNDAMENTAIS


[1] Paz e Guerra entre as Nações (Ed. UnB)

[2] Talvez Olavo exagere aqui, pois os hinduístas também vêm a política como conseqüência de fatores religiosos. Os livros sagrados Rig Veda, Upanishads, Mah& 257;bh& 257;rata, Ramáyana, Bhagavad Gita, norteiam a totalidade da vida, inclusive a política e a diplomacia. Dos mais antigos, os quatro Vedas, o Rig Veda (entre 1700 e 1100 a.C.) é o que estabeleceu o sistema das quatro castas (os sem castas, intocáveis, achutas ou Dalits, surgiram depois), determinando todo o sistema social e político posterior. Nas guerras intestinas entre hinduístas e muçulmanos na Índia, os dois lados sabem muito bem que se trata de guerra entre crenças. A importância do xintoísmo no nacionalismo japonês e na crença na divindade do Imperador (considerado descendente direto da deusa do Sol, Amaterasu) deve também ser mencionado, embora no período de máximo nacionalismo, a era Meiji tenha havido uma ‘laicização’ do Xintoísmo, transformado em xintoísmo de Estado. No entanto, estas relogiões não têm um plano estratégico de domínio mundial como o Islam.

[3] As citações de Abd-ar-Rahmân Abû Zaid bin Muhammad bin Al-Hasan bin Jabir ibn Khaldûn al-Hadramî (1332-1406) serve a dois propósitos: dar o crédito a este grande historiador tunisino de antiga família iemenita e prestar homenagem a Olavo de Carvalho através de quem conheci este autor. Há alguns anos Olavo fundou o Centro de Estudos Ibn Khaldun que teve efêmera duração, porém altamente gratificante para os que dele participaram. Claro está que não continuou por falta de financiamento, ainda não havia o Bolsa Escola. Foi certamente a melhor experiência intelectual de que já participei.

[4] Sacerdotes zoroastrianos, singular: môbhed.

[5] Isto não significa nenhum desprezo para com Aristóteles – a quem muito respeitava - ou outros predecessores.

[6] Deve-se notar que o conhecimento destes assuntos por parte de ibn Khaldun não era apenas derivado de estudos teóricos, mas da experiência prática: viveu em Al Andaluz e viajou muitas vezes por todo o norte da África e Oriente Médio. A pedido do Sultão Faraj, do Egito, encontrou-se com Tamerlão (Timur), o grande conquistador turco, com quem debateu em Damasco durante 35 dias. O império de Tamerlão abrangia a Ásia Central, os atuais territórios do Paquistão e Afeganistão, Pérsia, Mesopotâmia e parte do Cáucaso. É raro um historiador com a experiência prática de ibn Khaldun.

[7] Segundo o Aiatolá Murtaza Mutahhari, ‘All Muslims worship the One Almighty and believe in the Prophethood of the Holy Prophet (s). The Qur`an is the Book of all Muslims and Ka`abah is their 'qiblah' (direction of prayer). They go to 'hajj' pilgrimage with each other and perform the 'hajj' rites and rituals like one another. They say the daily prayers and fast like each other. They establish families and engage in transactions like one another. They have similar ways of bringing up their children and burying their dead. Apart from minor affairs, they share similarities in all the aforementioned cases. Muslims also share one kind of world view, one common culture, and one grand, glorious, and long-standing civilization’. Ler o comentário completo aqui.

[8] Islam in Focus, American Trust Publications, sob os auspícios da Shari’ah Courts and Islamic Affairs, State of Qatar


***


SUBSÍDIOS PARA ENTENDER O ISLAM (E AS BASES DE SUA DIPLOMACIA)

II

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HEITOR DE PAOLA

30/06/2010

A VISÃO ISLÂMICA DO MUNDO

Ummah

Ummah é a palavra árabe que significa comunidade ou nação, comumente usada no contexto islâmico para indicar a ‘comunidade dos crentes’: ummat al-mu`minin, todo o mundo muçulmano incluindo a diáspora. O Corão usa Ummah Wahida para se referir ao mundo islâmico unificado.

A Sura 3:110 diz:

‘Vocês (os crentes) constituem a melhor nação criada para (o benefício do) o homem vocês impõem o certo e proíbem o errado e acreditam em Allah e se os seguidores do Livro ([i]) tivessem (também) acreditado teria sido melhor para eles entre eles (alguns) são crentes, mas a maioria são transgressores’

Ummah, no entanto é freqüentemente usada para o mundo inteiro já prevendo o futuro Império Islâmico Mundial ou Grande Califado (khallifah: representante do Profeta, soberano temporal e espiritual dos muçulmanos). É de suma importância para entender a diplomacia islâmica para a qual, diferentemente do Ocidente, as divisões do mundo não são vistas pelos dirigentes, e mesmo pelos crentes comuns, como regiões geográficas, mas sim regiões a conquistar para o Islam e que se por ora não fazem parte da Ummah, ainda o farão. Estas divisões não constam do Corão nem dos haddithim, foram introduzidas por sábios muçulmanos com base nestes documentos. Note-se que as regiões são divididas em termos de religião e não são baseadas em divisões políticas ou geográficas. A primeira divisão foi proposta pelo Grande Iman Ab& 363; & 7716;an& 299;fa (699-767), fundador da Escola Hanafi de Jurisprudência (sunita).


