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Artigos-->ARQUITETURA E FORMA -- 23/05/2013 - 15:57 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 



ARQUITERURA E FORMA



L. C. Vinholes



 



A vida é cheia de surpresas, algumas parecem até previsíveis outras, de fato, fazendo jus a si mesmas, são inesperadas.



Dias destes, encontrando em São Paulo amigo de muitos anos, recebi exemplar de seu mais recente livro onde, na primeira página encontrei a dedicatória que embora tenha me surpreendido, de certa forma era esperada acontecer a qualquer momento: “Ao meu irmão Vinholes com muito carinho, de muitos e muitos anos e viagens, e lembranças”. Seu sobrenome, grafado com quatro sinais de um dos dois ‘alfabetos” fonéticos do idioma japonês, era seguido por seu nome inteiro em boa letra romana cursiva, mais a data de 26 de abril de 2013.



O livro tem como título Arquitetura e Forma e seu autor éJoão Rodolfo Stroeter amigo desde 1958 quando eu terminava o período de bolsista do Ministério da Educação do Japão e ele começava a gozar desta modalidade viabilizadora de estudo no exterior. “Durante três anos, frequentou a Universidade de Tóquio, trabalhando no atelier do professor Takayama, sempre assessorado pelo conhecido arquiteto professor Kenzo Tange”. Este último e os arquitetos Ohta e Fujishima foram seus mestres no Departamento de Engenharia chefiado por Kiyoshi Mutuo, conforme consta do diploma que recebeu ao término dos seus estudos, em 25 de julho de 1961.



Os brasileiros em Tóquio daqueles anos eram contados nos dedos da mão, diferentemente de hoje que somam milhares. Com uns os encontros eram mais raros, mas com outros a proximidade e as afinidades de formação ou culturais facultavam convivência de maior frequência, alimentando interesses comuns e complementares. Depois das atividades e obrigações desempenhadas nos dias úteis, os finais de semana eram aproveitados para passeios, troca de opiniões com relação às experiências vividas e planejamento de novos projetos, o que geralmente acontecia em um café na encruzilhada das avenidas em Guiza Yon-chome, em pleno centro de Tóquio.



Arquitetura e Forma editada em 2012 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, com capa e projeto gráfico de José Tadeu de Azevedo Maia, inaugura a série Mestres e Obras desta conceituada instituição coordenada por Sylvio Barros Sawaya. Depois de uma apresentação pelo arquiteto e professor Sawaya e prefácio do também arquiteto e professor Julio Roberto Katinsky, o texto está dividido em 13 capítulos seguidos de uma extensa bibliografia. Os temas tratados são: A forma, Arquitetura e estética, Teoria da Arquitetura, Arquitetura e história, A crítica arquitetônica, O prazer do conhecimento, Arquitetura e verdade, Funcionalismo e Racionalismo, Ornamento, Gosto e moda, Os compromissos do arquiteto, O interlúdio pós-moderno e, finalmente, Arquitetura e escultura.



Não esperem que nos parágrafos que se seguem falarei sobre arquitetura e tecerei críticas ou elogios ao trabalho deste meu último irmão que com prazer e orgulho acrescentei à lista dos dois que ganhei de meus pais e de mais outro que apareceu também nos tempos de Tóquio: o artista plástico Fernando Lemos que por razão desconhecida, preferiu e prefere ser tratado e tratar-me de fratelo. Vou registrar o que me chamou a atenção como leitor interessado em aspectos que, indiretamente, exibem outras facetas pertinentes ao autor. Neste caso valho-me também de nossas experiências e vivências comuns.



Intercalados com os textos, chamam a atenção fotos e desenhos que enriquecem o trabalho e exemplificam pontos específicos dos argumentos. Enquanto lia e aprendia, fixando o que me era possível fixar, folhando e examinando página por página cheguei a determinados números que registro a seguir: são 159 fotos, sendo 74 delas clicadas pelo autor, e 64 desenhos, 28 dos quais produzidos pela pena de quem assina o texto, resultando nos percentuais de 46,54% e 43,75% a ele creditados. Os prédios fotografados ou desenhados por Stroeter mostram que ele cruzou os cinco continentes em todas as direções, documentando e observando os objetos que hoje são por ele comentados e analisados. Aqui, não posso me furtar o direito de registrar e a obrigação de agradecer que à página 24 figura foto que tirei do Panteão da Liberdade, um dos monumentos de Oscar Niemeyer vizinho à Praça dos Três Poderes, em Brasília.



