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Cartas-->CARTAS PARA NINGUÉM - 3 -- 12/11/2002 - 06:22 (ROSAPIA (veja página 2)) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CARTAS PARA NINGUÉM - 3

3 de junho de 2001

Meu amigo. Levantei-me a uma da madrugada. Fiquei por aqui, passeando na Net, vendo coisas, lendo coisas, principalmente no Usina, tentando conhecer companheiros que não conheço ainda. Não tinha sono. Cansada, deitei-me às quatro horas, mas nada de dormir. A cabeça começou a funcionar, quase me endoidando. Às cinco me levantei e vim aqui escrever. Quando isso acontece eu costumo dizer que a cabeça está grávida e eu tenho que parir senão estouro... Esta é uma daquelas cartas que eu chamo de "Cartas para ninguém", porque as escrevo mesmo para ninguém (ou para todos?). Mas esta é para você. Foi com você que eu tive vontade de falar. E acho que falaria, se pudesse... se não fosse o adiantado da hora... Se isso lhe parece estranho, a mim não parece.
Ontem o Gui esteve aqui, disse que leu meu currículo no Usina e estranhou por eu não ter registrado duas traduções que tenho publicadas oficialmente. Eu até já tinha pensado nisso, mas não dou importância a essas coisas. O Gui dá e achou que eu devia registrar. Então, acrescentei um PS no meu currículo (se é que se pode chamar aquilo de currículo...). O Gui é engraçado... acho que, por força do tanto que me quer, sonha pra mim o que sonha para ele mesmo, ser descoberto como grande escritor (que de fato é), chegar ao povo que, segundo o Mílton Nascimento, "é onde todo artista deseja estar". Só que o sonho para ele é justo, está na hora certa. Para mim, não há mais sonhos, não desse tipo. Eu não preciso mais de quase nada. Reconhecimento? Para mim basta o dos amigos, e esses comparecem. Você, por exemplo, me escreveu dizendo "gostei de seus poemas eróticos". Eu fiquei contente, pois gosto também. Vivi cada um deles, cada um carrega um rosto, um olhar, um sorriso, uma ternura, além do prazer partilhado. E quando alguém se encontra em meus poemas, sinto ter cumprido a missão de "estar onde o povo está". É emocionante saber que alguém partilha do mesmo sentimento que meu coração colocou no papel na hora sublime da criação poética. Isso é recompensa. E quando recebo apreciações como a sua, eu vejo quanto sou comum, quanto estou em sintonia com tanta gente capaz de amar. Fico até um pouco convencida, sempre penso: "até que ainda dou algum caldo"... e sorrio.

Quando fui me deitar, às quatro, estava sonolenta, mas o pensamento começou a se alvoroçar. E foi no amor que pensei. Amor que vivi, vivo e viverei até morrer. Amor que soube ser paixão, todo alvoroçado, que fez muita besteira, que me deu glórias e desilusões, que se exaltava num momento e no outro parecia inerte e se extinguindo, mas sempre retornava à sua força total e partia pra outra, e outra, e outra. Amor que foi se estabilizando ao crescer e chegou à maturidade, acho até que posso dizer plenitude. E que hoje se basta e me basta, nem quer mais alçar seus vôos alucinados. É um amor, acho que posso dizer diferente, ao menos diferente dos experienciados na juventude. Porque é algo como um todo, parece não ter ranhuras, abriu mão dos ciuminhos, da possessividade, dos medos e desconfianças e dissimulações, das mazelas da gente que o contaminavam antes. É um amor de cumplicidade.

No balanço, tive dois amores que podem ser chamados de "amor maior".

Um acabou sendo bandido comigo e eu tive que sufocá-lo e até recusá-lo quando quis retornar. E o fiz sem piedade, para preservar minha dignidade. Só que ele não se apagou, não deixou de ser amor, continua vivo numa saudade mansa, com seus bons e maus momentos.

O outro, é o grande amor, o maior entre os maiores. E foi nele que eu pensei. Tentei retomá-lo, queria que fosse ele o coroamento da minha vida, a grande e definitiva glória. Desejava vivê-lo nos momentos de explosão, do gozo que parece não ter fim, como nos momentos de ternura, mão na mão, hora de ir ao jardim ver se o botão de ontem desabrochou, ver os passarinhos ciscando nos canteiros, conversar com as borboletas que eclodiram durante a noite. E o dono do meu amor vibrou em consonância, fez planos, cresceu comigo a esperança da grande realização. Lembrou que a gente não tinha mesmo feito tudo o que tinha direito, ainda tínhamos muito a ser felizes juntos. Enfim, o grande plano era viver a cumplicidade nos menores gestos e nos mais singelos sentimentos. Mas teve medo. Depois de 14 anos de separação, acomodou-se numa relação estável que não era ruim, era até boa, só que quase sem sal e com pouco açúcar... Teve medo de mexer no que não era bom nem ruim, não era quente nem frio, o detestável morno. E não conseguiu vencer o temor, preferiu acomodar-se à vidinha sem graça mas com pose de garantida. Sabia que comigo não seria assim - ah, não -, pois me conhecia muito bem. Só ele conhece cada preguinha do meu coração, sabe antes de acontecer cada reação minha. Conhece meu lado doce, quando me chamava "linda" e sabe bem - como sabe! - o meu lado azedo-amargo, quando me chamou "dona onça"... Só com ele mesmo poderia ser vivido o grande amor! Tudo o mais, agora, seria paliativo à solidão. E paliativo me parece muito pouco a esta altura da vida.

Quando digo que tenho 200 anos, não é só brincadeira. Estou falando da vida vivida, sempre curtida com a mesma intensidade nos momentos de dor e de alegria. Essa vivência ultrapassou os limites da idade cronológica. E você captou isso quando pensou em escrever a minha biografia. Realmente, não só a minha, mas a vida de toda gente merece ser contada ou mesmo escrita. Acho até que seria emocionante, mas isso não combina comigo. Vou contando minhas histórias, vou passando minhas impressões, vou espalhando as reflexões que ficaram como fruto das experiências, para um aqui, outro ali, e no fim acabo dividindo a energia que as emoções foram acumulando em meu coração. Isso é que importa, porque isso é eterno.

Por que eu quis falar tudo isto a você eu nem questiono. Não questione também, apenas me acolha como tem feito neste tempo de troca em que nos damos a conhecer.

Um beijo, meu amigo. E meu carinho também. Gosto muito de você.


03/06/2001

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