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Ensaios-->O Reino Encantado de Dom Ináfio Calamar da Filva I -- 23/11/2010 - 09:39 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=153&Artigo_ID=2238&IDCategoria=2291&reftype=1&BreadCrumb=1


Linguagem universal

Reprodução

HQs vencem preconceito e participam da formação
literária dos jovens

RODRIGO ARCO E FLEXA

Vítimas de preconceitos e acusações, as revistas de histórias em quadrinhos (HQs) foram várias vezes queimadas em praça pública. O que pode parecer um episódio próprio do período medieval, ou lembrar a passagem do romance Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury, na qual livros são incinerados por representar um perigo para a humanidade, aconteceu de fato durante a década de 1950. Em meio à escalada da guerra fria, educadores, políticos, psicólogos e religiosos dos Estados Unidos investiram contra essas publicações por considerá-las nocivas aos jovens, sob o argumento de que as imagens de horror, violência e alusões sexuais incitavam à delinqüência juvenil. Essa perseguição, cujo ápice ocorreu nos EUA durante a febre anticomunista, acabou por se propagar pelo mundo e chegou até o Brasil.

Aqui, a pressão maior vinha de professores que consideravam os gibis deseducativos, por utilizarem linguagem simples, coloquial, estimulando a 'preguiça mental'.

Mas os tempos mudaram. Embora ainda existam resistências, o fato é que meio século depois as HQs são, cada vez mais, objeto de investigação universitária e de trabalhos que procuram desvendar sua relevância artística e editorial para o mundo contemporâneo.

Retrospectiva

As HQs, da forma como são conhecidas hoje – suas origens remontam às pinturas rupestres dos tempos pré-históricos –, nasceram no final do século 19, nos EUA. Para conquistar novos leitores, os jornais apostaram na inclusão de histórias ilustradas e seriadas na forma de tiras e páginas dominicais.

Historicamente, 'The Yellow Kid', criado em 1896, é considerado a primeira HQ a reunir os três itens que caracterizam os quadrinhos modernos: narração em seqüência de imagens, permanência dos mesmos personagens nas histórias e utilização da figura gráfica dos balões (que acomodam falas e pensamentos).

Posteriormente, na década de 1930, nos EUA, as HQs começaram a ser editadas no formato de revistas, os chamados comic books, que tiveram crescente aceitação popular, principalmente com o lançamento das aventuras de personagens como Super-Homem e Batman.

As repercussões estéticas, históricas e educacionais das HQs ao longo dos tempos são o foco do livro Literatura em Quadrinhos no Brasil – Acervo da Biblioteca Nacional, organizado pelo professor Moacy Cirne, da Universidade Federal Fluminense (UFF), um dos mais profícuos estudiosos brasileiros do tema e autor de obras como Quadrinhos: Sedução e Paixão, A Explosão Criativa dos Quadrinhos e Para Ler os Quadrinhos. Lançado por ocasião das comemorações dos 192 anos da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, que tiveram início no final de 2002, Literatura em Quadrinhos no Brasil destaca o constante diálogo e troca de influências dos quadrinhos com outras linguagens, em especial a literatura, mas também o cinema, as artes plásticas e a cultura em geral. A publicação reúne artigos de alguns dos principais pesquisadores brasileiros das HQs: além de Moacy Cirne, há textos de Álvaro de Moya, autor, entre outros, de História da História em Quadrinhos e Shazam!, de Naumim Aizen, escritor e diretor da Editora Brasil-América, a Ebal, a maior do gênero quadrinhos no país entre as décadas de 1940 e 1980, criada por seu pai, Adolfo Aizen (1907-91), e de Otacílio Assunção, editor e cartunista, mais conhecido como Ota, cuja assinatura se tornou marca registrada desde que ele publicou a primeira versão nacional da revista 'MAD', em meados da década de 1970.

Paralelamente ao lançamento do livro, a Biblioteca Nacional promoveu a exposição O Mundo Encantado dos Quadrinhos, uma iniciativa que fortalece o reconhecimento da linguagem das HQs. Afinal, como guardiã de um inestimável arquivo literário, a biblioteca decidiu celebrar o aniversário justamente expondo uma seleção comentada de seu amplo acervo de revistas em quadrinhos (que abrange mais de 100 mil volumes). Assim, é possível considerar as HQs mais do que simples entretenimento. 'É essencial que os quadrinhos sejam também compreendidos de forma crítica', diz Naumim Aizen.