Stroeter, além de arquiteto, não é apenas fotógrafo e desenhista extremamente hábil, mas também possuidor de outros predicados que, embora distintos dos já citados, se complementam e enriquecem todas as suas produções. Refiro-me ao conhecimento e prática que ele tem com o shodo, caligrafia artística, e oshumi-e, pintura monocromática que utilizam pincel e nanquim ou tinta da China, conhecimento adquirido com tenacidade e perseverança sob a égide de mestres japoneses; e a experiência de longa data na produção de cerâmica raku,produzida mediante cozimento do barro em alta temperatura seguido de imersão da peça, ainda incandescente, em recipiente cheio de folhas; a queima das folhas dá à superfície da peça aspecto rústico de extrema beleza pela textura e pelas cores e nuances foscas e discretas.



Na leitura da obra citada vieram-me lembranças de outros momentos. Ao ver às páginas 274 e 350 foto do histórico Hotel Imperial de Tóquio, tirada pelo autor, e um desenho a nanquim “a bico de palito” de autoria de Matsue, documentando a arquitetura de Frank Lloyd Wright, recordei às vezes em que, na companhia do amigo, passava agradáveis momentos nas poltronas do hall de entrada daquele hotel apreciando suas características paredes de tijolos à mostra. Foi lembrado também o passeio que fizemos a Kamakura em agosto de 1958, caminhando entre as cerejeiras da Avenida Wakamiya-Oji na companhia de Mário Pedrosa, Paulo Martins e Dirce Nakamura, para visitar a estátua do Grande Buda, o vizinho templo budista Hase Kannon com a estátua da Deusa da Misericórdia, o templo xintoísta Tsurugaoka Hachimangue o Museu Municipal de Arte. Recordei a extremamente valiosa colaboração prestada por Stroeter quando, em abril de 1960, montamos os painéis da Exposição de Poesia Concreta Brasileira no Museu de Arte Modera de Tóquio, com obras de Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Wladimir Dias Pinto, José Lino Grünewald, Ronaldo Azeredo e Pedro Xisto, evento que, ao lado de outras fontes, serviu de partida para o surgimento da poesia concreta japonesa. Em maio de 1961, acompanhamos a família do engenheiro Alberto Barbosa, da Comissão de Compras da Usiminas, na visita à Casa Nishimura de Kyoto, um dos mais tradicionais e conceituados fabricantes de peças de laca, especialmente as chamadas maki-e produzidas desde a segunda metade do século XVI com desenhos a base de pós de ouro e prata misturados. Uma lembrança que não podia ter faltado é de fevereiro de 1972: a do batizado de meu filho Daniel quando, na Igreja de São Judas Tadeu, em São Paulo, Stroeter e sua esposa Regina Mellão Jardimforam seus padrinhos. Em Milão, estivemos juntos no jantar de 9 de novembro de 1997 no restaurante Malavoglia, marcado “com grandes recordações de momentos passados” com a presença do amigo comum Ikko Tanaka, em viagem pela Itália, um dos designer japoneses mais conceituados da segunda metade do século XX, criador de um estilo que, com habilidade singular, “fundiu estética e princípios modernos com a tradição japonesa”, e dos seus acompanhantes o assistente Hiroaki Sumitomo e a curadora Hiroko Sakomura, completando a mesa Regina, Graziela Salvagni, Ezio Sposato e minha Helena Maria Ferreira.



Da leitura de Arquitetura e Forma outra lembrança veio à tona: o prefácio e os desenhos ilustrando as páginas 14 e 118 e a observação de Katinsky afirmando que Vitrúvio “estabeleceu, implicitamente, que a arquitetura, antes de tudo, não é abrigo”, fizeram-me recordar que quando morava na Pensão da Alice, na Rua Sergipe, em São Paulo, em frente à Escola Livre de Música da Pró-Arte, onde estudei nos anos 1950, ele, ainda estudante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), aparecia para o almoço.



Em 1964, Stroeter produziu a monografia Modernidade da Arquitetura Tradicional Japonesa com a qual concorreu ao concurso pela Nippaku Bunka Kyokai (Associação Cultural Brasil-Japão) recebendo o prêmio de Viagem ao Japão, realizando seu sonho de regresso a Tóquio que havia deixado, em 1962, ao término do seu primeiro período naquele país. Na monografia são tratados aspectos técnicos e de caráter estético que, numa abordagem ocidental caracterizam a arquitetura tradicional japonesa. Stroeter assina também a obra intitulada Arquitetura & Teorias (1986) da Editora Nobel, com edição em espanhol em 1997, pela Editoral Trillas, do México, obra que pode ser considerada o germe de matérias agora tratadas com mais profundidade e detalhes.



Apenas como curiosidade séria, vale a pena registrar que em 4 outubro de 2012, dia de São Francisco de Assis, João Rodolfo Stroeter participou em São Paulo de uma exposição de arquitetura bastante singular: “casinha para cachorro”, Os projetos tinham a assinatura de grandes nomes da arquitetura brasileira, tais como Julio Roberto Katinsky, Isay Weinfeld, Ruy Ohtake, Siegbert Zanettini, Carlos Bratke, Pedro Paulo de Melo Saraiva, Roberto Loeb e Marcos Tomanik. A renda auferida com o leilão das maquetes, realizado no dia seguinte, foi destinada à ONGs protetoras dos animais. Cada projeto exibia sua singularidade. A casinha criada por Stroeter era toda de acrílico, de forma tubular e totalmente transparente, permitindo luz e calor em abundância e deixando ver no seu interior a almofada colorida para repouso do canino.



