Foi no tempo do Ginásio. O professor Utópicus ( em casa, Totó) lançou o tema: redigir carta a uma firma, solicitando emprego. Para me livrar da tarefa, peguei a caneta e tracei estas depois lamentadas palavras:
Sr. Diretor, sabedor de uma vaga em sua empresa, venho candidatar- me ao seu preenchimento.
Levei um zero vírgula cinco e uma tremenda humilhação.
- Vejam só! - bramia o professor diante de meus colegas - peço para elaborar um trabalho de português e o desatinado me vem com meia dúzia de bobagens!
Depois, para que eu aprendesse o que era uma carta solicitando emprego, leu o trabalho do Astolfo, o primeiro da classe e me fez copiar três vezes aquele belo exemplo de texto.
Anos depois, vejam como é a vida, a fim de pleitear serviço numa empresa , precisei redigir justamente o quê? Vocês já devem saber. Revirei meus velhos cadernos e consegui achar o famoso texto Agora eu entendia como eram úteis os bons exemplos. Como era mesmo aquela frase em latim que o professor Utópicus usava para ilustrar esta situação? ... "mens sana..." não, não era essa.
Peguei caneta, separei umas dez folhas e iniciei deste modo(coitados dos outros candidatos!): Ó, vós, que tendes em mão esta pobre missiva! Chumbo grosso! E isso foi só o começo. Depois, o texto foi tomando corpo, mais profundo, abordando importantes questões filosóficas da antiguidade clássica e do Renascimento, questionando teorias genéticas e antropológicas. Isto sem falar na abundante reminiscência histórica e na citação de famosos autores de nossa literatura. Por fim, o golpe final, a transcrição de um longo trecho da Bíblia. Somente uma coisinha acrescentei ao substancial texto do Astolfo: sem mais para o momento, atenciosamente.
Quem sabe essa minha intromissão tenha aborrecido o diretor, pois não fui admitido no emprego. Sabem quem conseguiu a vaga? O Dico Mendes, o último aluno de nossa classe. O professor Utópicus ia morrer de desilusão!
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