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Contos-->O QUARTO -- 28/07/2000 - 15:54 (Leonardo Almeida Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O barulho da cadeira esfacelando-se contra a porta era tremendo e pouco importava que pedaços do móvel pulassem pelo corredor, o objetivo era derrubar aquela porta, a qualquer preço, e desvendar todo o mistério.
As luzes haviam recomeçado o tétrico espetáculo: vazando pelas frinchas da madeira, projetando-se pelo chão, resvalando na poeira suspensa no ar. O zumbido havia desaparecido, o silêncio no interior do quarto berrava em seus ouvidos, era necessário acabar de uma vez por todas com aquela brincadeira infernal, de hoje não passaria o segredo daquele quarto.
Esta é uma narrativa de suspense, de mistério e de procura. Dizendo melhor, é uma narrativa que pretende criar suspense a partir da história fantástica de Wladimir. Dessa forma, procurarei utilizar a receita sacramentada por vocês na leitura de setecentas mil estórias semelhantes a esta que se inicia. Para começar, se bem aprendi a lição, julgo ter efetuado a tempo o corte na história, resguardando o suspense; é preciso que situemos sua leitura no tempo e no espaço, ou não ? Tenho lá minhas dúvidas, entretanto, será dessa maneira ou não será.
Voltemos um pouco no tempo, alguns dias antes da cena antecipada no parágrafo inicial. Wladimir Schwantes é um velho bancário aposentado. Cabelos loiros e muito finos enraízam-se sobre uma cara vermelha e gorda, explicitamente germânica. Bonachão por natureza, celibatário por necessidade, nazista por convicção, brasileiro por castigo, assim se define nosso personagem aos raríssimos amigos que possui.
Seu apartamento, no terceiro andar de um velho edifício sem elevadores, ostenta um estilo franciscano de decoração. O mobiliário do Sr. Schwantes restringe-se a uma velha cama de madeira, uma cadeira de palha de balanço e uma escrivaninha muito antiga, onde alguns livros empoeirados testemunham sua inutilidade para o "velho alemão", apelido que lhe deram os vizinhos.
Como funcionário aposentado de um grande e tradicional Banco é incrível que esse homem contente-se com tão pouco. Seus hábitos são simplórios, jogo de cartas nas noites de sábado com os parcos amigos; alguns filmes de aventura deglutidos nas sessões vespertinas e, eventualmente, um porre ou outro de vinho, quando escandaliza a vizinhança com seus discursos racistas e suas profecias sobre a volta de um novo Hitler. Nessas ocasiões faz-se necessário que alguém, literalmente, o arraste para o quarto onde, após passado o pileque, recolhe-se por dias seguidos ruminando a vergonha e despendendo horas intermináveis em conversas com Goebbels, um canário.
Wladimir tinha um sonho que cultivara minuto a minuto durante vinte e cinco longos anos. Para concretizá-lo poupou grande parte do salário numa conta corrente de um banco alemão com sede em São Paulo. Era uma maneira de evitar que bisbilhotassem sua vida bancária. O sonho, enrustido durante todo esse tempo, estava prestes a se concretizar. Havia juntado quantia suficiente para a aquisição de uma bela fazenda na região norte do estado, município de Horizontina, próximo à fronteira com a Argentina e o Estado de Santa Catarina.
Queria distância de Caxias do Sul, daquela gentinha impura, dizia, maculada por gerações de negros e carcamanos e, tragédia total, judeus. Iria construir seu reich privado, sozinho se necessário fosse, mas erigiria, em terras gaúchas, uma sucursal gloriosa do paraíso ariano onde pudesse partilhar, em paz com outros wladimires, os ideais sagrados da nobre raça.
O negócio deu-se por fechado dois dias antes que Wladimir abandonasse a cidade, numa madrugada fria e chuvosa de outubro, e rumasse, num conservado Volkswagen 67, em direção à terra prometida. Goebbels, silente e assustado, equilibrava-se desajeitadamente na gaiola, sobre o banco traseiro do automóvel.
A venda do apartamento em Caxias rendera-lhe algum capital, o suficiente para empreender os reparos que necessitava fazer em "Ostara", nome que dera à antiga fazenda. O nome surgira-lhe como uma forma de homenagem a uma revista homônima que circulara em Viena por volta de 1913 e que defendia a superioridade ariana.