Em Arquitetura e Forma senti falta de informações sobre o autor razão pela qual, com a devida vênia, transcrevo aquelas que estão na contracapa da edição da Nobel: “Nasceu em São Paulo, em 1934. Formou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, onde lecionou de 1962 a 1971. Viveu e estudou três anos em Tóquio como bolsista do Ministério da Educação do Japão. Manteve seu escritório de arquitetura até 1969, quando passou a trabalhar em empresas de consultoria de engenharia e arquitetura de São Paulo: Hidroservice – Engenharia de Projetos Ltda., até 1979, e Promon Engenharia S.A.”. Nos últimos anos Stroeter trabalhou para a Tocconin Engenharia e na Bureau de Projetos Engenharia. Voltando ao final dos anos 1950 e primeiros da década de 1960, consta do seu curriculum que em Tóquio:  “teve o arquiteto Stroeter a oportunidade de projetar o Pavilhão do Brasil na Feira de Amostras da Cidade de Osaka”, colaborar “com o professor Mário Pedrosa na montagem da Exposição de Arquitetura Brasileira, que foi instalada no Museu de Arte Moderna de Tóquio” e, de volta ao Brasil “viu-se surpreendido com um contrato para Professor Instrutor em nossa Faculdade, na cadeira de Pequenas Composições de Arquitetura, ingressando assim no Departamento de Projetos”.



Durante a leitura e Arquitetura e Forma foram muitos os momentos que me chamaram a atenção em razão não só da pertinência, mas também das afinidades que neles encontrei com o mundo de minhas preocupações e interesses. Repetia a leitura e seguia em frente. Ao terminar a caminhada pelas suas 456 páginas, voltei ao capítulo 10, Gosto e Moda, para ler o parágrafo que está na página 292 tratando das afinidades entre moda e vanguarda, cuja transcrição, a seguir, conclui este meu texto:



“A vanguarda era mais lenta que a moda e, justamente por isso, um pouco mais duradoura, mas debilitou-se, até desaparecer, na medida em que a moda ganhou força e prestígio. Por influência da moda, os meios de comunicação davam logo à vanguarda uma popularidade que ela própria desprezava e não queria ser, porque sabia que a popularidade seria o começo do seu fim. Hoje um ato de vanguarda pode iniciar-se como vanguarda (enquanto inovação e experimentalismo), mas cedo tende a ser equiparado à moda e morrer como tal. Cria-se uma situação com a qual a vanguarda não pode conviver nem sobreviver. Por ser mais forte, a moda lhe altera o curso e o espírito, descaracterizando-a e roubando-lhe a identidade. À moda, pelas mesmas razões, não interessa ser vanguarda, não tem, como a vanguarda, compromissos com a arte e a cultura, não pretende lhes abrir caminho para a evolução e a história. Seu único interesse é justificar a existência de produtores e consumidores e a continuidade do ciclo em que os dois polos se envolvem, interagem e se completam. A vanguarda sempre viveu uma situação ambígua e conflituosa: queria ser inovadora e romper com o estado de coisas – exaltante, como dizia Stravinsky –, mas precisava ser também aceita e reconhecida. Alcançar seu objetivo, contudo, principalmente quando ganhava impulso e a velocidade da moda, era o primeiro sinal de decadência, pois cedo chegava o momento em que o ato inovador da palavra se incorporava ao repertório estruturado da língua.” 



São dois os “alfabetos” fonéticos E silábicos usados na escrita japonesa, sem valor conceitual: hiragana, cursivo, pode substituir o ideograma (kanji), compõe a terminação de verbos e adjetivos e, figurando no lado direito de um ideograma, chama-se de furikana servindo para indicar sua pronuncia; e katakana, o mais antigo, tem forma é geométrica e angular e é usado, principalmente, para grafar nomes e palavras estrangeiras e onomatopaicas.





[ii] Vide nota VIII.





[iii] Lê-se “guinza”.





[iv] Na dedicatória do exemplar de Teorías sobre Arquitectura.





[v] Nascido em 13 de janeiro de 1930 e falecido em 10 de janeiro de 2002.





[vi] Consulta a www.designishistory.com/1960/ikko-tanaka/‎ em 19/05/2013.





[vii] Marcus Vitruvius Pollio, arquiteto romano do século I a.C.





[viii] Pg. 331.





[ix] Referência à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo.





[x] Conforme consta da Apresentação da monografia A Modernidade da Arquitetura Tradicional Japonesa (1962).




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