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Contos-->O PAVÃO LOUCO -- 06/01/2003 - 09:36 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
I

Cheguei do mafuá depois das 13:00. Entrei em casa sob o calor tórrido dos primeiros dias do verão.

Adentrei na sala e tirei logo a camisa que estava empapada com suor. Ao me sentar, no sofá vetusto, minha honorável consorte abordou-me perguntando:

- Sabe quem morreu? - Olhei pra ela por cima das lentes finas dos meus óculos e respondí que não tinha a mínima idéia. Mas não contive a curiosidade e quis saber quem era. Ela disse que o Vivi tinha batido a caçoleta e que o corpo estava no velório. O enterro sairia no dia seguinte às dez horas.

Condoído pronunciei alguma coisa em homenagem ao fenecido e prometí que o veria pela última vez lá no velório.

Tomei um banho espumante e depois da novela das oito, dormí pesadamente.

No dia seguinte postei-me num dos pontos de ônibus, que em tese, me levaria até onde jazia o conhecido.

Mas a demora foi tanta que me ví agastado. Ponderei que se iniciasse a caminhada logo no momento em que parara no ponto, teria chegado antes, da jardineira, ao meu objetivo.

Porém, deixando o desgosto de lado, e subido no coletivo, aos solavancos e freadas, aceleradas raivosas e olhares punitivos, do condutor do veículo, aos motoristas diversos, fomos conduzidos até o guardamento.

Entrei. Tinha que me certificar, para não dar vexame, que o corpo alí estendido era do Vivi. O caixão permanecia com a cabeceira quase encostada na parede do fundo. A tampa do ataúde, apoiava-se na mesma parede, mas ao lado do castiçal esquerdo que emitia luz frágil e amarela.

Algumas pessoas sentadas nas cadeiras pretas almofadadas dispostas em torno do morto cavaqueavam em tom baixo.

Aproximei-me e alí estava aquele que sempre fora um brincalhão. Persignando-me orei pela alma do amigo. Não ouvia os conselhos insistentes para que parasse com a pinga. Olha aí no que deu. Tá vendo? Mas o que era aquilo alí perto do algodão que fechava a narina direita do defunto? Um carrapato estrela, uma mosca? Ora, era um inseto que não tinha qualquer consciência de que tripudiava nos resíduos da meleca do coitado.

Mas como espanta-lo? Havia por cima do rosto marmóreo um tecido de filó que não permitiria qualquer fuga. Outras pessoas foram chegando e abandonei a idéia de espantar o explorador de extintos.

Um menino com cara de malvado entrava de mãos dadas com seu pai. Depois que pararam defronte ao cadáver, o guri perguntou:
- Pai, o que aconteceu com ele? - O velho explicou que a vida cessara e que ele entrava agora em outra dimensão. Seria levado para o jazigo.

- Mas na tumba não faz muito calor? - perguntou num repente o moleque. O pai deu-lhe um safanão que lhe derrubou o boné.

Saí de onde estava e sentei-me numa das cadeiras.

Logo uma senhora chorosa se aproximou e sentou-se pesadamente. O móvel rangeu sob o peso do seu corpanzil. Com o lenço branco nas mãos limpava os olhos e assoava, de tempos em tempos, o narigão cuja ponta já estava avermelhada.

A comoção e o abatimento eram dominantes. Mas lá pelas tantas a turma da folia vinha chegando. Eram aquelas pessoas, que de certa forma tinham suas vidas ilibadas, mas que por alguma função, como direi, desviante e perfunctória do genoma constituinte, não estavam nem aí para as conseqüências aflitivas do desmoronamento contundente. Por isso logo que renderam homenagens simples ao ex-companheiro, puseram-se a contar chalaças picantes, movidos a café e Adocil.

Mas chegava o momento em que se fechava o esquife e, de bólido contido, se conduziria os restos mortais daquele que fora o único biriteiro componente do grupo seleto das pessoas de bem, cuja honorabilidade jamais haveria de ser contestada, mesmo que para o desespero da viúva legítima, as mariposas aflitas se inquietassem em saber ostensivamente, naquele ambiente lúgrube, se teriam direito às propriedades do morto, por terem vivido tempos imensos de contubérnio agitado.

Mas eis que de inopino, chega um funcionário da funerária concorrente. Cochichando algo no ouvido daquele que já fechava o esquife e convocando três pessoas, alí mesmo retira o corpo da urna, recolocando-o em outra.

Bafafá sentido. Auê incontido. Zunzunzum cavernoso.

Foi difícil a superação do incidente pelos presentes. Mas os assuntos seguiram-se uns aos outros e o papelão vexante esquecido. A explicação para o fiasco era a existência de uma dissidência entre as duas únicas funerárias que prestavam seus serviços na cidade.

II

Já ao lado da cova, aguardando o momento em que o corpo seria baixado à sepultura, achei que deveria perguntar qual teria sido a real causa da morte do Vivi. Cristiane, que estava ao meu lado respondeu que ele havia discutido com uma empregada e que esta, descontente teria resolvido fazer alguns despachos de magia negra.

- Foi macumba da brava então? Por quê ela não fez uma Reclamação Trabalhista?

- Foi sim. Mas não da Seita Malígna do Doutor Val.

- Se não foi da S.M.D.V., da qual teria partido a macumbagem?

- De uma seita nova que surgiu há alguns anos. É a S.P.L.

- S.P.L.? Mas o quê é isso? Eu estava afoito de curiosidade.

- É a Seita do pavão louco. - Informou Cristiane serena.

Longe das considerações filosóficas sobre a proliferação das seitas abusivas da ignorância dos ingênuos, dirigí minhas últimas preces a Deus para que recebesse Vivi, meu grande considerado, que por negar o pagamento da bimbada à sua empregada, que deveria com tal ato cientificar toda a turma sobre a potência ou impotência dum gordinho bufão, pagou com a própria vida, aquela ignomínia.









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