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Ensaios-->PERSPECTIVAS NARRATIVAS DO SUJEITO ACTANTE DICOTÔMICO -- 13/01/2014 - 15:14 (Eduardo Amaro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PERSPECTIVAS NARRATIVAS DO SUJEITO ACTANTE DICOTÔMICO DE COBRA NORATO À LUZ DA SEMIÓTICA GREIMASIANA E DA CONCEPÇÃO MÍTICA DE JOSEPH CAMPBELL.

Neste ensaio, utilizaremos a semiótica greimasiana para nos situarmos em relação à mecânica do texto, estabelecendo parâmetros analíticos, provaremos que Bopp inovou em certos aspectos, no entanto, em outros, seguiu a tradição já apresentada por Campbell para o herói mítico e, por fim, teceremos considerações a respeito do narrador de Cobra Norato, baseando-nos no estudo semântico que este texto nos propicia explicitar.
O texto em análise, Cobra Norato, publicado originalmente em 1931, insere-se no pensamento modernista brasileiro. Ele mescla características de duas vertentes: da tradição popular e das experiências vividas pelo próprio autor, que viajou pelas terras amazônicas, obtendo contato direto com a realidade daquele lugar. Fragmentos mítico-folclóricos unem-se a impressões subjetivas do narrador, resultando em uma obra multifacetada, plurissignificativa e poética.
O diálogo entre o nacional (cultura indígena) e o moderno (as máquinas que aparecem na narração, por exemplo), entre o mito e a realidade humana, entre o selvagem e o urbano, transforma-se em uma unidade poética dialética, que obriga o narrador a encontrar artifícios para que possa se locomover e conviver pacificamente neste contexto. Maestro na arte literária, Bopp resolveu esta questão de uma forma brilhante: colocou seu narrador dentro do mito, fazendo-o “dormir” para acessar, assim, o universo mitológico (floresta cifrada).
É característica deste período a inovação estética, que busca romper com o tradicional. Até que ponto Bopp inovou e em que aspectos ele ainda é tradicional? Além disso, a matéria narrada (assunto) também adquiriu relevância para o modernismo, os escritores voltaram os seus olhares para temas nacionais e, sob esta perspectiva, Cobra Norato insere-se com perfeita adequação.
Em primeira instância, pensemos no motivo norteador da poesia, por que a escolha de Cobra Norato? A resposta encontra-se no ideário modernista, que buscava nacionalizar a nossa literatura. Para Bopp, ao menos no nível do discurso, versar sobre um mito amazônico representaria uma originalidade desconectada da influência estrangeira, apesar de haver nítida influência de escolas europeias na sua narrativa, como o futurismo.
Se, por um lado, o motivo nos leva a um divórcio, por outro, a estrutura mítica do poema de Bopp, em seu enredo, segue quase que integralmente a tradição, já representada por Campbell em “O herói de mil faces”.
O esquema proposto por Campbell descreve a aventura segundo o padrão: separação, iniciação e retorno, apresentado nos ritos de passagem de diversas culturas e épocas, dentro dos seguintes acontecimentos: o herói, homem ou mulher, é convocado por um arauto (o destino), para realizar uma tarefa difícil ou penetrar numa zona de perigo, vigiada por entes perigosos – os guardiões do limiar -, recebe o auxílio do guia, entra no ventre metafórico da baleia, onde luta com um monstro terrível”, ao vencê-lo, recebe como prêmio a cativa (o objeto de busca) e retorna triunfante para o seio da comunidade. (CARDOSO, 2008, p.118)

Tal como na icônica epopeia italiana, nosso herói reptiliano é acompanhado por um Virgílio tupiniquim, o Tatu-de-bunda-seca, que o salva em uma determinada instância do enredo e passa a guia-lo a partir deste acontecimento. Outro aspecto que insere Cobra Norato na tradição literária.
Vejamos como o narrador se comporta durante o enredo para comprovarmos esta ideia e aprofundarmos as nossas interpretações.
A história começa como uma verdadeira fábula, exprimindo o primeiro objeto do sujeito actante. Após fazer um feitiço, ele chama Cobra Norato (o mito) e conta uma história. Esta é, na verdade, um engodo, pois há uma intenção oculta: ele deseja ser o mito.

