Adoro o Brasil geográfico e étnico. Mas o Estado está uma zona! Perdoem-me a momentànea perda das estribeiras, mas estou inconformado. Alguém me dirá que o Brasil é um lugar bom se viver; que não há terremotos; atentados terroristas, guerras e coisa e tal. Concordo na questão dos terremotos. Quanto à s guerras, nós não temos nem mesmo Forças Armadas. No máximo temos umas Forças Meio-Armadas que não dispõe sequer de recursos para alimentar a tropa. A não ser que optemos por, no caso de uma guerra, contratar mercenários das facções criminosas que governam o estado do Rio de Janeiro, que são melhor armados para fazer frente a uma guerra. Na questão terrorismo somos imparciais demais para incomodar algum terrorista; na causa palestina por exemplo. O Itamaraty limita-se a emitir notas de desaprovação aos atos de violência praticados ora do lado palestino, ora do lado israelense. E a Al Qaeda está mais preocupada com o Grande Satã do hemisfério norte do que com o Capetinha Perneta e Zarolho do sul. Pesando tudo preferiria viver no Canadá. Fica lá no seu cantinho, esquecido. Lá também não se falam em terremotos, guerras, nem terrorismo e, de quebra, é um país desenvolvido. Só ouvimos falar do Canadá quando a questão é Embraer versus Bombardier.
Referi-me ao Rio de Janeiro pelo fato de junto com o estado de São Paulo, ter o Crime Organizado mais organizado do país. As facções são organizadas em partidos: CV, PCC, TC, ADA, etc. Seus integrantes são fiéis à legenda, diferentemente dos nossos políticos. Até porque se mudarem de lado são executados. As organizações também dispõem de escritórios, geralmente em grandes centros empresarias como Bangu I, de onde seus grandes executivos, como Fernandinho Beira-Mar e Celsinho da Vila Vintém - já perceberam como todos são carinhosamente tratados no diminutivo? - comandam seus meganegócios. São prédios equipados com uma boa infra-estrutura de comunicações e serviço de segurança gentilmente cedido pelo Estado. Sabe como é, tá cheio de bandido por aí. Esses grupos dominam os morros, impedem o acesso da polícia, trocam tiros no meio das ruas, ferem cidadão desavisados - culpa deles. Quem manda sair na rua, ficar assistindo TV ou dormindo próximo à s janelas? - desfilam suas armas livremente pelas ruas, sustentam famílias de policiais com generosas propinas, decretam seus próprios feriados, esquartejam e queimam jornalistas e por aí vai. Falando nisso ninguém deu importància à s dezenas de vítimas já torradas no "microondas". Foi necessária a morte de um jornalista para mobilizar a opinião pública. É bem provável que em breve tenhamos oficializadas essas legendas e um desses cidadãos disputando a presidência.
Vejo nos jornais um ex-senador cujo mandato fora cassado, com prisão decretada e agora foragido da justiça que, desde já, não poderá ser preso, pois, de acordo com a legislação eleitoral, nenhum candidato pode ser preso nos quinze dias que antecedem as eleições. Sim, o sujeito é candidato a Deputado Federal. Ora, se esse sujeito é candidato, logo deve estar fazendo campanha por aí; como não foi encontrado pela polícia? Sem falar em um bando de outros cidadãos envolvidos em falcatruas diversas que hoje estão disputando o voto popular a fim de ocuparem o Poder Legislativo. Alguns, inclusive, com altos índices de aceitação por parte do eleitorado. Não sei, talvez eu seja um tanto retardado, mas penso que indivíduos com pendengas judiciais devessem ser impedidos de pleitear cargos públicos. Como é possível que alguém que não cumpre a Lei possa legislar?
Revolta-me alguns discursos dos nossos candidatos a presidência. Mesmo os mais bem intencionados. Não podemos acreditar em tudo o que dizem, para o bem ou para o mal. Afinal suas palavras são previamente medidas e articuladas por seus respectivos marqueteiros. E, se tais sujeitos são capazes de nos vender Pasta de Esterco das Galinhas Sagradas do Tibet em potes, cujas propriedades milagrosas no tratamento das cáries são amplamente conhecidas nos mais remotos recónditos do Himalaia, são capazes então de vender até mesmo o Tinhoso, o Beiçudo, o Diabo em pessoa. Como alguém pode ser estúpido a ponto de afirmar que irá criar dez milhões de empregos? E como alguém pode ser estúpido a ponto de acreditar? Se conseguirmos isso em quatro anos, seremos, nesse mesmo, período a economia que mais terá crescido no planeta a despeito da crise mundial. Seguindo a mesma proporção, lá pelo segundo ano de um possível segundo mandato, nosso problema de desemprego estará resolvido e já estaremos importando desempregados, dada à demanda de mão-de-obra.
O ónibus que tomo diariamente a caminho do trabalho, passa no meio de uma favela miserável e imunda localizada embaixo do viaduto Joana Bezerra. Digo, passava. Prefeitura e governo do estado resolveram esse problema. Foi construída uma malha viária no bairro de Joana Bezerra que, suponho, deve ter custado algumas dezenas de milhões de reais. O tráfego é pequeno, só atende algumas linhas de ónibus e os veículos que se dirigem ao Fórum do Recife. O novo itinerário aumentou cerca de dois quilómetros contornando o Fórum e isolando a favela com blocos de concreto fechando seu acesso. Ficou parecendo uma espécie de gueto. Não o gueto de mauricinhos e patricinhas do clipe da Ivete Sangalo, mas um gueto de condenados a desgraça. Pronto. Assim ninguém terá mais aquela visão do inferno todos os dias de manhã, nem passará o resto dia com a imagem daquelas crianças famélicas na mente a incomodar a consciência. Às vezes penso que uma parcela dos recursos que foram destinados à construção da malha viária poderia ter sido aplicada na melhoria das condições de vida dos favelados. Mas não estamos aqui para pensar. Todos vivem bem enquanto ignoram ser portadores de um càncer. O conhecimento do càncer é que mata.
Cansa-me ainda a nossa ignorància. Apenas nos damos ao entretenimento barato e destituído de qualquer noção artística. Aliás, a palavra arte é uma desconhecida nossa. Falta-nos sensibilidade para degustar na alma versos de Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto. Falta-nos percepção para os detalhes das pinturas de Monet, Delacroix, Renoir, Van Gogh, Eckhout, Tarsila do Amaral entre outros. Não temos ouvidos capazes de ouvir Mozart, Beethoven, Bach e Choppin. Poesia é uma coisa cafona, os quadros são meras telas lambuzadas e as músicas são horrorosas. No máximo consegue-se apreciar um pouco de MPB. O que predomina no inconsciente coletivo é música para imbecis, rimas paupérrimas e medíocres, apelo à libido e nenhuma razão. Sensações e percepções limitadas. Dizemos que somos livres. Alguém nos coloca numa jaula e diz: "você é livre para fazer o que quiser aí dentro". Somos um povo ignorante e que tem orgulho de sua condição. Talvez isso nem seja uma condição exclusivamente nossa, mas do mundo. Talvez estejamos evoluindo à s avessas.
