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Ensaios-->O profeta Tocqueville -- 27/01/2012 - 11:34 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Escrito por William Henry Chamberlin 25 Janeiro 2012
Artigos - Conservadorismo

"Chamberlin"

 O número alarmante de previsões suas que se tornaram realidade não é resultado de acidente, sortuda adivinhação ou intuição inspirada. É uma conseqüência natural de uma mente poderosa e criativa, ampliada por vasta erudição e um entendimento sensível da natureza do homem e da sociedade, projetando as lições do passado e do presente para iluminar o futuro.

 
O dom de prever em um século o formato político, econômico e social do século seguinte é dado com bastante frugalidade. Todavia, uma gritante exceção a essa regra é Alexis de Tocqueville [1], o cientista político francês liberal-conservador. Sua “Democracia na América”, publicada após uma longa viagem pelos Estados Unidos nos anos 1830, é importante tanto por sua visão presciente sobre alguns dos problemas futuros da América e do mundo ocidental quanto por seus afiados insights sobre a América tal qual era no tempo de Andrew Jackson [2].

Ele próprio um aristocrata, Tocqueville via na democracia uma tendência do futuro. Ele notou que o sol dos monarcas absolutos e das nobrezas privilegiadas estava se pondo. O prospecto do triunfo da democracia não lhe inspirava nem entusiasmo desqualificado, nem fanática repulsa. Pois a democracia, como ele a via, seria boa ou ruim na medida em que oferecesse salvaguardas necessárias à liberdade individual. Em um tempo quando a maior parte dos membros de sua classe se referiam à democracia como anarquia iminente e a queda de toda autoridade legítima, Tocqueville anteviu que o real perigo a ser antecipado por um governo democrático não era excesso de fraqueza, mas de força, capacidade de esmagar, dobrar ou enfraquecer a vontade de liberdade do indivíduo. Pertence a Alexis de Tocqueville o crédito, em uma era de monarquia hereditária e economia laissez-faire, de apreender a possibilidade do Estado totalitário e da sociedade de bem-estar. Era no colapso ou desaparecimento das formas tradicionais de autoridade sem a ascensão de sociedades livres solidamente alicerçadas que se encontram as principais causas do surgimento de Lenins e Stalins, Hitleres e Mussolinis. Eis a premonição de Tocqueville sobre esse perigo:

Em nossos dias, quando todas as posições são mais e mais confundidas, quando o indivíduo desaparece na multidão, e se perde facilmente em meio a uma obscuridade comum, quando a honra da monarquia quase perdeu seu império sem ser sucedida pela virtude pública, e quando nada permite ao homem ascender a si mesmo, quem poderá dizer a que ponto as exigências do poder e a servidão da fraqueza interromper-se-ão? [...]

Os anais da França não fornecem nada análogo à condição em que esse país pode ser lançado. Mas isso pode ser melhor assimilado aos tempos antigos, e àquelas hediondas eras de opressão romana, quando os costumes do povo foram corrompidos, suas tradições obliteradas, seus hábitos destruídos, suas opiniões estremecidas, e a liberdade, expulsa das leis, não pôde encontrar refúgio na terra; quando nada protegia os cidadãos e os cidadãos não mais se protegiam a si mesmos; quando a natureza humana era o esporte do homem, e príncipes exauriam a clemência dos Céus antes de esgotar a paciência de seus subalternos. [3]

Não é essa uma excelente previsão da condição dos russos sob Stalin, dos alemães sob Hitler, quando a tirania do ditador plebeu chegou a maiores proporções do que a dos mais reis e imperadores mais opressores, ainda sujeitos a alguma limitação da religião e da opinião pública, que governaram no passado?