Um dia
Ainda eu hei de morar nas terras do Sem-fim.

(...)

Brinco de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a cobra
Agora sim
Me enfio nessa pele de seda elástica
E saio a correr mundo
(BOPP, 1956, p.19)


O narrador entra literalmente no mito, ou seja, ele assume a aparência e toma a perspectiva de Cobra Norato.
O sintagma “Sem-fim”, um dos objetos do sujeito actante (morar nas terras do Sem-fim) funciona como um ótimo referencial de imagem acústica para liberar na consciência humana a noção do imaginativo, corroborando, desta forma, para a construção do narrador mítico. Ademais, faz uma aliança semântica com a realidade amazônica, despertada pela imagem mental de um horizonte sem fim.
Nestas primeiras incursões no texto literário, já percebemos que o narrador (humano) deseja viver o mito, incorporando-o ao seu significado. Após esta constatação, percebemos que ele revela o seu segundo objeto de desejo, “casar com a filha da rainha Luzia” para, em seguida, submergir no mundo mítico, por meio do sonho. Comprove:

Vou visitar a rainha Luzia
Quero me casar com sua filha

_ Então você tem que apagar os olhos primeiro.
O sono escorregou nas pálpebras pesadas
Um chão de lama rouba a própria força dos meus passos
(BOPP, 1956, p. 19)


Ele, narrador-Cobra Norato, uma vez que entrou na pele do mito, tornou-se metaforicamente um sujeito dicotômico, tal qual a maioria dos grandes heróis das epopeias (semideuses), um ser parte homem, parte mito. Amalgamado! Ao buscar o intercurso com a filha da rainha Luzia, no nível profundo, inferimos que haveria uma ligação forte entre este mundo do mito e o mundo humano. Tal ligação se realizaria no nível do pensamento mais profundo, pois é somente pelo adormecer que o sujeito consegue acessar a plenitude mítica. Há também a simbologia da miscigenação, se pensarmos em um significado, relacionando-o com o contexto histórico-social. Eis a proposição explanada.
A partir deste ponto, o narrador entra na floresta cifrada. Percebam a precisão poética deste termo utilizado, pois ele é muito revelador e importante na economia do poema. Citando o imortal Carlos Drummond de Andrade, sob a pele das palavras há cifras e códigos.
Como sabemos, segundo Saussure, o vocábulo se divide em significante (imagem acústica) e significado, no qual se insere a ideia do sema virtual, justamente o foco para o qual os nossos pensamentos se voltam ao lermos o termo floresta cifrada: trata-se de um local no mundo do mito, em que há cifras e códigos, com o qual o narrador interagirá.
Posto isto, e lembrando-nos a dicotomia inerente ao sujeito actante, já evidenciada, vejamos agora como tal constatação se revela no texto literário.

“A sombra escondeu as árvores.
Sapos beiçudos espiam no escuro

Aqui um pedaço de mato está de castigo.
Arvorezinhas acocoram-se no charco.
Um fio de água atrasada lambe a lama.
(BOPP, 1956, p. 20)

Por este pequeno trecho, verificamos uma qualidade importante, que será a tônica desta narração: a personificação da natureza, que age como atora consciente nesta obra, como se fosse uma personagem. Pelas significações emanadas, percebemos a dicotomia do narrador se manifestando, os elementos típicos de ações humanas, que nos remetem ao narrador do mundo, “esconde”, “espiam”, “de castigo”, projetam-se no mundo mítico da floresta e em seus habitantes.
Há uma projeção no nível profundo sobre a estrutura narrativa e sua consequente significação, comprovando a dicotomia, que vive na ideia da fusão homem-mito.
Outros fatores relevantes no esquema de Campbell são os desafios que o narrador mítico (sujeito actante) deve enfrentar para alcançar os prêmios (objetos de desejo). Neste enredo, eles são: entregar a sombra ao bicho do mundo; fazer magia na lua nova e beber três gotas de sangue.