REGIÕES DO MUNDO SEGUNDO O ISLAM

Dar AL-Islam

(Casa ([ii]) do Islam) São as que obedecem às leis corânicas e nas quais a religião pode ser praticada livremente. Dois requisitos são fundamentais: os fiéis devem gozar de paz e segurança em seus domínios e ter fronteiras comuns com outros países islâmicos. Também chamada de Dar AL-Salam, casa da paz (Corão 10:25).


Dar AL-Harb

(Terra da Guerra ou Dar AL-Garb, Terra do Ocidente) Onde a lei islâmica não é obrigatória, mas respeitada, junto com as demais religiões. Regiões a conquistar através da jihad (ver adiante).


Dar AL-Kufr

(Casa ou Domínios dos infiéis). Primeiramente usado por Maomé para se referir à comunidade Coraixita de Meca até seu retorno triunfal de Medina e reconquista. Geralmente são territórios visados para dominação, também chamados Dar AL-Harb (acima) e seus habitantes harbs.

Nas relações internacionais ainda são consideradas quatro outras divisões:

Dar AL-Hudna

(Domínio da trégua temporária) Terra de infiéis (harbs) com os quais o Islam estabeleceu um armistício mediante pagamento de um tributo. (Para melhor entendimento de Hudna ver item específico adiante).

Dar AL-‘Ahd

(Terra da trégua ou armistício) Países com os quais existe algum acordo ou armistício não dependente de tributos.

Dar AL-Dawa

(Casa dos convidados) Regiões nas quais o Islam foi introduzido recentemente, – onde o Islam não domina e os muçulmanos são minoria, mas são bem recebidos. Também define o status dos muçulmanos no Ocidente.

Dar AL-Amn

(Casa segura) Define o status dos muçulmanos em algumas regiões do Ocidente ou outros países não-islâmicos. Por exemplo, do Oriente.

Nunca é demais enfatizar que, enquanto os diplomatas ocidentais se orientam por ‘poderes estatais, militares, econômicos e burocráticos’, os muçulmanos regulam suas discussões pela ‘unidade profunda do projeto islâmico’, dominada pela idéia religiosa. Sentem-se mensageiros de Allah, e não políticos, estes últimos irrelevantes no projeto de longo prazo, e sentem-se protegidos e autorizados a utilizar todos os estratagemas em nome de Allah, como reza na Sura

40:51:

‘Certamente protegeremos Nossos mensageiros e àqueles que crêem na vida deste mundo e no dia em que as testemunhas se levantarão’

A visão islâmica de mundo é claramente expansionista. Enquanto os tratados negociados entre os países ocidentais entre si ou com o Islam são respeitados pelos primeiros como válidos em si mesmos, os negociadores islâmicos visam respeitá-los apenas como exigências temporárias. Sendo sua visão muito mais abrangente e caracterizada por uma crença missionária expansionista – isto é, a conquista do mundo todo para a submissão (islam) - não há pressa e nem sacrifício inaceitável, inclusive a própria vida. Segundo o Sheikh Yousef al-Qaradawi ([iii]), mujtahid (prestigiado estudioso de teologia islâmica) e líder espiritual da Irmandade Muçulmana. as divisões acima também orientam os fiéis a como se conduzir com relação aos não-muçulmanos em cada uma delas. Veremos a seguir a primeira.


O CONCEITO DE DHIMMI

Dhimmi (‘protegido’) é o status de minorias não-islâmicas vivendo na Ummah (Dar AL-Islam), submetidas à shari’a e pagando impostos elevados. Originalmente foi usado para os Povos do Livro (Judeus e Cristãos) conquistados. Um precedente clássico foi o acordo feito entre Maomé e os Judeus de Khaybar, um oásis perto de Medina. Quando eles se renderam, depois de prolongado cerco, o Profeta permitiu que eles permanecessem desde que pagassem como tributo a metade de sua produção anual. A justificativa corânica está em:

9:29:

‘Combatam aqueles que não acreditam em Allah, nem no Dia do Juízo, nem proíbem o que Allah e seu Mensageiro proibiram, nem seguem a religião da verdade, mesmo que eles sejam Povos do Livro, até que eles paguem a Jizya (imposto por cabeça) em reconhecimento da superioridade (do Islam), e se submetam’.