Compõem o acervo da Biblioteca Nacional publicações centenárias, como os trabalhos de Angelo Agostini, artista italiano naturalizado brasileiro e precursor das HQs no Brasil, que publicou, a partir de 1869, 'As Aventuras de Nhô Quim'. Também integra o arquivo a coleção de 'O Tico-Tico', a primeira revista nacional regular de quadrinhos, lançada em 1905.

Na exposição há exemplares originais e reproduções das histórias iniciais dos grandes heróis dos quadrinhos, como Super-Homem e Batman, além de revistas com personagens clássicos que encantaram antigas gerações, como Flash Gordon, Tarzan, Dick Tracy, Príncipe Valente e Mandrake.

Outro destaque da mostra são as adaptações de clássicos da literatura estrangeira e nacional lançadas pela coleção Edição Maravilhosa, da Ebal. Entre diversas versões para HQ de livros brasileiros estão O Guarani, de José de Alencar, e A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, ambas de André Le Blanc. Além dele, outros artistas, como Gutemberg Monteiro, Nico Rosso e Eugenio Colonnese, assinaram títulos da série. 'Essas edições foram uma maneira de fazer com que críticos e literatos entendessem que os quadrinhos poderiam ser utilizados educacionalmente. De modo geral, as adaptações eram bem acadêmicas, com ilustrações bem-comportadas, que mexiam o mínimo possível nos textos originais', conta Álvaro de Moya.

Novos leitores

'A verdade é que as HQs foram determinantes na formação literária de diversas gerações de leitores', diz Suely Dias, diretora do Departamento de Referência e Divulgação da Biblioteca Nacional. Essa visão é reforçada por Naumim Aizen: 'Os clássicos da literatura transpostos para os quadrinhos mostraram que as HQs não eram prejudiciais aos mais jovens. Ao contrário, elas abriram o universo da literatura para muitos dos que liam nossas publicações'.

O que não falta são nomes importantes da inteligência brasileira que se confessaram admiradores das HQs. 'João Guimarães Rosa era fã de ‘Mindinho’ e da Edição Maravilhosa; Fernando Freyre, filho do escritor Gilberto Freyre, lia avidamente ‘Epopéia’ (sobre a conquista do oeste norte-americano), e muitos outros, como Jorge Amado e José Lins do Rego, elogiavam os trabalhos da Ebal, tanto que queriam ter suas obras quadrinizadas', recorda Naumim Aizen.

O jornalista e escritor carioca Sérgio Augusto, autor de livros como Lado B e Esse Mundo É um Pandeiro, também é um apaixonado pelos quadrinhos desde a infância. Ele lembra que seu primeiro contato com a literatura aconteceu por meio da Edição Maravilhosa: 'Lia as adaptações e depois procurava os textos originais para descobrir detalhes que não apareciam nas HQs'.

Sérgio Augusto recorda a expectativa com que aguardava os presentes de Natal, na forma de HQs. 'Meus pais compravam os famosos almanaques de quadrinhos, edições volumosas e cheias de histórias, algo fascinante. Os ‘tesouros’ eram embrulhados e guardados no armário de casa, às vésperas da festa. Adorava então passar os dedos nos pacotes para sentir o tamanho da lombada das revistas e assim imaginar o que me esperava', conta o jornalista.

A abertura de novos horizontes por meio das HQs também ocorreu com pessoas que, na mais tenra infância, nem sabiam ler ainda as palavras impressas nos balões das histórias. 'Desde muito pequeno eu já era fascinado pelos desenhos dos quadrinhos', diz o editor e cartunista Ota. 'Quis aprender a ler para entendê-los melhor', recorda ele. Tanta paixão o levou a adotar hábitos diferentes de outros garotos. 'Em vez de jogar futebol, ficava criando personagens e revistinhas artesanais. Fiz centenas delas', diz. 'Meu sonho era ser como Ziraldo e Maurício de Sousa, meus ídolos', lembra o cartunista, que atualmente publica no jornal 'Pasquim 21' tiras bem-humoradas sobre os desafios do novo governo brasileiro: 'O Reino Encantado de Dom Ináfio Calamar da Filva I'.

