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Ensaios-->O inferno de Rubem Braga -- 21/05/2011 - 12:07 (Eduardo Amaro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
RESUMO: O objetivo desta comunicação é definir o conceito de texto, bem como coesão e coerência para que seja feita uma análise da crônica “Sobre o inferno”, de Rubem Braga.

Para Fávero e Koch, o texto pode ser compreendido em dois sentidos: em sentido mais abrangente (lato), “designa toda e qualquer manifestação textual do ser humano, isto é, qualquer tipo de comunicação realizada através de um sistema de signos”; em sentido estrito, consiste em “qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo significativo, independente de sua extensão. Trata-se, pois, de uma unidade de sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza pela coerência e coesão, conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto”.
A coesão é microtextual, liga as idéias por meio de conectivos, pronomes, paralelismos, reiteração de termos etc. Ela está na superfície do texto; a coerência, macrotextual, é a relação lógica que existe entre as várias idéias que compõem o texto, principal responsável pelo sentido deste. Portanto, para um texto ser entendido (atribuir-lhe significado) é imprescindível que o mesmo seja coerente. Assim deve ser estruturado.
Rubem Braga, prosador modernista, colaborou com a evolução da crônica brasileira ao trabalhar com o quotidiano. Elas são marcadas pela linguagem coloquial e temática simples. Estes aspectos são evidenciados no texto Sobre o inferno, do livro 200 crônicas escolhidas, objeto analítico da presente comunicação.
O título da crônica já é um fator de contextualização, que aciona em nosso conhecimento de mundo, a princípio, o universo teológico (católico), repleto de demônios, sofrimentos, dor, castigos, fogo, calor intenso e outros semas deste hiperônimo. No entanto, observar-se-á que se trata de outro contexto. A elaboração refinada do humor nesta escritura (característica do autor, diga-se de passagem) serve para quebrar as expectativas evocadas pelo vocábulo principal do título.
É necessário que o leitor conheça as superestruturas que implicam em um conhecimento de mundo e, desta forma, possa distinguir uma crônica de uma fábula e esta, de uma poesia, por exemplo. A superestrutura define a organização e as relações hierárquicas entre os fragmentos de um texto.
O frame, considerado como “o conjunto de elementos sobre uma situação estereotipada” (no caso, inferno), ativa no leitor seu conhecimento de mundo, acima relatado, bem como fornece base para que o humor seja identificado no texto.
Por meio dos elementos lingüísticos observados e também pelas expressões recorrentes do narrador autodiegético, é possível verificar o script desenvolvido (plano estabilizado, utilizado ou invocado para especificar os papéis e ações dos participantes esperadas). Com esse recurso o narrador estabelece relação dialógica com o leitor.

“O inferno são os outros” – diz esse desagradável senhor Sartre no final de Huis Clos, e eu respondo: “eu que o diga!”. Hoje estou com um pendor para confissões, vontade de abrir meu peito em praça pública; quem for pessoa discreta, e se aborrecer com derrames desses, tenha a bondade de não continuar a ler isso”.

(BRAGA, 1980, p. 89)

Temos, no trecho supracitado, além da intertextualidade, a ser abordada mais adiante, a presença do co-autor, o dialogismo. Do mesmo modo que em outras passagens, o humor irônico evidencia-se em expressões como “esse desagradável senhor”, “um pendor para confissões; vontade de abrir o peito em praça pública”. Ora, um senhor geralmente é uma pessoa instruída, vivida, discreta, agradável, educada; uma confissão, a priori, faz-se entre duas pessoas (para quem é religioso, entre duas pessoas e Deus, levando-se em conta o frame, temos o lado oposto).
Isso é irônico, dá ao texto um tom de desabafo e, sobretudo, cria no leitor uma espécie de cumplicidade, visto que ele, leitor, ouve (lê) “a confissão” do narrador “sobre o inferno” em que vive.
Tal cumplicidade é intensificada quando acontece a aproximação entre narrador e autor, em uma tentativa (convincente) de dar veracidade à história narrada, como podemos observar na passagem abaixo:

Mas o jornalista profissional Rubem Braga, filho de Francisco de Carvalho Braga, carteira 10836, série 32ª registrado sob o número 785, Livro II, fls. 193, ergue a fatigada cabeça e inspira com certa força. Nesse ar que inspira entra-lhe pelo peito a vulgar realidade das coisas, e seus olhos já não contemplam sonhos longe, mas apenas um varal com uma camisa e um calção de banho e, no fundo, o tanque de lavar roupas e seu estreito quintal, desta casa alugada em que ora lhe movem uma ação de despejo. E é bom que haja uma ação de despejo, sempre deveria haver (...)”

(BRAGA, 1980, p. 90)

Nesta crônica, as informações velhas servem de base para a introdução de novas, fornecidas pelo texto, a respeito da visão de mundo do narrador/autor sobre o inferno.
Existe o equilíbrio entre previsibilidade e informatividade. No primeiro momento, o texto fornece uma definição sobre o inferno de Sartre (o inferno são os outros) para, em seguida, o autor enfatizar que essa visão não é única, citando Dante, e busca, coerentemente, transmitir seu pensamento.
Somente quem conhece as obras de Dante e Sartre pode compreender com profundidade a ironia do texto e identificar a intertextualidade.
Neste quesito, temos a intenção por parte de quem escreve. Os argumentos e as alusões não são gratuitos. No texto em pauta, a narração inicia-se com um intertexto, oriundo da obra Huis Clos, fragmento que expressa a máxima “o inferno são os outros”.
Em primeira instância, o narrador assume a ideologia apresentada, explicitamente: “eu que o diga!” e isto será permeado por todo o texto.
O inferno dantesco também tem seu lugar nesta crônica de Braga. Observe:

(...) Falar do inferno, por exemplo, é mau. Dante e outros espalharam muitas notícias falsas a respeito, e a pior delas é que para lá vão os culpados. Na verdade, para lá se vai pelo caminho da maior inocência, assobiando levianamente talvez (...)
(BRAGA, 1980, p. 89)

A certeza da morte me pareceu tão doce que fosse figurá-la seria como a casta Beatriz que viesse passar a mão pela minha cabeça e me dizer para dormir”
(BRAGA, 1980, p.90)

Por meio da intertextualidade e por este jogo antitético entre o inferno de Dante e de Sartre, situa-se o inferno do narrador. Percebe-se que é a precariedade, a falta de alguém, enfim, abstrai-se que a ausência seja o conceito de inferno emanado pelo texto: não são nem ou outros, nem os culpados punidos no “mentiroso” inferno dantesco. Uma vez que o narrador/autor está em um processo introspectivo e que não consegue encontrar, na realidade, refúgio para si.

Suspiro como Jorge Machado Moreira, meu antigo co-responsável, e Luís Vaz de Camões, meu antigo poeta, sobre tanta necessidade aborrecida. E acabando o suspiro me ergo e vou banhar o triste corpo, porque a alma, oh-lá-lá, devo mergulha-la não no sempiterno Nirvana, porém na desgraça miúda e suja da jornada civil, lítero-comercial, entre apertos de elevador e palavras sem fé. Dou apressado adeus a mim mesmo e o bonde São Januário, disfarçado em escuro e feio lotação, leva mais um operário.
(BRAGA, 1980, p.90)

Ainda temos duas referências intertextuais no fim da crônica: uma mimética (“Suspiro como Jorge Machado Moreira, meu antigo co-responsável”) e outra literária (“e Luís Vaz de Camões, meu antigo poeta”).
Ao lado da intertextualidade temos a aceitabilidade, ou seja, o leitor admite os fatos narrados e sua intenção, desse modo, busca esforçar-se para apreender seu significado.
O rastreamento destes elementos de coerência permite-nos concluir que a presente escritura possui unidade, é plurisignificativa, coerente e serve como modelo para construção textual. Sem nenhuma razão para suspeitas, uma valorosa crônica de Rubem Braga.

BIBLIOGRAFIA

BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 1980.

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2002.
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