A Constituição de Medina, um acordo formalizado entre Maomé e as tribos e famílias de Medina declarava que os dhimmi vivendo na Ummah tinham os seguintes direitos e deveres:

1 – Direito à proteção de Allah

2 - Direitos políticos e culturais iguais, autonomia e liberdade religiosa

3 – Dever de tomar em armas para combater os inimigos da Ummah e dividir os custos da guerra

4 – Dever de entrar nas guerras religiosas dos muçulmanos

Com a evolução das noções jurídicas estes direitos foram se restringindo e os deveres aumentando. Diversas matanças de dhimmi foram perpetradas, principalmente no Al Andaluz. Quanto à religião, no entanto, apenas o Islam é a verdadeira aos olhos de Deus e Ele não aceitará nenhuma outra, pois:

3:85

‘Se alguém deseja uma religião que não seja a submissão (Islam) a Allah, Ele nunca a aceitará e para o futuro (esta pessoa) perderá todas as benesses espirituais’

Portanto, o Islam não permite a construção de igrejas ou templos que não sejam dedicados à submissão a Allah, pois como poderiam aceitar se estas religiões estão, por princípio, erradas? A condição de dhimmi não impede que as autoridades religiosas façam o possível para convertê-los à submissão, pois:

8:38

Digam àqueles descrentes que, se eles desistirem, o que foi de seu passado será perdoado

8:39

Lutem contra eles até que não haja mais perseguição e a submissão a Allah for a única religião se eles desistirem, certamente Allah estará vendo

A situação dos dhimmi e sua obrigatória submissão à shari’a no que toca aos aspectos principais da vida, inclusive as dificuldades de culto de suas próprias religiões, embora teoricamente livres, exige um exame anterior da shari’a. A situação dos infiéis vivendo nas outras regiões será estudada da seção posterior dedicada à jihad.

Shari’a

Shari’a pode ser traduzida por caminho ou senda. É a lei, derivada do Corão e da Sunnah, acrescentada de precedentes das práticas de reconhecidos Ulemás, doutores em lei canônica e teologia, que comanda todos os aspectos da vida dos muçulmanos: a rotina diária, as obrigações religiosas e familiares (incluindo conjugais), acordos financeiros e diplomáticos etc. Por esta razão, os diplomatas ocidentais designados para discutir com países islâmicos, deveriam esquecer todas as regras, costumes e noções políticas que estudaram e se aprofundar no estudo da shari’a.

Deve-se salientar que as ‘práticas de reconhecidos Ulemás’ parece, mas não tem nenhuma relação com o que chamamos no Ocidente de jurisprudência, pois não são julgamentos ou sentenças apenas, mas incluem exemplos de vida e conduta. Muitas vezes o consenso da comunidade a respeito de alguma conduta é incorporado à lei. A jurisprudência islâmica é a Fiqh, constituída pelas decisões dos acadêmicos. Há quatro escolas sunitas ou maddhab da fiqh, todas nomeadas a partir de um jurista clássico que não sabia que as suas decisões iriam ser imitadas (o conceito de taqlid, 'imitação cega', surgiu mais tarde). As escolas Sunitas são a Shafi`i (Malásia), Hanafi (subcontinente indiano, África ocidental, Egito), Maliki (África ocidental e do norte), e Hanbali, a mais ortodoxa (Arábia Saudita – sunitas wahabittas e, no Afeganistão, pelos Talibãs). A maddhab xi’ita é a Ja`fari. No entanto, cada fiel em sua vida particular pode, teoricamente ao menos, aderir a qualquer uma delas, mesmo que não a predominante na sua região.

Existem categorias de ofensas e gradação das punições. As cinco ofensas prescritas no Corão, hadd, têm punições fixas e não podem ser mudadas por autoridades ou juízes. São elas: 1- adultério, 2- falsa acusação de adultério, 3- uso de bebidas alcoólicas, 4- roubo e 5- assalto às caravanas. Aquelas, ta’zir, cujas punições são deliberadas por um juiz as decididas pela Lei de Talião (olho por olho, dente por dente), jinayat, por exemplo: crimes de sangue devem ser pagos com sangue. Existem ainda as que envolvem penalidades administrativas (siyasa), geralmente por ofensas contra a política oficial e aquelas que podem ser corrigidas por atos de penitência pessoal (kaffara). ([iv])

A maioria dos países islâmicos com governo secular possui atualmente um sistema dual, no qual o povo pode levar suas disputas familiares e financeiras às cortes shari’a, enquanto no demais respeitam as leis seculares do país nas chamadas cortes adlia. O Qatar é um exemplo da dualidade oficial. Alguns países ocidentais estão explorando a idéia de adotar esta dualidade em relação a cidadãos que professam o Islam, com graves ameaças à sua estabilidade e à paz interna. O Arcebispo de Canterbury, Roman Williams, baseado na não separação entre Igreja e Estado que vigora no Reino Unido, propôs há dois anos a adoção de cortes eclesiásticas especiais para Muçulmanos e Judeus Ortodoxos.

No entanto, retornando à situação dos dhimmi, a dualidade da lei nem sempre representou uma vantagem para os mesmos. Durante o Império Otomano, criado por séculos de jihad contra as populações Cristãs, pintado freqüentemente como um modelo de império multi-étnico e multi-religioso, os dhimmi nas regiões balcânicas estavam submetidos às mesmas regras prevalentes nos antigos reinos islâmicos, inclusive com obrigatoriedade de se vestirem de forma diferenciada da dos muçulmanos para ficar evidente seu status inferior, como manda a sura 9:29 acima citada.