Linha do tempo

Se a atração pelas HQs é revelada com tanta paixão nos dias de hoje, tudo era diferente na década de 1950. Os alvos mais visados por seus detratores eram os populares quadrinhos de terror, cujas imagens de violência mescladas com insinuações sexuais escandalizavam os mais conservadores, numa época de padrões morais muito severos (só como exemplo, nesse período os filmes de Hollywood mostravam casais dormindo em camas separadas).

Contribuiu decisivamente para a perseguição às HQs a publicação do livro A Sedução dos Inocentes, do psiquiatra Frederic Wertham, no final da década de 1940. 'Trata-se de um marco de toda espécie de preconceito contra as HQs', diz a professora Sonia Bibe-Luyten, da Universidade Católica de Santos e autora de Mangá – O Poder dos Quadrinhos Japoneses, O Que É Histórias em Quadrinhos e Histórias em Quadrinhos e Leitura Crítica. 'Sem falar que muitas revistas dos anos 50, como a ‘Seleções Reader’s Digest’, divulgavam artigos que atacavam os quadrinhos. Esses textos tinham muita penetração nos lares e fizeram a cabeça de pais e professores', afirma Sonia.

Na virada dos anos 50 para os 60, no entanto, essa visão começou a mudar. 'Muitas das pessoas mais importantes do século 20 reconheceram-se então como formadas pela leitura dos quadrinhos', diz Álvaro de Moya. 'Cineastas como o francês Alain Resnais, admirador de Mandrake, fundaram clubes de apreciadores das HQs (as bandes dessinées, como são conhecidas na França). Também o diretor Federico Fellini, assim como os artistas plásticos Andy Warhol e Pablo Picasso, confessou seu apreço pelas HQs', lembra Moya.

Nessa época, os quadrinhos tornaram-se até tema de obras de intelectuais de prestígio, como o escritor italiano Umberto Eco. Sem falar no Museu do Louvre, de Paris, que organizou exposições de trabalhos de artistas dos quadrinhos, dando um novo status à linguagem das HQs.

Pioneiros nacionais

Deve-se registrar nesse processo o empenho daqueles que se propuseram desbravar as fronteiras que restringiam a publicação de quadrinhos. Mesmo com as limitações do mercado nacional, em comparação ao volume de lançamentos europeus e norte-americanos, pesquisadores e artistas brasileiros despontaram entre os pioneiros na luta pelo reconhecimento dessa expressão artística.

Álvaro de Moya é um dos que estiveram na linha de frente dessa batalha. Ele e um grupo de entusiastas dos quadrinhos, como o ilustrador português radicado no Brasil Jayme Cortez, o desenhista e escritor Miguel Penteado, o produtor gráfico Reinaldo de Oliveira e o escritor Syllas Roberg, organizaram em 1951 a Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos. No evento, foram expostos e debatidos trabalhos de Alex Raymond (de 'Flash Gordon'), Harold Foster (de 'Príncipe Valente') e Milton Caniff (de 'Terry e os Piratas'). Parte dessa história está registrada no livro Anos 50, 50 Anos: São Paulo, 1951/2001. Embora reconhecida mundialmente nos dias de hoje, não faltaram restrições à exposição na época, provenientes de todas as vertentes ideológicas. 'Fomos criticados tanto por gente da direita quanto da esquerda', recorda Moya.

Já em meados dos anos 60, o jornalista Sérgio Augusto publicou uma coluna regular semanal de notícias sobre HQs, a princípio no 'Correio da Manhã' e depois no 'Jornal do Brasil', a qual é considerada a primeira iniciativa internacional do gênero. Nessa época, o professor Francisco Araújo criou, na Universidade de Brasília (UnB), um curso de graduação sobre a linguagem dos quadrinhos, algo também inédito no mundo.

