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Ensaios-->A mulher de Garrett e de Camões -- 15/05/2011 - 03:57 (Eduardo Amaro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Contexto Renascentista

Camões viveu de 1524 a 1580. Nesta época (século XVI) existiam duas fortes correntes literárias na Europa. Quase todos os poetas deste tempo sofreram as influências de tais correntes, inclusive Camões.
Segundo Antonio José Saraiva, existia um fluxo que tendia às canções de cavalaria, lírica em redondilha, rimances, teatro vicentino etc (era a vertente espanhola); outra vertente apontava para a Itália e se chamava “dolce stil nuovo”: a eloqüência de Cícero na prosa, o uso dos versos decassílabos na lírica, o teatro aos moldes clássicos e a busca pela arquitetura literária greco-latina (epopéia, elegia, canção e soneto). É justamente este influxo italiano que é considerado “clássico” dentro de os quadros renascentistas.
E o que se define por classicismo?
Tanto Dante Tringali quanto Antonio Freire são explícitos em definir o clássico como “perfeito, racional e exato”.
Existem dois sentidos: um ideal e outro temporal.
a) Sentido ideal: clássico é o oposto de romântico; razão sobre sentimento, objetividade sobre subjetividade, imitação sobre criação, perfeição sobre idealização. O clássico não sente, pensa; o clássico não comenta, define.
b) Sentido temporal: oposto a medieval e bárbaro: “clássicos eram os antigos, perfeitos eram os antigos” (gregos e latinos ou ainda aqueles que os imitavam, em oposição aos autores medievais que para a doutrina renascentista eram considerados imperfeitos, bárbaros – no sentido de estruturação e concepção da obra literária).
Baseando-me nas apostilas e estudos do Professor Fernando Teixeira de Andrade, o conceito explicitado acima (da vertente “dolce stil nuovo”) é chamado, em Portugal, de “medida nova”. A medida velha (redondilhas) é agora substituída pelos sonetos decassílabos e outros gêneros da poesia lírica, cujos principais são o terceto, sextina, oitava, elegia, canção, écloga e epigrama. Como a poesia a ser analisada nesse trabalho é um soneto, eis a definição do professor: “composição em forma fixa, com 14 versos, dispostos em 4 estrofes, sendo 2 quartetos (ou quadras) e 2 tercetos. De origem controversa, teve em Petrarca (1304 – 1374) o poeta que lhe fixou uma forma e um conteúdo que se tornaram modelos em toda a Europa. O soneto petrarquiano é composto em decassílabos, com as rimas dispostas no sistema ABBA – ABBA – CDE- CDE ou, nos tercetos, CDC – DCD. Mas, no que diz respeito à estrutura, várias outras soluções têm sido empregadas, tanto na métrica quanto na disposição das rimas”.

O Contexto Romântico

(Saraiva, Antonio José. Iniciação à Literatura Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999) – Texto na íntegra.
“O romantismo português é normalmente associado à revolução liberal que se consumou em 1834. Essa revolução representa um corte com a tradição, pois não somente confiscou os bens da nobreza, mas, mais importante ainda, os da Igreja, e aboliu as ordens religiosas. O clero tinha fornecido até então os principais promotores da vida cultural: animavam as procissões, pronunciavam os sermões e eram os principais mestres das escolas, condutores das almas paróquias.
Foi preciso criar uma nova literatura, com novas formas e novos temas, para uma sociedade que se tornou laica . Foi preciso, acima de tudo, inventar um substituto para o sagrado, que enchera até então o espaço da invenção literária e artística de modo geral. Esta tarefa estava, aliás, facilitada pelos árcades e pelos pré-românticos.
Os românticos da primeira geração estavam ainda muito ligados aos árcades, como Garrett (nascido em 1799 e mesmo Herculano, que se iniciara em literaturas inglesas e alemãs nos salões da marquesa de Alorna). Mas ambos conheceram in loco o novo gosto literário, porque foram forçados a emigrar para a Inglaterra, como refugiados políticos. Mas pertenceu também à primeira geração um escritor que nunca saiu de Portugal, Antonio Feliciano de Castilho (1800 – 1875), mas que procurou mostrar-se ao corrente da moda romântica em obras como A noite do castelo (1836), de cenário afetadamente medieval.”
Segundo minhas anotações, o movimento pode ser assim caracterizado:
1ª Fase: nacionalismo, idealismo (amor cortês), subjetivismo, emoção, otimismo.
2ª Fase: pessimismo, tédio, spleen, fuga da realidade (sonho, embriaguez, morte).
Garrett foi o maior escritor português no quesito “análise psicológica”, cheio de supensões, paradoxos, sentidos duplos, insinuações que não chegam a formular-se. (agora segundo Saraiva). A prosa e os versos garrettianos são radicalmente dramáticos. O autor apresenta-se como uma personagem que fala perante o público um discurso muito coloquial, entrecortado de apartes e de interpolações, e que resulta bem no palco como uma espécie de monólogo dramático.
Essa poesia garrettiana é extremamente paradoxal; possui caráter descritivo, no entanto, as contradições na tentativa de definir e no sentimento do 'eu lírico' pela Musa inspiradora carregam a poesia de forma a expressar intensamente o ego romântico.
A repetição da idéia central é constante na pergunta: “Anjo és?”, que aparece seis vezes numa poesia de duas estrofes (contando com o título, que em si próprio já é um paradoxo).
O 'eu lírico' deseja a Musa, como se observa em “não respondes - e em teus braços, com frenéticos abraços”, ou ainda em “dou-me a ti, anjo maldito”, mas não consegue definir o que sente: “isto que me cai no peito, que foi?”
É uma estreita relação dialética que existe entre o “eu poético” e o objeto de sua canção.
Quanto à métrica, o poema não possui uma forma definida. Tal indefinição, no entanto, não interfere no ritmo da poesia; o título é uma pergunta cuja resposta não é definida! Pois se temos a afirmação inicial “Anjo és tu, não és mulher” para no último verso termos “Anjo és tu, ou és mulher?”, significa que a voz poética está indefinida quanto ao objeto de seu desejo e a forma desejada: platônica ou real? Anjo ou mulher?