Bat Ye’or, escreveu uma série de estudos sobre a situação dos dhimmi, inclusive o livro The Decline of Eastern Christianity Under Islam: From Jihad to Dhimmitude : Seventh-Twentieth Century, e cunhou o termo dhimmitude para expressar esta condição.

Jihad

Hadith do Profeta Maomé

“Eu recebi a ordem de lutar contra os povos até que eles testemunhem o fato de que não há outro Deus senão Allah e acreditem que eu sou o Mensageiro (do Senhor), e em tudo o que eu disser. Quando eles afinal se submeterem [islam], seu sangue e sua riqueza serão protegidos”.

Esta é a essência da Jihad (guerra santa), o esforço compulsório dos fiéis em expandir o território islâmico às expensas de territórios não-islâmicos. Tem sido um aspecto central da vida dos muçulmanos desde 624. A primeira fase, que abrange o século VII incluindoas atividades bélicas do próprio Maomé depois da hijra (fuga para Medina) foi seguida pela segunda, chamada de teológica, teórica e legal, iniciada após a morte do Profeta e inclui a expansão do Islam pela Península Arábica, Ásia e Mediterrâneo. Foi então que os jurisconsultos elaboraram o conceito teológico de jihad baseados nos atos e palavras de Maomé (os já estudados haddithim).

ibn Khaldun nos diz que existem quatro tipos de guerra (op.cit., p. 224): 1- causada por ciúme ou inveja entre tribos vizinhas ou famílias concorrentes 2- causada por hostilidade, usualmente ocorre entre nações selvagens com o intuito de privar o inimigo de seus bens e/ou do usufruto dos mesmos 3- aquelas que a lei religiosa chama de ‘guerra santa’ e 4- guerras dinásticas contra dissidentes ou que recusam obediência. As duas primeiras são guerras injustas, as duas últimas são guerras justas.

Para alguns a jihad seria o sexto Pilar do Islam. Os cinco reconhecidos pelos sunitas são: a profissão de fé no único Deus e seu Profeta (Shahadah), as orações cinco vezes ao dia (Salat) (para uma descrição das preces ver Abdalati, op.cit, cap III), o jejum (Sawm) nos dias prescritos principalmente no mês de Ramadan, a caridade, doação de bens (Zakat) e a peregrinação a Meca (Hajj) ao menos uma vez na vida. Para os xi’itas são mais abstratos e voltados para o interior do indivíduo: a crença no Deus único, no Dia do Juízo Final, a crença nos Profetas Islâmicos, Judeus e em Jesus, na liderança dos Doze Imans ([v]) e na Justiça. As expressões externas da religiosidade, embora cruciais, não são consideradas como Pilares pelos últimos. A Shahadah inclui a crença em todos os Profetas citado no Corão (são 25), pois sua mensagem ‘é basicamente a mesma e é chamada submissão (islam), porque veio da Única e Mesma Fonte, Deus, e serve para o mesmo propósito: guiar a humanidade no Caminho Correto de Deus’ (Abdalati, op.cit.). Mesmo não sendo um dos pilares, a jihad é uma obrigação corânica para todos os fiéis. O site do Iman Hasan-al-Bana tem uma excelente compilação.

De acordo com a teoria da jihad os habitantes da terra da guerra (dar al-harb) são infiéis a serem combatidos porque se opõem ao estabelecimento da lei islâmica em seus países. Como inimigos de Allah eles não têm direitos: eles podem ser tomados como escravos, seqüestrados, roubados ou mortos e a tomada de suas propriedades pelos muçulmanos é lícita (mubah). Se eles resistirem à jihad podem ser deportados.

Os infiéis residentes na terra do armistício (dar al-hudna) são respeitados entre as guerras. Em princípio o armistício não deve ultrapassar dez anos, quando então a jihad será reiniciada (ver mais detalhes na seção sobre a hudna).

O Sheik Mohamed Sayed Tantawi, ex-Grande Imã da mesquita egípcia de Al Azhar, a instituição religiosa mais prestigiada do Islam sunita, procurou esclarecer que 'há uma grande diferença entre o terrorismo e a “Jihad”. ‘A Jihad na religião islâmica significa que o muçulmano defenda sua fé, seu país com seus bens e integridade territorial. Se o inimigo invadir um país muçulmano, a guerra santa contra ele é um dever’, afirmou o clérigo ao jornal árabe “Asharq Al Awsat”. Porém, isto não significa que o terrorismo não seja um de seus métodos, cada vez mais empregado na atualidade.


A SEGUIR: HUDNA, TAQIYYA, TARIQAS


[i] Referência à Bíblia e seus seguidores anteriores ao Islam: Judeus e Cristãos.

[ii] Encontrei diversas traduções da palavra árabe dar para o inglês: casa, região, terra, domínio, território, etc. Cada autor faz a sua tradução. Usei de acordo com o que me pareceu mais adequado.

[iii] Citado em Jews and Christians under Islam, de Bat Ye’or. Informações sobre o Sheik podem ser encontradas em Islam Online e declarações mais recentes em The Global Muslim Brotherhood Daily Report.