Tem que entregar a sombra para o bicho do fundo
Tem que fazer mironga na lua nova,
Tem que beber três gotas de sangue
(BOPP, 1956, p.20)

Para que o narrador atinja os seus objetos de busca, ele enfrentará todos os perigos existentes na floresta cifrada, cumprirá o contrato narrativo para somente depois receber os prêmios.
Continuando com a saga do herói, o texto nos mostra que ele atravessa a mata. As descrições seguem a mesma perspectiva anterior, verbos e sintagmas nominais, inerentes à perspectiva humana (animal), são aplicados aos seres não humanos (observem os grifos).

Esta é a floresta de hálito podre
parindo cobras

Rios magros obrigados a trabalhar

A correnteza arrepiada junto às margens
descasca barrancos gosmentos.

Raízes desdentadas mastigam lodo.

A água chega cansada
(BOPP, 1956, p.23)


Mais à frente, um dos opositores desconfia do narrador, percebe a sua origem humana:

Espiam-me um sapo sapo sapo

Por aqui há cheiro de gente
_ Quem é você?
_ Sou Cobra Norato
(BOPP, 1956, p. 24)

A aventura continua pela floresta, ele vê a natureza em construção (VI) e o prenúncio de uma forte chuva, que acontece no Canto VIII.

Desaba a chuva
lavando a plantação

Vento despenteia as folhas
Sacode o mato grande

Nuvens negras se amontoam
como montanhas dependuradas
(BOPP, 1956, p.30)

Eis o pavor presenciado pelo narrador, como se ele olhasse, no nível profundo da significação, para os seus próprios medos, personalizados bem em frente dos seus olhos:

Árvores encalhadas pedem socorro
Mata-paus vou-bem-de-saúde se abraçam

O céu tapa o rosto

Chove... chove... chove...
(BOPP, 1956, p.30)


Aqui está a perfeita constatação de como as forças naturais são opositoras e dificultam a performance do narrador mítico. Tanto é assim que, logo após a tempestade, eles se encontra preso e só consegue escapar, devido a ajuda do Tatu de bunda seca.

Ai que estou perdido

Me atolei num útero de lama

O ar perdeu o fôlego

Um cheiro choco se esparrama
Siris estão de festa no meio do barro

Estalam raízes famintas
Ouço guinchos de um guaxinim

Parece que vem alguém neste encurão sem saída

_ Olelé! Quem vem lá?
_ Sou o Tatu de bunda seca

_ Ah compadre Tatu,
que bom você vir aqui
Quero que você me ensine a sair desta goela podre

_ Então se segure no meu rapo que eu lhe puxo
(BOPP, 1956, p.31)


Outra característica do esquema de Campbell, o cumprimento do contrato narrativo do sujeito actante, acontece no canto XI, quando ele realiza os desafios propostos:

Atravessei o treme-treme
passei na casa do Minhocão
Deixei minha sombra para o bicho do fundo
Levei puçanga de cheira
e casca de tinhorão
fanfan com folhas de trevo
e raiz de muraca-cáa

Mas nada deu certo

Ando com uma jurumenha
Que faz dóizinho escondido na gente
e morde o sangue devagarinho
(BOPP, 1956, p. 33-4)

