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Contos-->O DOIDO -- 28/07/2000 - 14:56 (Eduardo Coleone) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ainda se fosse a primeira vez, entenderia. Mas já parei no mesmo estacionamento por diversas vezes e me deparei em muitas delas com essa figura estranha e um tanto curiosa. Enquanto meu funcionário executa as tarefas bancárias da firma, me distraio ao banco de motorista do carro olhando os transeuntes; uns confusos, outros resolutos, todos frenéticos.
Depois de passear por todas as estações de rádio em busca de uma novidade que me impressione, volto o velho aparelho aos meus compact discs, há poucos anos tidos como coqueluche de modernidade; hoje, atuais como a invenção da roda. Nada na rua que meus olhos nunca tenham visto, nada em meus bolsos, nada em minha mente para transformar a realidade, nada de engenhoso, nada que vislumbre o universo, só meus óculos embaçados, foscos, que desgastam cada dia mais minha visão.
Meus olhos novamente embrenham-se curiosos pelas pernas e braços velozes, pelas centenas de realidades, milhares de possibilidades por segundo. Apesar de esquivarem-se o quanto podem, acabam sempre dando naquela esquina, aonde aquela doce e enigmática figura se movimenta rapidamente da porta do hotel até a última pedra da calçada. Quem vê seus movimentos coordenados, apesar de confusos, não imagina o padecimento e resignação que devem habitar o seu todo, o seu mundo, todo mundo que o cerca e convive consigo. O pobre menino, parece-me, padece de algum desses modernos maus mentais, em que a criança, por um descuido dos pais, nasce com deficiência em sua formação, imperfeição genética que não era conhecida há tantos anos atrás, quando nossos pais e os pais dos nossos pais foram gerados, sem preservativos, sem anticoncepcionais, sem anti-depressivos, sem anti-stress, sem as soluções da vida moderna para curar doenças advindas com a vida moderna.
Traz na mão um molho de chaves e, penso eu, deve ser apenas um método de distração providenciado pelos pais, para terem um bocado de sossego. Curioso é que há tanto tempo passo por essa avenida e o menino sempre está ali, cumprindo uma espécie de ritual, uma cerimônia idêntica à do dia anterior. Vem correndo da porta do hotel como um pássaro que aprende o seu ofício maior, de forma a incitar quem o observa a torcer por sua chegada são e salvo ao destino. Vai balançando seus bracinhos num balé perfeito, com a exatidão das gaivotas, carregando o molho de chaves em suas mãos com grande firmeza e celeridade, como a ave carrega no bico o alimento. Chega até a ponta da calçada e volta gritando grunhidos ininteligíveis em direção ao ponto de partida, e assim segue por grandes períodos, como um relógio que trabalha com a mesma perfeição por todo o seu tempo sem saber ao menos o que está fazendo: presumo, atrevido, que o menino não sabe o que está fazendo.
E durante minha viagem psíquica em torno da figura curiosa e cativante daquele menino, mais de hora se passaram e meu funcionário não trouxe sequer satisfação para sua demora nos bancos da cidade. O hotel localiza-se exatamente defronte a um dos principais bancos da cidade, o banco estadual. Calculando que meu funcionário ainda demoraria um bom tempo, aproveitei para ir ao caixa automático ver a quantas anda minha conta corrente, mesmo tendo horror às filas de qualquer espécie e asco ainda maior aos extratos bancários.
Perdi alguns minutos atrás de um senhor que demorava a entender o que a voz do caixa automático lhe indicava efetuar, fazendo questão de, na saída, agradecer humildemente ao microcomputador, que deve ter se sentido lisonjeado. Efetuei, então, algumas transações na educada máquina que, não sei porquê, me cobra tarifa até para apertar as suas teclas sujas de mil impressões digitais. Com exagerado bom humor, que não me é peculiar, constato que deve ser a hora de almoço do caixa automático, porque, sem motivo plausível, ele acaba de engolir o meu cartão. Certas praticidades que nos coloca à disposição a vida moderna ficam vagando duvidosas em minha mente. Até que ponto as soluções superam os problemas em nossa vida? Até que ponto é importante, sem anti-progressismo, continuar a desenvolver softwares, sharewares e outras tantas ultra-inovações que implicam na sua maioria em problemas, bugs nas máquinas, doenças super-modernas como o stress ou a depressão e, por conseguinte, complicações reais, factuais em nossa vidas? Quem tem um microcomputador em sua casa ou no serviço que nunca lhe causou problemas, atrasos, ou outro problema advindos diretamente dessas maravilhosas máquinas? E esses problemas só "terminam" com a chegada de um técnico em processamento de dados. O interessante em toda isso é que sempre o problema será numa pequena peça, com um nome americano, que só o técnico conhecia.
Esquecidos, enfim, os assuntos inerentes à modernidade dos caixas de bancos, estou eu fora da agência, andando em direção ao carro, onde meu funcionário me espera com silhueta cansada e aborrecida. Dado conta da hora e de meu atraso em uma simples operação bancária, saco as chaves do bolso e parto em disparada, em direção ao carro. Ao olhar, então, para o outro lado da rua, vejo o pequeno garoto me olhar com cara de reprovação.
- Não é assim, moço, que se voa! É assim, olha!
Depois de dar uma demonstração perfeita, idêntica às tantas que eu já havia acompanhado sem que soubesse, o menino dá uma gostosa gargalhada, uma gargalhada de criança, uma gargalhada de quem está salvo, de quem está seguro, de quem foi escolhido para incluir o rol de poucos bem-aventurados; vistos como doidos, tidos como pobres coitados, verdadeiramente corretos e felizes em sua auto-capacidade, no seu poder de auto-entendimento, permanecendo alheio à sociedade, cercado de doidos por todos os lados, entretanto, redomado e guardado por algo que ninguém nunca poderá tomar, algo que não permite a invasão da degradação que faz morada em nossas mentes, algo que os mantém distintos, singelos e verdadeiramente criações autêntica e puramente divinas que espelham toda a natureza em seu mais íntimo caráter distintivo, em sua mais pura essência: algo perene, chamado ingenuidade...
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