[iv] Para os interessados em conhecer mais a fundo: Islam: Governing under Sharia, Comparative Criminal Law and Enforcement: Islam - Hadd Offenses, False Accusation Of Unlawful Intercourse (kadhf), Drinking Of Wine (shurb), Theft (sariqa) Comparative Criminal Law and Enforcement: Islam. Para uma comparação com a lei anglicana, ver Why Shariah?

[v] Para os xi’itas, os sucessores de Ali, genro de Maomé, marido de sua filha Fátima (por isto uma das dinastias xi’ita foi a dos Fatímidas). O 12º Iman, ou o Iman Oculto, ou o Iman a chegar, Muhammad al-Mahdi, encontra-se escondido e regressará no fim do mundo. O Imã oculto é capaz de enviar mensagens aos fiéis. Alguns acreditam que o falecido Aiatolá Khomeini teria recebido inspiração do 12º Imã. Para os sunitas os Imãs são apenas sábios. Os Sunitas Wahhabitas, majoritários na Arábia Saudita, consideram os xi’itas como apóstatas (desertores) do Islam.



***


SUBSÍDIOS PARA ENTENDER O ISLAM
(E AS BASES DE SUA DIPLOMACIA)

III

HEITOR DE PAOLA

20/07/2010

OUTROS FUNDAMENTOS DO ISLAM

Muito se fala da existência de fundamentalistas e não fundamentalistas entre os muçulmanos. Já vimos na parte II que o Islam é uma unidade. Não existem fundamentalistas e não fundamentalistas, uma vez que o Corão não é passível de interpretações para os muçulmanos, como a Torah para os Judeus ou os Evangelhos para os Cristãos. Ser muçulmano é, sem nenhuma restrição ou salvaguardas, submeter-se (islam) à vontade, à palavra e à Lei (shari’a) de Allah, tal como transmitida por seu n& 257;bi (Profeta) e ras& 363;l (Mensageiro) ([i]).

A enorme importância de Maomé levou alguns círculos Ocidentais a denominar a religião de maometana. Nada mais errado. É necessário distinguir entre a relação dos Muçulmanos com Maomé e a dos Cristãos com Jesus: Maomé não é considerado divino, apenas um ser mortal destinado por Deus para ensinar Sua palavra e levar uma vida exemplar, ser o principal modelo para os homens em sua piedade e perfeição, uma prova viva de como o homem pode ser e realizar como excelência e virtude ([ii]). Os muçulmanos não acreditam que Maomé fundou o Islam, o último estágio da evolução religiosa. O fundador do Islam é o Deus de Adão, existiu desde o início dos tempos e continuará a existir até o fim dos tempos (Abdalati, op.cit.). ‘É aceito por todos os muçulmanos que, no fim dos tempos, um homem da família do Profeta (para os xi’itas necessariamente um descendente pela linha de Fátima e Ali) aparecerá para reforçar o Islam e fazer com que a justiça triunfe. Ele será chamado Mahdî e, junto com seu aparecimento surgirá o Anticristo. Após o Mahdî, Jesus Cristo descerá do Céu para matar o Anticristo. Outros acreditam que o Mahdî e Jesus virão juntos (ibn Khaldun, op.cit., PP. 257-8). (Para os xi’itas dos 12 Imans, o Mahdî já está entre nós como o Iman Oculto [ver Parte II]). Parece-me uma mistura estranha da crença Judaica na vinda do Messiach com a crença Cristã da próxima vinda de Cristo para julgar os homens.

Outro ponto a destacar é em relação à existência de santos. O Islam é uma religião rigorosamente monoteísta, proibindo estritamente qualquer intermediário entre o fiel e Deus. O conceito de santidade é expressamente rejeitado. Não obstante, por pressão popular existe uma variedade de crenças em homens ‘santos’, kar& 257;m& 257;t, com poderes carismáticos e mágicos, como o de prever o futuro. Mas isto não implica em poder de intervir junto a Deus para nenhum propósito. Um Profeta é alguém ‘capaz de trocar totalmente sua natureza humana, tanto corporal quanto espiritual, pela angelical, tonando-se realmente um anjo por um átimo, durante o qual vislumbra e escuta o discurso divino e o comunica aos homens. Este é o estado da revelação cuja capacidade é implantada por Deus (ibn Khaldun, op.cit., pp. 77-8). As maravilhas realizadas pelos Profetas são de caráter muito elevado: ascender ao céu, atravessar corpos sólidos, ressuscitar os mortos, voar e conversar com anjos (ibn Khaldun, op.cit., p. 73). ‘Um Profeta pode produzir as maravilhas dos santos, mas um santo não é capaz de produzir nada comparado às maravilhas dos Profetas’ (id., ibid.). Admitem-se ainda adivinhos, videntes, mágicos, interpretadores de sonhos e de vísceras animais, etc.