Em uma de suas passagens mais eloqüentes e prescientes, Tocqueville imagina o povo sendo seduzido, não coagido, a abandonar o exercício de seus direitos de livre vontade e livre julgamento. Levantando a questão de como o despotismo pode aparecer em um mundo sob novas formas, ele enxerga uma vasta multidão, igual em status e alienada, cada um concentrado na busca por pequenos prazeres. Então, avançando até um crescendo de visão profética, escreve:

Acima da raça humana paira um poder imenso e tutelar, que toma apenas para si o poder de assegurar suas gratificações e cuidar de seu destino. Esse poder é absoluto, ágil, regular, providente e gentil. Seria como a autoridade de um pai se, como essa autoridade, seu objeto fosse preparar os homens para a maturidade; mas ele procura, ao contrário, mantê-los em infância perpétua. É bem esperado que o povo deva alegrar-se, tendo em vista que não pensam em nada além de se alegrar. Por sua felicidade tal governo trabalha de bom grado, mas ele escolhe ser o único agente e árbitro dessa felicidade. Ele provê sua segurança, prevê e supre suas necessidades, facilita seus prazeres, dirige sua indústria, regula a derivação de propriedade e subdivide suas heranças – o que resta além de livrá-los da preocupação de pensar e do problema de viver?

A vontade do homem não é quebrada, mas enfraquecida, dobrada e guiada; os homens raramente são forçados a agir, mas são constantemente restringidos de fazê-lo. Tal poder não destrói, mas previne a existência. Ele não tiraniza, mas comprime, enerva, extingue e estupidifica um povo, até que cada nação seja reduzida a ser nada mais que um rebanho de tímidos e diligentes animais, dos quais o governo é o pastor.

Sempre imaginei que a servidão do tipo regular, quieto e gentil que acabei de descrever poderia ser combinada mais facilmente do que se imagina com algumas das formas externas de liberdade; e que isso pode até mesmo se estabelecer sob as asas da soberania do povo. [4]

Quando Tocqueville escreveu seu trabalho clássico, Londres e Paris, ao observador comum, pareciam mais próximas do eixo da política mundial do que Washington e São Petersburgo. Os Estados Unidos, sob a Doutrina Monroe [5], renunciaram a quaisquer preocupações com rixas e alianças européias enquanto punham um sinal de “Não Ultrapasse” (sem marinha alguma como apoio) no continente americano contra as possíveis intenções predatórias dos poderes colonialistas europeus. A jovem República escassamente figurava nos cálculos diplomáticos e militares da Europa.

Quanto à Rússia, era um grande poder que compartilhou com a Inglaterra a façanha da queda de Napoleão. Mas era apenas um de tais poderes, sendo os outros a Grã-Bretanha, França, Prússia e Áustria. Fora do mainstream da cultura européia, o Império dos Czares não era considerado uma ameaça que justificasse uma aliança geral dos outros poderes europeus com o propósito de impor limites a seus desígnios agressivos. Vinte anos depois, a Grã-Bretanha e a França estavam para lançar uma invasão à Rússia pela península da Criméia, um empreendimento que seria fantasticamente inimaginável para esses dois poderes hoje. Mas Tocqueville falou o que é talvez sua profecia mais conhecida, e aquela que foi mais conspicuamente defendida depois da Segunda Guerra Mundial:

Há, no tempo presente, duas grandes nações no mundo que parecem tender ao mesmo fim, ainda que tenham começado em pontos diferentes. Aludo aos russos e aos americanos. Ambos têm crescido sem se fazer notar e, enquanto a atenção da humanidade estava direcionada para outros lugares, eles assumiram subitamente um lugar mais proeminente dentre as nações; e o mundo conheceu sua existência e sua grandeza quase ao mesmo tempo.

Todas as outras nações parecem ter alcançado seus limites naturais, e apenas para custearem a manutenção de seus poderes; mas essas ainda estão a crescer. Todas as outras pararam, ou continuam a avançar com extrema dificuldade; essas estão procedendo com facilidade e celeridade através de um caminho no qual o olho humano não pode enxergar fim. Os americanos lutam contra os obstáculos naturais que se lhes opõem; os adversários dos russos são os homens. Aqueles combatem a natureza e a vida selvagem; estes, a civilização, com todas as suas armas e artes; as conquistas de um são, portanto, ganhas pelo fio do arado; do outro, pelo da espada.

