Seria propriamente insano eu não estar pensando em nada do que acontece aqui embaixo? Lojas, hospitais, tudo fechado. O Rio de Janeiro com ar de angustia e eu com ar de desentendida. Um amigo passa por mim e diz que me acostumo rápido com a violência. Mil vezes não! Só estou um pouco fora de órbita. Ouço no rádio que a faculdade que estudei está sendo trancada. Tiros? Onde mesmo? Começo a ficar entediada. Presa na expectativa de não voltar para casa. E o pior: esqueço do problema e penso no amor.
Insano pensamento. Eu aqui pensando no amor, enquanto vejo pessoas correndo e ouço barulho de portas fechando. O que o amor tem a ver com isso? Tenho medo de ir para casa. Tenho medo de ficar.
O amor inflama como tiros no Rio de Janeiro. Queima como o prédio da Caixa Económica que desaba seus pedaços bem aqui na minha frente. O amor tem o mistério da revelação. Dos culpados. Comandantes e comandados.
Um senhor conta o improvável boato sobre o assunto: Fernadinho Beira Mar não teve direito a nenhuma "visita íntima", por isso, a confusão no Rio. Amor? Ele fecha a cidade por amor?! Não dá para acreditar.
Preciso de um sorvete de manga. Sim, é esquisito! Corro para o shopping, não me deixam entrar. _ Mas é amor, seu policial! Grito em desespero.
Vou embora.
A casa está perto. As pessoas andam apressadas. O comercio está fechado. Parece mais um cortejo fúnebre de cidade do interior, onde o amor morre e todos reconhecem. A locadora está com uma porta aberta. Filmes de romances passam. O taxista pergunta porque estou tão tranquila. O sol vai embora.
Amor, estou em casa.