É preciso levar em consideração que na época de Maomé a Península Arábica era habitada principalmente por Beduínos, crentes há séculos numa religião politeísta com numerosos deuses – dos quais Allah era apenas um dos menores - e djins (gênios) com poderes extraordinários. Meca já era considerada cidade sagrada por ter a Caaba, que, segundo a tradição, teria sido construída por Ibrahim (Abraão) onde se encontra a pedra negra sagrada, provavelmente de origem meteórica, já adorada pelos Árabes pagãos, fossem Beduínos ou citadinos ([iii]). ibn Khaldun (op. cit.) faz uma comparação extensa entre Beduínos e povos sedentários, mostrando que os primeiros estão mais próximos da bondade do que os últimos (as citações em itálico a seguir são todas deste autor, mas não obedecem a nenhuma ordem, são extratos colhidos por mim aleatoriamente): ‘A razão para isto é que os povos sedentários acostumaram-se ao ócio e à vida fácil, vivem para todas as formas de prazer. Vivem no bem estar e no luxo. Deixam a defesa de suas propriedades e de suas vidas aos governantes e à milícia que tem a tarefa de assegurar sua segurança. Tornam-se como crianças e mulheres que dependem do dono da casa. Os Beduínos vivem longe das leis de governantes, da instrução e da educação (formais) andam sempre armados e cuidam de sua própria segurança.’

‘Enquanto nos povos sedentários as restrições são produto da lei, entre os Beduínos ela vem dos sheiks e líderes espirituais. Sua subsistência depende da criação de camelos e estes se alimentam dos arbustos do deserto que, pelas características naturais, se esgotam periodicamente, obrigando a constantes movimentações (nomadismo). Como a vida no deserto é muito dura os vínculos de grupo são necessariamente muito mais fortes. A vida no deserto é, sem dúvida, a fonte da bravura, os povos selvagens são mais bravos que os demais. São, portanto, mais capazes de conseguir superioridade e de se apossar do que está nas mãos de outras nações’ (op.cit.).

Ressaltei o último trecho porque é de fundamental importância para a tendência ao expansionismo do Islam.

O EXPANSIONISMO ISLÂMICO

Antes de discutir as principais estratégias e táticas da jihad é preciso esclarecer um ponto crucial que divide os historiadores e analistas políticos: existem dois Islams, um ‘radical’, terrorista, fanático, fundamentalista e intransigente, e outro pacífico, benigno, tolerante, ‘a religião do amor’? Creio que a questão está mal colocada. O Islam aceita que o Mal e o Bem existem simultaneamente na natureza humana e a guerra como um fato consumado na história da humanidade, não considerando a paz como eticamente superior à guerra como fazem os Cristãos. A morte é encarada também com maior fatalismo, sendo até desejável se servir para glorificar Allah e para a conversão dos dhimmi. Estes são elementos geralmente desconhecidos pelos negociadores Ocidentais: o que para eles representa um valor ético a alcançar, muitas vezes utilizado de forma hipócrita, não corresponde a nada que os negociadores muçulmanos pretendem. Quando os Ocidentais admitem, por exemplo, a atitude islâmica fatalista frente à morte, o fazem apenas superficialmente, como cultura de almanaque de lendas árabes, tão apreciados no Ocidente. Mas não acreditam que realmente é assim mesmo!

Não se pode dizer que o Islam seja uma religião da paz ou guerreira: é ambas, simultaneamente. Quando debatem tratados o fazem levando ambas em consideração igualmente. O projeto expansionista da ummah pode ser realizado das duas maneiras ao mesmo tempo. O projeto de dominação é fundamental, os meios não importam. Os dois projetos essencialmente bélicos – logo após a morte de Maomé com a rápida expansão para o Oriente Médio, África e Europa e o levado a efeito pelo Império Otomano – resultaram em morte e sacrifícios inúteis, aos olhos Ocidentais, de fiéis. O estabelecimento do califado e dos sultanatos levou os dirigentes a abandonar a vida simples de beduínos e paralisou as conquistas. O Islã entrou em decadência desde o início deste abandono. A crítica de ibn Khaldun ao sedentarismo e ao gosto pelo luxo se referia em grande parte ao Al Andaluz no qual morou e às dinastias Abássida e Omíada, em comparação com os guerreiros Beduínos de vida simples e em constante movimento.


Hoje a expansão islâmica se dá em quatro frentes:

1- a guerra declarada e convencional, mais recentemente com ameaças atômicas: pontual no Oriente Médio, principalmente ameaçando Israel, e no Afeganistão.

2- o terrorismo, através de várias organizações (Al Qaeda, Hamas, Hezbollah, Jihad Islâmica, etc.). A última novidade é nova revista da Al Qaeda, Inspire, que vai circular pela web e entrar em todos os sites que nasceram para contatos sociais e logo viraram poderes políticos: Facebook, Twitter e outros. Visa a atrair e a ensinar terrorismo e inspirar indivíduos e grupos a se dedicar à jihad ([iv]). Já no primeiro número ensina como fazer uma bomba em casa e publica entrevistas com fanáticos religiosos sumamente inteligentes Quanto a estas duas primeiras frentes comentarei adiante as táticas utilizadas: hudna e taqiyya.