O velho fusca rasgou a madrugada em direção ao oeste do Estado, Wladimir assoviava um antigo samba de Lupicínio Rodrigues, o sol não tardaria, deixava para trás, além dos surrados móveis, a insignificância e o vazio de uma vida inteira.
A fazenda possuía terras férteis que eram utilizadas, que desperdício, para a criação de gado. Algumas poucas cabeças, magras e maltratadas, pastavam estupidamente naquela tarde gloriosa. O capataz veio receber o novo dono com o sorriso desdentado e a pele escura o que, para Wladimir, constituía redundância uma vez que, sob sua ótica enviesada, a pele escura é a cárie da espécie humana. Um rapaz malhado pela terra a demonstrar insegurança quanto à manutenção do emprego na fazenda. Seu temor dissipou-se no convite imediato formulado por Wladimir, queria trabalho e honestidade.
José, imigrante baiano, apresentou-lhe a família, mulher grávida e três meninos machos, e mostrou-lhe detalhadamente a fazenda. Não que Wladimir não a conhecesse, ele a visitara algumas vezes durante a fase de negociação para a sua compra, mas os olhos agora eram outros. O prazer da visão suplantara o sonho, antes via com o coração nas nuvens, agora via com o coração na lama do curral, pisando em bosta, pulando poças, atravessando cercas de arame farpado. Aquilo não era mais o "possível", era fato.
Não existia mais a fazenda Nova Horizontina, havia Ostara. Tudo meu, pensava e regozijava-se. A terra e tudo que nela está tem novo dono, eu, Wladimir Schwantes, senhor do mato, das cercas, das árvores, dos veios d’água, das casas, do gado estúpido, dos nordestinos miseráveis que mendigam minha atenção e poluem o ar com sua presença estúpida. Sentia-se flutuar, embora atolasse os sapatos no terreno encharcado pelas chuvas fortes que caíram nos dias anteriores.
A casa grande estava em péssimo estado. Algumas telhas, não resistindo às chuvas sucessivas e ao abandono de alguns anos, haviam escorregado, deixando grandes brechas no telhado. A água infiltrara-se nas paredes do início do século fazendo surgirem grandes manchas negras, sobretudo na sala ampla e fria. Os quartos, três, sucediam-se como baias ao longo do corredor escuro que desaguava caudaloso no banheiro, onde o abandono não era tão evidente. Talvez estivesse sendo usado pelos macaquinhos do nordeste, que audácia dessa sub-raça, pensou Wladimir com a sua inerente humanidade, assentar essas bundas podres e subdesenvolvidas no meu sanitário. Despejar suas merdas ralas em meu banheiro. Resolveu que sua primeira medida seria desinfetar o lugar com todo o álcool que dispusesse, nem que para isso secasse sua garrafa de vodca.
A cozinha, como de resto todos os ambientes da velha casa, era ampla e solenemente silenciosa. Janelões de madeira infestavam as paredes, contara três deles na sala, dois na cozinha, um no escritório, ou coisa que o valha já que era um recinto repleto de estantes sisudas de madeira rústica enegrecida, um em cada quarto, embora não tivesse conseguido abrir a porta do dormitório do meio, algum defeito na fechadura gasta e muito antiga, pensou. O casarão era totalmente avarandado, piso de pedra que lhe conferia ares de castelo medieval. O telhado aparente ostentava teias de aranha e fendas enormes por onde se podia ver o céu cinzento ameaçando chuva.
José desculpou-se pelo estado deplorável do casarão mas também, fazer o quê ? sem dinheiro nem para comprar remédio pra caganeira dos meninos, disse simplório enquanto coçava a cabeça e exibia um olhar resignado. Era preciso reformar o telhado com urgência, a madeira poderia estar apodrecendo, se é que já não estava totalmente podre e perdida, pela ação das chuvas e cupins - que eram muitos, registrara a presença deles em sua inspeção - ameaçando cair a qualquer momento.