O anglo-americano se firma no interesse pessoal para conquistar seus fins, e confere livre alcance para os esforços não-guiados e o senso-comum dos cidadãos; o russo centra toda a autoridade da sociedade num único braço; o principal instrumento daquele é a liberdade, e deste, a servidão. Seus pontos de partida são distintos e seus cursos não são os mesmos; todavia, cada um deles parece ter sido marcado pela vontade dos céus para guiar os destinos de metade do globo.
[6]

Essa chocante profecia segue duas outras observações judiciosas: que chegará um tempo quando 150 milhões de homens viverão na América do Norte e que produtos de intercâmbio intelectual unirão os mais remotos rincões da terra. Há pouca diferença, Tocqueville sugere, entre os europeus e seus descendentes no Novo Mundo do que havia entre certas cidades, separadas apenas por um rio, no século XIII. Desde aquele tempo, o cabo transatlântico, o avião, o rádio e a televisão, a comunicação via satélite têm acelerado fortemente esse processo de comunicação estreita entre os povos do mundo, sem, infelizmente, fazer com que seus governos sejam mais amigáveis.

A antecipação de Tocqueville sobre a futura estatura americana como uma potência mundial cresce naturalmente de um processo que ele viu em primeira mão, a construção de um continente por uma população pioneira. O que o levou a esse insight sobre a Rússia, o futuro parceiro dos Estados Unidos na dominação mundial, não está tão claro. Talvez ele tenha sido um geopolítico prematuro, reconhecendo que os enormes espaços da Rússia criavam oportunidades para uma população em crescimento que faltavam às terras quase totalmente ocupadas da Europa ocidental. De qualquer modo, mais de um século antes de Yalta e Potsdam [7], esse cientista político francês ofereceu uma sólida imagem de um mundo orientado a América e Rússia, o tipo de previsão que raramente se cumpre mais de um século depois de ter sido feita. Tocqueville também percebeu o contraste ideológico entre os sistemas russo e “anglo-americano” ao notar que o instrumento de um é a servidão, e do outro, liberdade.

À época da visita de Tocqueville, a renda per capita era desconhecida nos Estados Unidos e a taxação, em geral, leve, comparada com o que hoje é tido por certo. Ele aponta que o alto escalão do governo era frugalmente pago, de acordo com padrões europeus, mas que “enormes somas são gastas para fazer face às exigências ou para facilitar as satisfações do povo”. Ele prevê o estado vindouro das coisas na América, e registra outra de suas profecias estranhamente precisas sobre o que as futuras gerações poderiam esperar, quando escreve:

Quando os pobres dirigem os assuntos públicos e o emprego de recursos naturais, parece certo que, à medida que lucram com os gastos do estado, ficam aptos a aumentarem esse gasto.

Eu concluo, portanto, [...] que o governo democrático dos americanos não é um governo barato, como é normalmente dito. E eu não hesito em prever que, se o povo dos Estados Unidos se envolver em sérias dificuldades, sua taxação vai aumentar rapidamente ao mesmo ponto que prevalece na maior parte das aristocracias e monarquias da Europa. [8]

Teria sido impossível para qualquer um no início do século XIX prever a natureza precisa das “sérias dificuldades” nas quais o povo americano se envolveu no século XX, duas guerras mundiais e uma grande depressão, mais uma situação entre guerra e paz ao fim da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, a previsão mantém-se profundamente correta, fortificada pela astuta observação de que, como um resultado do sufrágio universal, com mais votos à disposição dos pobres do que dos abastados, a taxação deverá assumir um caráter cada vez mais nivelador. O que, é claro, foi exatamente o que aconteceu.

Analisando as novas instituições da jovem república americana, Tocqueville concedeu importância crucial à Suprema Corte [9]. A paz, a prosperidade e a própria existência da União, ele acredita, encontram-se nas mãos de seus juízes. O presidente, que exerce um poder limitado (aqui, para ficar claro, ele talvez tenha ignorado o imenso poder inespecífico do Chefe Executivo como comandante-em-chefe), pode errar sem causar maiores problemas ao Estado. O Congresso pode decidir equivocadamente sem destruir a União, pois o Congresso está sujeito a mudança por ação dos eleitores. Mas, ele continua, “se a Suprema Corte for composta de homens imprudentes ou maus cidadãos, a União pode ser lançada na anarquia ou na guerra civil”.

Decisões recentes da Corte em assuntos tais como integração escolar, redefinição compulsória dos distritos legislativos e outras matérias, indica a possibilidade de que este corpo, quando composto por juízes inclinados a decretar o que julgam como reforma ao invés de interpretar estritamente a Constituição, possa tender, talvez inconscientemente, a assumir as funções do que o juiz Learned Hand [10] referiu como a terceira câmara legislativa, ou guardiães platônicos.