3- o avanço populacional: a estratégia é ocupar sistemática, contínua e progressivamente o Dar al-Harb (ver Parte II). Ao invés dos exércitos mouros ou Otomanos, as sucessivas e crescentes vagas de invasão aparentemente pacífica. A estratégia é simples: enquanto são muito poucos nada exigem e parecem se submeter pacificamente às leis do país. Quando atingem uma minoria significativa começam as exigências, sendo a mais comum a de não se submeterem às leis do país, apelando para uma das grandes fraquezas do mundo Ocidental: o relativismo cultural que o Islam não respeita em seu próprio território, o Dar al-Islam. Paulatinamente vão ganhando nos tribunais o direito de serem regidos pela shari’a e com o aumento do número de nascidos e registrados no país hospedeiro, cresce sua densidade eleitoral. Políticos de todos os espectros, principalmente os de esquerda, passam a bajulá-los criando leis de ‘respeito e proteção cultural’ estendo seus direitos sem perceber que estão cometendo suicídio por não entenderem que o objetivo final é a conquista e a obrigação de todos os dhimmi viverem também sob a shari’a. Devo deixar claro também que nem todos os muçulmanos estão conscientes disto, muitos até tentam se adaptar aos costumes do país e sinceramente admiram e aspiram à liberdade de que gozam no Ocidente.

As débeis medidas tomadas por alguns países europeus para impedir o uso dos diversos véus islâmicos são imediatamente atacadas por políticos de esquerda e ONGs dos ‘direitos humanos’ acusando os governos de racismo e da mais nova concepção politicamente correta: a islamofobia ([v]). Como já vimos antes, o próprio Arcebispo de Canterbury já propôs publicamente a adoção da shari’a para as populações islâmicas na Inglaterra e não estamos muito longe do dia em que a Rainha terá que usar o ch& 257;dor.

4- Finalmente, a disseminação de grupos esotéricos & 7778;& 363;fis, as tar& 299;qahs.

Tar& 299;qahs

A ‘estrada’ ou ‘caminho’ para o conhecimento direto, ma’rifah, de Deus ou da realidade. Nos séculos IX e X tar& 299;qah significava o caminho espiritual místico individual de determinados & 7778;& 363;fis. A partir do século XII passou a designar comunidades que se reuniam em torno de sheiks, as ordens & 7778;& 363;fis. O termo também veio a designar a própria ordem. Cada ordem mística invoca uma descendência espiritual (silsilah) do Profeta ([vi]) e estabelece seus próprios métodos de iniciação e as regras disciplinares dos seus membros: os murid (comprometidos), os ikhwan (Beduínos que constituíram a milícia religiosa que ajudou a colocar ibn Saud no poder. Em 1929 a dinastia Saudita acabou com a milícia e de seu núcleo fiel formou a Guarda Nacional Saudita), os dervixes, os faquires, etc.

Lemos em ibn Khaldun (op.cit., pp. 358 ss.) que o Sufismo pertence às ciências da lei religiosa originada no Islam. Baseia-se na crença de que as práticas ascéticas de seus seguidores foram iniciadas por importantes muçulmanos que cercavam Maomé pelos da segunda geração. Os & 7778;& 363;fis desenvolveram uma forma particular de percepção através da experiência ascética. A progressão dos membros se dá por ‘estações’, formando uma ordem ascendente. O noviço deve progredir de estação em estação até atingir o reconhecimento da unidade com Deus e a gnose, ma’rifah, o máximo objetivo para atingir a felicidade. Os requisitos básicos para a progressão são a sinceridade, honestidade e a obediência. Os & 7778;& 363;fis têm uma forma peculiar de comportamento e usam uma terminologia lingüística especial durante as instruções. O treinamento especial visa a levantar o véu da percepção sensorial: quando o espírito se volta das percepções sensoriais externas para a percepção interior, os sentidos comuns enfraquecem e o espírito se fortalece: o que era conhecimento se torna visão.

ibn Khaldun nos diz que vários juristas e muftis refutaram as afirmações dos & 7778;& 363;fis, reprovando tudo que veio do caminho s& 363;fi e muitos do Islam tradicional reprovam as práticas s& 363;fi como heréticas.

Hoje em dia as ordens são contadas às centenas com milhões de membros em todo o mundo, seja no Dar al-Islam, seja no Dar al-Harb. Como o segredo é fator fundamental não se conhecem seus membros, mas pode-se ter como certa a participação de personagens de grande importância e relevância na condução dos países Ocidentais.