Wladimir interrogou o capataz sobre o que havia dentro daquele quarto fechado. Num sei não senhor, desde que nóis veio pra cá que aquele quarto tá assim. Que gentinha preguiçosa essa, pensou Wladimir, que falta de iniciativa. Vêm com essa desculpa esfarrapada de dinheiro, que dinheiro o quê ! será que é preciso dinheiro para trepar num telhado e recolocar umas telhas no lugar ? será que é preciso dinheiro para limpar as paredes e o chão de uma casa ? dinheiro para cortar o mato que toma conta da estrada ? Uma corja de preguiçosos isso sim, sub-raça. Deixar um quarto trancado durante anos, na certa para não ter o peso na consciência de que deixou de limpar três quartos ! Mas isso também é culpa do antigo dono, como é que alguém deixa um patrimônio como esse desintegrar-se nas mãos de um macaco nordestino ? Tá certo, desgosto, a filha única morreu de câncer, a viuvez logo em seguida, a velhice solitária, mas isso não justifica, é falta de respeito com a propriedade. Paciência, agora são outros tempos. Botarei essa canalha na linha, o casarão nos trinques e Ostara no lugar de direito.
A noite aproximava-se lentamente, no ritmo das raízes, primeiro colorindo de vermelho a copa das árvores e a linha do horizonte, depois tingindo de violeta o gramado e os chifres no pasto e finalmente borrando com nanquim as casas e os homens. A Companhia de Energia do Estado havia cortado o fornecimento de energia elétrica para a novíssima Ostara, fato que despertou a ira no velho bancário aposentado. O corretor havia-lhe assegurado que o pagamento de todas as taxas e impostos estava em dia. Safado, sem caráter, urrou. José forneceu-lhe algumas velas enquanto recebia a relação de atividades para o dia seguinte: o telhado, o mato, a cerca, etc.
O futuro radiante de Ostara e Wladimir iniciava-se no breu e no comentário definitivo de José. Perguntou-lhe o capataz se tinha medo da noite. Ora, respondeu-lhe o intrépido Wladimir, tenho lá cara de nictófobo ? O pobre José não sabia o que era aquilo, mas insistiu na pergunta: O senhor tem medo de escuro, de barulho da noite, assombração ? Percebendo uma intenção por trás da curiosidade do caseiro, Wladimir interessou-se pelo porquê da pergunta . José, fazendo o sinal da cruz, começou a contar-lhe a história que vivera com os próprios olhos e ouvidos.
Uma certa noite, ele e Vitória foram despertados por sons estranhos que partiam do casarão. Eram sons que nunca tinha ouvido, não eram de gente, nem de bicho. Parecia ser coisa de outro mundo. Assustados, permaneceram acordados durante toda a noite. No dia seguinte, José inspecionou o casarão e não encontrou nada além do que estava antes. Naquela noite os barulhos retornaram, mais fortes. Outra inspeção, nada. Noite após noite sucederam-se os concertos infernais. Já se acostumavam com o insólito, Vitória já não perdia o sono nem rezava o terço a cada estrondo. Certa noite, criando coragem, José resolveu arriscar uma observação daquela esculhambação. Aproximou-se do casarão e, já tremendo, percebeu que uma luz encarnada saía do corredor, coisa do capeta; pé ante pé, enxada nas mãos sem controle, observou, da sala, que o foco de luz estava no quarto do meio, aquele que o senhor não conseguiu abrir. Coragem tem limite e bobo é quem se mete com coisa do cão, saiu do jeito que entrou, tentando não chamar a atenção da coisa que brilhava no quarto, embora as pernas insistissem em empreender desabalada correria. A coisa parou uns tempos, mas de uns dias pra cá voltou com força total, o senhor vai ver se dormir aí hoje.Tô lhe perguntando por que se o senhor quiser pode dormir lá em casa, tem sempre lugar pra gente de bem.
Era só o que faltava, pensou Wladimir, dormir sob o mesmo teto com esses pretinhos barrigudos. Que ousadia desse moleque. Dinheiro pra remédio não tem, mas pra encher o rabo de aguardente e ficar ouvindo coisas pela noite, ah, isso não falta. Wladimir assegurou-lhe de que estava tudo bem, de que não era homem de temer barulho que não fosse o de um revólver e que, se por acaso acontecesse de aparecer a tal luz encarnada, ótimo, economizaria velas. Recomendou que José levantasse cedo e que não toleraria se não o visse pela manhã realizando as tarefas que lhe ordenara. Conferiu no relógio, sete e trinta. Até amanhã, despediu-se de José que após um boa-noite emendou um Deus-te-proteja.