Tocqueville, ainda que não fosse um opositor da democracia em princípio e tivesse sido impressionado favoravelmente por muito do que viu nos Estados Unidos (especialmente pela tendência, arrefecida em tempos modernos, do cidadão em depender de si mesmo, ou do esforço cooperativo, e não do governo central, na condução de empreendimentos econômicos), não acreditava que a democracia estava bem qualificada para a condução de relações exteriores.

Política externa demanda escassamente quaisquer das qualidades pertencentes à democracia; e requer, ao contrário, o perfeito uso de quase todas as faculdades nas quais [a democracia] é deficiente. [...] Uma democracia é incapaz de regular os detalhes de um acordo importante, de perseverar em um intento, e de trabalhar em sua execução na presença de obstáculos sérios. Ela não pode combinar suas medidas com sigilo, e não irá esperar pacientemente por suas conseqüências. [11]

O contraste entre sucesso militar e falha política em duas guerras mundiais parece confirmar a justeza dos comentários de Tocqueville sobre a inabilidade de uma democracia em conduzir política externa com sabedoria, presciência e discrição. Quinze anos antes de os Estados Unidos lançarem-se entusiasticamente na cruzada de Woodrow Wilson [12] para “fazer o mundo seguro para a democracia”, o americano médio teria encontrado dificuldades consideráveis em definir o que foi alcançado por esse abandono grosseiro do princípio da Doutrina Monroe de que, enquanto as potências européias mantivessem suas mãos longe do continente americano, os Estados Unidos se recusariam a envolver-se nas querelas e alianças da Europa.

Obviamente, o mundo não se tornou mais seguro para a democracia; o comunismo e o fascismo foram as forças emergentes após a guerra. Os Catorze Pontos de Wilson, tomados como pré-requisitos para uma paz justa, foram tão deturpados e repudiados nos acordos pós-guerra que uma ácida piada européia representava Wilson recebendo o Prêmio Nobel de matemática – por ter feito catorze ser igual a zero.

Tecnicamente, a guerra estourou porque a guerra de submarinos alemã causou a perda de vidas americanas (quase todas no afundamento de navios aliados), ameaçou o comércio americano com a Grã-Bretanha e a França, e a segurança dos empréstimos privados a esses governos beligerantes. Mas nos anos 1930, o povo americano estava tão farto com o decepcionante resultado de sua cruzada que estava pronto e ansioso por aprovar uma legislação renunciando antecipadamente aos supostos direitos que serviram de pretexto para o envolvimento na Primeira Guerra Mundial.

Nem a subseqüente Segunda Guerra Mundial foi um testemunho convincente da habilidade democrática em fazer política externa sábia, consistente e efetivamente. Os ideais positivos desse conflito, expostos na Carta do Atlântico, foram impiedosamente pisoteados de forma ainda mais flagrante e brutal do que os Catorze Pontos de Wilson. A política externa de Roosevelt, até onde possuísse algum caráter coerente, baseava-se na assunção de que Alemanha e Japão deveriam ser despidos de todo seu poder político e militar.

Isso teria feito sentido apenas na hipótese de a União Soviética não possuir planos agressivos contra o vácuo que foi criado na Europa e na Ásia pela eliminação da Alemanha e do Japão. Mas tal hipótese era um tanto despropositada em face do histórico da Rússia como um poder expansionista no passado, agravado pela ambição ilimitada do comunismo como uma fé revolucionária mundial. Igualmente absurda e inoperante era a concepção da máquina de manutenção de paz das Nações Unidas, que só seria possível se houvesse uma estreita comunhão de interesses entre Washington e Moscou.

O postulado de Tocqueville acerca da inépcia da democracia em relações exteriores foi fortalecido por um desenvolvimento que ele notou, mas cuja visão completa não pôde conceber: as potencialidades da propaganda de guerra dos modernos meios de comunicação. Foi a ausência, no passado, de uma propaganda de guerra organizada que tornou mais fácil para os diplomatas no Congresso de Viena [13] trabalharem em um acordo de paz relativamente razoável, um acordo que não contivesse as sementes de guerras futuras.