Estudos acadêmicos

Há cerca de dez anos, funciona regularmente o Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Trata-se de um grupo de estudos interdisciplinar, coordenado pelo professor Waldomiro Vergueiro, outro entusiasta da linguagem das HQs. O embrião do núcleo, o único sistematizado do gênero no Brasil, remonta aos anos 60 e 70, quando a professora Sonia Bibe-Luyten idealizou o Museu de Imprensa Júlio de Mesquita, o qual abrangia também as HQs. Dessa proposta inicial, os quadrinhos acabaram por conquistar, anos depois, espaço na USP, onde havia outros docentes aficionados do gênero, como os professores Antônio Luís Cagnin, o próprio Álvaro de Moya, além do então diretor da ECA, José Marques de Melo.

'Em 1989, tivemos a idéia de realizar uma Semana Batman na ECA, com discussões, exposições e filmes', conta Vergueiro. A boa receptividade – auditórios lotados – levou à criação daquele núcleo. O professor frisa que 'não foi a academia que abriu espaço para os quadrinhos, mas os estudiosos que forçaram essa abertura'. Segundo ele, 'a universidade só tem a ganhar com isso, pois as HQs são um objeto de estudo que proporciona investigações relacionadas aos mais variados aspectos da sociedade, da cultura à política'.

Com a participação ativa de algumas dezenas de membros, o núcleo desenvolve atualmente diversos projetos. Entre eles está uma ambiciosa catalogação de todas as revistas de HQ já publicadas no país, com dados sobre editoras, tiragens, histórias e autores, denominada Diretório das Histórias em Quadrinhos no Brasil. Outro projeto é o Memória Viva do Quadrinho Nacional, que tem como proposta gravar entrevistas com autores nacionais cuja importância, muitas vezes, é desconhecida do grande público.

Um dos participantes do núcleo, o professor Roberto Elísio dos Santos, do Centro Universitário IMES, lançou a obra Para Reler os Quadrinhos Disney: Linguagem, Técnica, Evolução e Análise de HQs, em que aborda um dos gêneros mais afetados por visões estereotipadas: as narrativas em quadrinhos de Walt Disney, que já foram tachadas, nos anos 70, de meros veículos de imposição dos valores capitalistas para jovens e 'inocentes' leitores. Na época, essa visão foi reforçada pela publicação do livro Para ler o Pato Donald, de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, o qual afirmava que os quadrinhos Disney eram, na realidade, um mecanismo de 'lavagem cerebral' dos mais jovens. Atualmente essa interpretação é considerada muito mais um fruto do contexto da guerra fria. 'Na realidade, os quadrinhos Disney não são produzidos apenas nos EUA, mas em muitos países, mesmo no Brasil. Dessa forma, incorporam elementos culturais das sociedades em que são elaborados, assim como o estilo gráfico e a visão de mundo desses artistas, muitas vezes heterogêneos', diz o pesquisador.

Esse é o caso da versão brasileira do personagem Zé Carioca, criado originalmente nos EUA. 'A partir da década de 1950, os artistas locais continuaram a produzir suas histórias, incorporando ao papagaio características da cultura nacional', afirma Elísio. 'O Zé Carioca tornou-se então um paradigma da malandragem, da boa vida, representando uma visão do brasileiro e do país, assim como Pedro Malasartes, Macunaíma e o Amigo da Onça, entre outros oriundos do imaginário nacional.' O pesquisador ressalta ainda a qualidade dos artistas que contribuíram para essa concepção do personagem. A maioria deles, no entanto, sempre trabalhou anonimamente, pois a assinatura de seus trabalhos era creditada a Walt Disney: 'São nomes como Jorge Jato, Waldyr Igayara, Renato Canini e Carlos Edgard Herrero'.

Acesso às HQs

Por fim, outra conquista para a sedimentação dos quadrinhos no Brasil é proliferação de espaços especializados para consulta de pesquisadores e fãs em geral, já que, com a crescente sofisticação gráfica das publicações, muitas obras tornaram-se caras demais para parte do grande público. A Gibiteca Henfil, por exemplo, instalada no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, detém um acervo de milhares de revistas, inclusive títulos raros dos anos 50 e 60. Foi lá que, durante o mês de abril passado, os quadrinhos foram tema de várias atividades, cujo objetivo era discutir a relação das HQs com o cinema.

Outra iniciativa de relevo é a Gibiteca do Sesi, que funciona no prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em São Paulo, cuja concepção de criação é de Álvaro de Moya. Merece destaque também a Gibiteca de Curitiba, que comemorou 20 anos de atividades no ano passado.


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