RECADO SEM DONO
Obrigada por tentar
meus sonhos povoar.
Vale a intenção.
Mas nem sei se inda sonho.
Se sonho, dormindo, esqueço.
Acordada, já não sonho.
Descrente que sou,
e sempre fui,
nos sonhos acreditava.
E sonhava.
Nem isso mais.
Não dá mais para crer,
ou um sonho tecer.
A realidade tanto fez,
que me acordou de vez.
Quero um sono sem sonhos,
como morrer.
Anoitecer, deitar, dormir,
e não amanhecer.
Como todos, certamente não terás
estrutura pra me ver assim.
Isso é o que todos dizem.
Acostumados a me ver cantando,
rimando,
sorrindo...
nunca chorando.
Quando gemo,
é gozando.
Se choro,
ou me ignoram,
ou saem reclamando.
Alguns ainda tentam
com palavras ilusórias:
é preciso reagir,
é preciso voltar a sonhar,
a sorrir,
a encantar
com a alegria da poesia.
Palavras vãs de quem não conhece a solidão.
Todo o mundo fala nela,
só sabe mesmo quem vive dentro dela.
A solidão não é poesia,
a poesia é cheia dos poetas que devora,
a solidão é vazia.
E nela sempre tem espaço,
um espaço sem fim,
esse espaço pra onde fico olhando
noite e dia,
ouvindo vozes e sons que não existem,
esperando alguém
que nunca vem.
E quando me convocam,
sempre respondo:
claro, estou aqui...
e lhes faço companhia.
Quanta ironia!
Se necessário, fico a noite inteira,
e o dia também.
Quando preciso, não...
não vem ninguém...
Todos têm estrutura
pra receber meu amor,
mas ninguém tem
para assumir quem sou,
a verdade que sou.
Se não tens estrutura,
esquece.
Não sinta pena
nem me ofenda com alguma prece.
Sai apenas... sem explicar...
Mas se tiveres estrutura,
basta me olhar com ternura
e voltar....
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