Tocqueville previu, como duas conseqüências negativas da democracia, materialismo excessivo e um novo tipo de tirania, a opressão da maioria. Em uma de suas passagens mais brilhantes, ele descreve o incansável instinto acumulativo que encontrou nos Estados Unidos e que o impressionou mais fortemente por ser ele cidadão de um país em que as raízes ancestrais são normalmente profundas:

Um nativo dos Estados Unidos atém-se aos bens do mundo como se estivesse certo de que nunca morrerá; e ele é tão ávido por obter tudo em seu alcance que alguém poderia supor que está constantemente temeroso de não viver o bastante para aproveitar. Ele agarra tudo, não solta com facilidade, mas logo arrefece a força para obter frescas gratificações.

Nos Estados Unidos, um homem constrói uma casa para passar seus últimos anos, e a vende antes que o teto esteja pronto; ele cultiva um jardim e o deixa justo quando as árvores estão começando a crescer; ele começa a cultivar um campo e deixa a outros homens a colheita. Ele abraça uma profissão e abre mão dela. Ele se firma em um canto, do qual ele logo se vai, carregando seus pertences mutáveis para outro lugar. [...] A Morte o leva no fim, mas depois que ele está cansado da fútil perseguição àquela felicidade completa que está sempre em trânsito. [14]

Ainda mais profundamente reflexivo, e profético, é seu medo da tirania da maioria que é latente em uma democracia sem freios e contrapesos. A especial tendência nos Estados Unidos no século XX de dispensar essas medidas, eleição indireta de senadores, por exemplo, e permissão de fatores não relacionados com proporcionalidade aritmética em legislaturas estaduais, e abolição de testes de leitura para eleitores, confere uma qualidade especialmente atual às reflexões de Tocqueville nesse assunto:

Eu não poderia jamais investir voluntariamente qualquer número de concidadãos com essa autoridade ilimitada que eu recusaria a qualquer um deles. [...] Eu sou da opinião de que um poder social deve sempre ser feito para predominar sobre os outros; mas creio que a liberdade é ameaçada quando esse poder não é controlado por nenhum obstáculo que possa retardar seu curso e forçá-lo a moderar sua própria veemência.

Nenhum poder sobre a terra é tão digno de honra por si mesmo, ou de obediência reverente aos direitos que representa, que eu consentiria em admitir sua autoridade sem controle e toda-poderosa. Quando vejo que o direito e os meios de comando absoluto são conferidos a um povo ou sobre um rei, sobre uma aristocracia ou uma democracia, uma monarquia ou uma república, eu reconheço o gérmen da tirania, e me afasto rumo a uma terra de instituições mais esperançosas. [15]

Tanto o fascismo, agora obsoleto na teoria e na prática, quanto a tirania mais perene do comunismo são perversões da democracia. Ambos esses sistemas alcançam o poder pelo abuso da liberdade de expressão, imprensa e propaganda que, uma vez no poder, negam a todos os seus opositores. Seria impossível dizer com precisão que proporção dos russos aprovou o golpe bolchevique de novembro de 1917, ou quantos italianos simpatizaram com a Marcha sobre Roma de Mussolini, ou qual porcentagem de alemães corroboravam a sede de poder de Hitler. O que é certo é que nem russos, nem italianos, nem alemães tiveram nada a dizer sobre seus próprios destinos depois que as três ditaduras se estabeleceram.

Mesmo quando não há possibilidade de se criar um estado totalitário absoluto, é sinal de perigo quando uma democracia começa a desgastar os freios do funcionamento de seu poder governamental. É um dos muitos méritos de Tocqueville, como um pensador profundo e profético, ter reconhecido esse sinal de perigo num tempo em que a democracia era, no geral, um prospecto do futuro.

Na época da Segunda Guerra Mundial, houve uma obsessão, sobretudo na França, com as previsões rimadas de um astrólogo francês do século XVI chamado Nostradamus. As pessoas diziam ver em suas profecias ambíguas das coisas por vir referências precisas sobre o que estava acontecendo na Europa quatro séculos depois. A dificuldade com essa teoria era que as sentenças obscuras de Nostradamus poderiam ser interpretadas de diversas maneiras. Há muito ele saiu de moda.