Gostando da narrativa ? Na certa você pretende saber o desfecho dessa história toda, não é mesmo ? Um conselho : não leia esse conto até o final.
Esqueci de dizer que Wladimir adquirira a fazenda com tudo o que havia no terreno e nas casas. Assim, herdou os móveis do antigo e infeliz proprietário. Na varanda, de frente para a entrada da fazenda, dois bancos de madeira, muito compridos, estavam encostados à parede, logo abaixo dos janelões decadentes. Alguns vasos, espalhados pelo chão, continham plantas que, pelo abandono, encontravam-se em péssimo estado: samambaias desgrenhadas, jibóias arrepiadas, brincos-de-princesa desesperados, violetas raquíticas, ervas daninhas em profusão.
Na sala, o mobiliário inspirava tradição, uma mesa enorme de madeira nobre ladeada por doze empertigadas cadeiras; uma imponente cristaleira em estilo inglês atestava um passado longínquo abastado; um lustre pendia triste do teto e alguns quadros, todos com motivos silvestres, embaçavam as paredes silenciosas. Wladimir olhava tudo aquilo com o orgulho típico de quem alcança um objetivo árduo. Tudo isso é meu. Fruto de meu suor atrás daquele guichê estúpido, contando ninharias, ouvindo reclamações atrevidas desses índios, mein Kampf, pensou vitorioso, não foi em vão. Conferia o estado das cadeiras, algumas necessitariam reparos, os pés bambos, a madeira rachada. A mesa não, estava intacta, bela e imponente como uma walkyria.
Achou que essa noite mereceria o som de Wagner embrenhando-se pela mata, invadindo as paredes, sacudindo os telhados. Cada acorde, multiplicado por possantes alto-falantes, ecoaria pelo pasto, dignificaria nossas almas trágicas. Mesmo a sub-raça, que a essa hora dormiria com sua sina servil, brindaria àquela experiência sem par. Wagner cavalgaria meus ouvidos, nibelungos em cada moita verde, Walkyrias sobre a copa das árvores, a música dos deuses arianos seria a redenção desse abandono imperdoável. Ostara brilharia como nunca, era uma promessa, pensava enquanto espanava, à luz de velas, as teias de aranha que confundiam a paisagem de um dos quadros.
Abriu a garrafa de vodca e sentou-se na varanda ouvindo o silêncio da noite. Um vento persistente anunciava a proximidade da chuva. Noite negra, nenhum ponto de luz no seu campo de visão. Horizontina, a cidade mais próxima, ficava à vinte quilômetros dali, logo atrás de uma pequena serra. Da varanda podia ver apenas o que imaginava: a fazenda recuperada, o gado forte, a cerca reconstruída e uma guarita de pedra na entrada de Ostara. Via com a clareza da vodca e do desejo, lá estavam eles, Siegfried e Wotan, meninos loiros, fortes, bochechas avermelhadas pelo sol e pela nobreza, correndo orgulhosos à cavalo; uma mulher robusta, de nome Brunhilde, longos cabelos loiros, lábios finos, servindo-lhe vinho e uma bandeja de salame. Maravilhava-se com essas visões. Por que não ? Não era tão velho assim, poderia finalmente constituir uma família digna, pura, decente. Bebericava na própria garrafa , estatelado no banco de madeira.
Acordou sobressaltado com um estrondo vindo do casarão. Chovia torrencialmente, o que fez com que duvidasse da origem do som, um trovão ? Goteiras grassavam na varanda e o vento mordia tudo. A cabeça rodando, ainda sob o efeito do álcool, secara a garrafa. A escuridão era total, as velas consumiram-se por completo, dormira horas seguidas. Apoiando-se nas paredes, adentrou a sala a tempo de ouvir mais nitidamente um som que lembrava-lhe pancadas secas. Não havia mais do que duvidar, o barulho estava na casa. A água escorria pelas paredes, despencava do telhado. Goebbels alvoroçava-se na gaiola, agitava as asas freneticamente parecendo querer fugir a qualquer custo. Embora o negrume grudasse em suas pupilas, podia perceber um tênue foco de luz que partia do corredor. Lembrou-se da história contada por José, mas não tremeu, fosse por que o estado de embriaguez amortecesse-lhe os sentidos, fosse por que era esse o seu comportamento habitual diante de situações limite.