Análise Individual – Sonetos de Luís Vaz de Camões

Ambos os sonetos têm caráter conceptual que, através de uma argumentação cerrada, definem o pensamento a respeito da Musa e do Amor.
Eles são engajados no racionalismo; a emoção é contida no equilíbrio e o sentimento na harmonia.
Os valores clássicos do conceito do Bem e do Belo são nítidos no poema. Para Aristóteles, a matéria é existência virtual, que só se realiza mediante as formas. Por isso, o verso: “Como matéria simples busca a forma”.
No Soneto 1 há uma explícita tentativa de unir tal conceito aristotélico de forma (nos tercetos) com o conceito platônico de amor (nos quartetos).
Quanto à métrica, ambos são decassílabos heróicos, cujos versos possuem, em sua maioria, as tônicas na 6ª e 10ª sílabas poéticas. A rima é ABBA.

O CONFRONTO – Diferenças e semelhanças nas poesias

Temos na “mulher” garrettiana um ser sem definição, desejado e idealizado parcialmente. Tal mulher é, como o próprio 'eu lírico' canta: um “anjo maldito”. Por outro lado, a “mulher” camoniana é aquela que enfeitiça (Circe ), uma semidéia.
A forma da poesia romântica de Garrett é livre, enquanto que Camões escreveu as poesias na forma de sonetos decassílabos heróicos.
Muitas passagens de “Anjo és” fazem referência ao pensamento do clássico português, a saber:
“Anjo és tu, que esse poder

Jamais o teve, mulher,
Jamais o há de ter em mim”
(Garrett)

“Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada”

O “eu” de Garrett deseja, mas não ama. Ele quer, mas o que deseja não é uma semideusa, é um anjo maldito. Por outro lado, de tanto idealizar a amada, o “eu” de Camões passa a ser a amada, transforma-se nela, não restando mais o que desejar justamente por trazer em si próprio a idéia do ser que deseja.

“Em que mistério se esconde,
Teu fatal, estranho ser?
Anjo és ou és mulher?”
(Garrett)

“Mas esta linda e pura semidéia
Que, como o acidente em seu sujeito”
(Camões)

Veja: a “mulher” garrettiana é uma apenas: ou anjo, ou mulher. A “mulher” camoniana, por sua vez, é mulher e anjo ao mesmo tempo, mulher e deusa – uma semideusa.
Percebe-se um curioso efeito visual no último verso da poesia “Anjo és”. Em azul temos o verbo SER conjugado na primeira pessoa do singular: SOU, para, em seguida, encontrarmos a segunda pessoa do singular do mesmo verbo: ÉS (em vermelho). Substituindo-se os verbos no verso, o EU está cercado pelo TU. A própria voz poética canta que “Minha razão insolente ao teu capricho se inclina, e minha alma forte, ardente, que nenhum jugo respeita, covardemente sujeita, anda humilde a teu poder”. Os sintagmas nominais estão simetricamente colocados no início e no final da frase: mais uma forma de reafirmar o pensamento dialético: início-fim, anjo-mulher.
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