Mas a alegação de que Alexis de Tocqueville pode ser considerado um grande profeta reside em um alicerce muito mais sólido. Lord Acton [16] disse a seu respeito: “Ele é sempre certo, sempre sábio e tão justo quanto Aristides [17].”[18]

O número alarmante de previsões suas que se tornaram realidade não é resultado de acidente, sortuda adivinhação ou intuição inspirada. É uma conseqüência natural de uma mente poderosa e criativa, ampliada por vasta erudição e um entendimento sensível da natureza do homem e da sociedade, projetando as lições do passado e do presente para iluminar o futuro. Sua “Democracia na América” é um dos poucos Grandes Livros verdadeiros, uma obra para ser lida e relida com renovada apreciação de seus insights e visões.


Notas:

[1] Alexis-Charles-Henri Clérel de Tocqueville (1805 – 1859) foi um historiador, pensador político e aristocrata francês. (Nota do Tradutor)

[2] Andrew Jackson (1767 – 1845) foi o sétimo presidente dos Estados Unidos da América, ocupando o cargo de 1829 a 1837. (N. T.)

[3] “Democracia na América” (Oxford University Press, 1947), pp. 218, 219. (Nota do Autor)

[4] Ibid., pp. 489-91. (N. A.)

[5] A chamada Doutrina Monroe, posta em prática pelo presidente norte-americano James Monroe (1758 – 1831), era baseada em três pontos: não-criação de colônias no continente americano; não-intervenção nos assuntos internos de países do continente; não-intervenção em conflitos dos países europeus. A expressão “América para os americanos” foi cunhada pela Doutrina Monroe. (N. T.)

[6] “Democracia na América”, pp. 242, 243. (N. A.)

[7] A Conferência de Yalta (4 a 11 de fevereiro de 1945) e a Conferência de Potsdam (entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945) foram duas de três reuniões entre os líderes dos países Aliados (EUA, Grã-Bretanha e URSS) para a definição dos rumos finais da Segunda Guerra Mundial. A primeira dessas reuniões foi a Conferência de Teerã (28 de novembro a 1º de dezembro de 1943). (N. T.)

[8] “Democracia na América”, p. 135. (N. A.)

[9] Ibid., pp. 86, 87. (N. A.)

[10] Billings Learned Hand (1872 –1961) foi um juiz e filósofo do direito dos EUA. É um dos mais importantes juristas daquele país. (N. T.)

[11] “Democracia na América”, p. 138. (N. A.)

[12] Thomas Woodrow Wilson (1856 –1924) foi o 28º presidente dos Estados Unidos, ocupando o cargo de 1913 a 1921. Alguns especialistas em história americana, como Jonah Goldberg, consideram-no o primeiro líder fascista de fato do século XX (Cf. “Fascismo de Esquerda”, Jonah Goldberg, Ed. Record). (N. T.)

[13] O Congresso de Viena foi uma conferência realizada entre embaixadores das potências européias para a solução de diversos problemas de ordem política e militar do continente, como as Guerras Napoleônicas e a dissolução do Sacro Império Romano. Ocorreu entre setembro de 1814 e junho de 1815. (N. T.)

[14] “Democracia na América”, pp. 344, 345. (N. A.)

[15] Ibid., pp. 161, 162. (N. A.)

[16] John Emerich Edward Dalberg-Acton, 1º Barão de Acton (1834 – 1902), conhecido simplesmente como Lord Acton, foi um político, escritor e historiador inglês. É autor da famosa frase: “o poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe absolutamente.” (N. T.)

[17] Aristides, o Justo, (535 – 468 a.C.), foi um estadista ateniense. (N. T.)

[18] Lord Acton, “Lectures on the French Revolution”, p. 357. (N. A.)



 

William Henry Chamberlin (1897 – 1969), jornalista e historiador americano, foi editor-assistente do jornal The Wall Street Journal e autor de diversos livros, como “The Russian Revolution: 1917-1921” (1935) e “Collectivism: A False Utopia” (1937, disponível na íntegra, em inglês, aqui).

 

Publicado na revista Modern Age, nº 10, vol. 1 – Inverno 1965-1966.

Tradução: Felipe Melo, editor do blog da Juventude Conservadora da UNB.

 

 

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