Os sons eram grotescos, lembravam gritos, às vezes gemidos, ora desespero, ora dor, eram sons tenebrosos, e aquelas pancadas. A luz vermelha, embora tênue, era suficiente para que enxergasse toda a sala. Dirigiu-se ao corredor e pôde ver que o fenômeno se dava justamente, como lhe havia assegurado o capataz, no quarto lacrado, o quarto do meio. Aproximou-se da porta e tocou-lhe de leve, pareceu sentir a pulsação da coisa que se manifestava logo atrás da madeira.
A luz oscilava em potência, ora assumia as proporções de um enorme holofote e rasgava as frestas da porta, sob e sobre ela, colidindo em vermelho sangue na parede do corredor; ora beirava a intensidade de um palito de fósforo aceso. Eram uivos que se multiplicavam como que amplificados, berros lancinantes, mugidos melancólicos, como se todas as criaturas do inferno estivessem aprisionadas naquele quarto.
Desferiu violentas pancadas na porta o que lhe valeram ferimentos nas mãos anestesiadas pela vodca. Nada. Os sons continuavam, a luz fraquejava, tornava a brilhar, desmaiava, rebrilhava, e assim o espetáculo tétrico transcorria sem explicação plausível. Correu para a sala, pegou uma das cadeiras, e retornou ao corredor com a intenção de derrubar aquela porta. A cadeira era de pura madeira de lei, pesada o suficiente para provocar alguns estragos naquela fechadura enferrujada.
Caro leitor, desculpe-me essa nova interrupção. Devo alertar que, para seu próprio bem, suspenda a leitura dessa história. Já. A partir de agora, retomamos o parágrafo inicial dessa narrativa, caminhamos para o surpreendente desfecho da história de Wladimir Schwantes.
O barulho da cadeira esfacelando-se na porta era tremendo e pouco importava que pedaços do móvel pulassem pelo corredor, o objetivo era derrubar aquela porta, a qualquer preço, e desvendar todo o mistério.
As luzes haviam recomeçado o tétrico espetáculo: vazando pelas frinchas da madeira, projetando-se pelo chão, resvalando na poeira suspensa no ar. O zumbido havia desaparecido, o silêncio no interior do quarto berrava em seus ouvidos, era necessário acabar de uma vez por todas com aquela brincadeira infernal, de hoje não passaria o segredo daquele quarto.
A trégua dada pelos sons atiçava sua curiosidade. Que coisa fantástica se manifestava atrás daquela porta ? Dirigiu-se para fora do casarão, abriu o capô do fusca e armou-se com uma chave de roda. Os gritos recomeçaram, agora mais fortes e assustadores. Ao diabo com os gritos, gritou enquanto marchava decidido cantando o "Deutschland über Alles".
Entre a porta e o piso de pedra começara a sair, além da luz, uma fumaça inodora. Seria poeira ? Não, não era. Era fumaça mesmo, vapor quente, sentia o calor emanando do quarto. As pancadas aumentaram seu ritmo. Os trovões sucediam os relâmpagos. Goebbels mutilava-se na gaiola. A água no interior do casarão corria como um pequeno rio assustado, recebia afluentes da cozinha, do corredor e dos quartos. Estranhamente, daquele quarto infernal não saía água alguma, apenas fumaça, calor, luz e gritos.
Wladimir introduziu, entre a porta e o portal, a ponta mais fina da chave de roda e forçava a fechadura. O suor escorria pela testa, encharcava a camisa , as mãos sangravam mas ele estava decidido. Não demoraria muito, já sentia as dobradiças gemerem entre os ruídos fantasmagóricos. Agora... - tremia com o esforço sobre-humano que se lhe apossara - agora vai ! A porta abriu-se violentamente, subjugada pelos músculos alcoolizados do velho alemão. A luz agora projetava a sombra obesa de Wladimir na parede do corredor, seus olhos ofuscados lutavam por acostumar-se àquela luminosidade.
Dentro do quarto, Wladimir exclamou : Meu Deus ! Pôde, finalmente, ver extasiado o que José evitou contemplar.

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