O Príncipe Charles, herdeiro do trono britânico, tem sido constantemente citado como secretamente convertido ao Islam, particularmente a uma ordem s& 363;fi da Turquia. Em fevereiro deste ano o Príncipe foi convidado de honra numa comemoração s& 363;fi - Spirituality in Action - na sede do clube Manchester United, em Old Trafford, quando houve inclusive um recital musical do Corão acompanhado de uma dança de dervixes ‘rodopiantes’ ([vii]) in vestes tradicionais. O Sheik Mohammed Hisham Kabbani foi o anfitrião. Nesta ocasião foi fundado o Centre for Spirituality and Cultural Advancement para exaltar as contribuições das tradições s& 363;fis na recuperação de criminosos através de estudo do Corão, meditações e danças. Em junho deste mesmo ano Charles sugeriu aos ambientalistas ‘seguirem o caminho do Islam’, num discurso no Oxford Centre for Islamic Studies. ‘A atual “divisão” entre o homem e a natureza foi causada não somente pela industrialização, mas também por nossa atitude em relação ao meio ambiente, que contraria as “tradições sagradas”, particularmente as do Islam’. Em 1993 ele já havia declarado ([viii]): ‘A civilização ocidental tornou-se cada vez mais aquisitiva e exploradora em desafio a nossas responsabilidades com o meio ambiente’ para, a seguir, glorificar a ‘renascença islâmica’ como a salvação da Grã-Bretanha: ‘O Islam pode nos ensinar uma forma de entender e viver no mundo que a própria Cristandade empobreceu-se por perder. No coração do Islam está a preservação de uma visão integral do Universo. Tanto quanto o Budismo e o Induísmo o Islam recusa-se a separar homem e natureza, religião e ciência, mente e matéria e preservou uma visão metafísica unificada de nós mesmos e do mundo que nos cerca. (...) O Ocidente gradualmente perdeu esta visão integrada com Copérnico e Descartes e com a revolução científica. Uma filosofia abrangente da natureza não mais faz parte de nossas crenças mundanas’.

Em novembro de 2007, na comemoração dos 800 anos do inspirador dos dervixes ‘rodopiantes’, Mevlana Rumi, Charles visitou seu santuário em Kona, Turquia e revelou que já em 1992 fizera uma visita privada ao santuário. Fez então, uma de suas mais controversas declarações: ‘Seja o que for, parece-me que o Ocidente encontra-se desconstruído e parcial. O Leste, por outro lado, tem-nos presenteado com “parábolas da alma”’.

Freqüentemente Charles defende o aprofundamento dos estudos islâmicos em escolas inglesas de todos os níveis. Sua dedicação ao Islam já encontrou até resistência à possibilidade de tornar-se Rei, pois como tal seu dever se confunde com o de Guardião da Fé (Anglicana) e seus discursos favoráveis aos Islam sugerem que preferiria ser Guardião de todas as religiões. Em 1997 Ronni L. Gordon and David M. Stillman publicaram um artigo - Prince Charles of Arabia – no The Middle East Quarterly no qual citam o Grande Mufti de Chipre declarando: ‘Vocês sabiam que o Príncipe Charles se converteu ao Islam? Sim, ele é muçulmano. Não posso revelar mais nada. Mas ele se converteu na Turquia. (…) Verifiquem quantas vezes ele foi à Turquia. Verão que seu futuro Rei é muçulmano’. Estes rumores podem ser falsos, mas a negativa enfática por parte de Lord St. John of Fawsley (‘o Príncipe de Gales é um membro leal da Igreja Anglicana’) seguida do ‘vazamento’ da notícia de que Charles desejava ter um papel maior na Igreja da Inglaterra, só serviram para acirrar as desconfianças.

Será o Príncipe realmente um muçulmano pertencente a alguma tariqah s& 363;fi? Ou apenas estará compreendendo melhor as desgraças que, sem a menor dúvida, assolam o pensamento Ocidental? Daniel Pipes faz um estudo bastante extenso destas notícias e possíveis boatos. Veja-se também um discurso integral do Príncipe (vídeo) e outro das manifestações islâmicas cada vez mais comuns na velha Albion.


SEGUE: HUDNA, TAQIYYA, CONCLUSÃO


[i] Ras& 363;l, como Maomé preferia ser conhecido, significa o último dos Mensageiros numa cadeia que começou com Noé e foi até Jesus, sendo Maomé o último e definitivo, com a principal missão de advertir o povo Árabe, e através dele a todos os povos, da iminência do Dia do Juízo Final.

[ii] O Islam rejeita a Santíssima Trindade e a morte sacrifical de Jesus. A gravidez virginal de Maria é aceita e reverenciada. O único ser aceito como de criação exclusivamente divina é Adão. Ver em Abdalati, op.cit., Jesus, Son of Mary.

[iii] Hoje a Caaba fica no centro de uma mesquita, Masjid al-Haram, onde os fiéis, durante a Hajj (peregrinação obrigatória) fazem a Tawaf, a circumambulação (ato de circundar um objeto sagrado) da Caaba.

[iv] As primeiras informações chegaram aqui por intermédio de Nahum Sirotsky, correspondente de Zero Hora no Oriente Médio e colunista do portal ‘Último Segundo’.

[v] Uma característica essencial do ‘politicamente correto’ é considerar tudo o que opõe como distúrbio mental: islamofobia, homofobia, etc.

[vi] Para ter uma idéia de uma silsilah visite o site do Sheik Al Alawi

[vii] Nestas danças o corpo gira o mais rapidamente sobre si mesmo num movimento de pião que atordoa destinado, segundo a crença, a atingir um estado de êxtase propício à meditação e prece que condizem à ma’rifah.

[viii] Num discurso no Sheldonian Theatre em Oxford.


Fonte: http://www.heitordepaola.com/publicacoes.asp



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