Neste ponto do enredo, o narrador se desprende da carga contratual dos desafios, imposta pela estrutura do mito, libertando a si mesmo para procurar os caminhos que o levem até um dos seus objetos de busca, a filha da Rainha Luzia. No entanto, isto não significa que a sua jornada será fácil, pois ainda falta enfrentar o seu antagonista, o grande opositor, ainda não revelado na história literária.
Para pegar distância da maré baixa, eles partem para o lago Onça Poyema. Ao se despedir do jacaré, este percebe a natureza do seu interlocutor, proferindo um “Hum” (p.36). Eles precisam chegar ao mar, que está longe, “dez léguas de mata e mais dez léguas”. Continuam avançando. Em uma noite, o narrador propõe uma brincadeira de dar nome às estrelas, uma delas, ele nomeia de estrela da filha da rainha Luzia.
Trata-se de uma interessante antítese visual (noite-escuridão x estrela-luz-filha da rainha Luzia), que nos faz pensar que esta pessoa, que ele sequer conhece, representaria a luz, a qual brilha para dissipar as trevas. Ao mesmo tempo em que a estrela se insere dentro da noite, antagonizando-a, a filha da rainha Luzia está na essência da estrela.
O texto literário permite-nos pacificamente esta interpretação:

_ Compadre
Vamos brincar de dar nome às estrelas?

_ Tem tanta...
_ Você está vendo aquela meio escondida
Na pontinha de uma árvore?
_ Sim.
Pois vai se chamar
estrelinha da filha da rainha Luzia

_ Talvez ela ande por estas bandas...
_ Quem saberá?
(BOPP, 1956, p.43)

Eles estão bem perto do mar, conseguem ouvi-lo atrás dos mangues. Um pouco mais de caminhada e o alcançam. Presenciam o fenômeno da pororoca, durante a maré grande, até que encontram um povoado. Neste ponto, um outro ser da floresta, cujo papel é de adjuvante, auxilia-os:

Compadre, eu já estou com fome
Vamos lá pro putirum roubar farinha?

_ Putirum fica longe?
Pouquinho só chega lá.
Cunhado Jabuti sabe o caminho
_ Então vamos.

(...)

_ Joaninha Vintém, conte um causo.
_ Causo de quê?
_ Qualquer um.
_ Vou contar causo do Bôto.
Putirum Putirum

Amor chovia.
Chuveriscou.

Tava lavando roupa, maninha
Quando Bôto me pegou.

_ Ó Joaninha Vintém,
Bôto era feio ou não?
_ Ai era um moço loiro, maninha,
tocador de violão.

Me pegou pela cintura...
_ Depois o que aconteceu?

_ Gente!
Olhe a tapioca embolando nos tachos.

_ Mas que Bôto safado!
Putirum Putirum
(BOPP, 1956, p. 51-2)

Esta passagem da história funciona como uma divulgadora folclórica, pois o autor a utiliza para contar “um causo” por meio da personagem Joaninha Vintém. Trata-se do mito do Boto. Após o relato, acontece algo interessante:

A festa parece animada, compadre
_ Vamos virar gente prá entrar?
Então vamos.

Boa noite
Bua nuite
(BOPP, 1956, p. 53)

Ao retirar a pele de Cobra Norato, ou seja, virar gente (tal qual no mito original), o narrador desfaz a dicotomia presente em seu ser, o que o liberta para entrar de corpo e alma na festividade humana. Tanto é que ele pede licença para cantar um verso em louvor da dona da casa.
Eles continuam esta jornada épica pela floresta, encontram uma “pajelança” e observam como os índios praticam este ritual. Logo após, repete-se o artifício narrativo de, por meio da natureza personificada, atuando como uma verdadeira personagem, profetizar acontecimentos futuros. O narrador, mais uma vez, se vê diante de uma cena pavorosa.

A floresta se avoluma

Movem-se espantalhos monstros
Riscando sombras estranhas pelo chão

Árvores encapuçadas soltam fantasmas
com visagens do lá-se-vai

(...)

_ Quem mais vem?
_ Vem vindo um trem:
Maria-fumaça passa passa passa
A rua-de-trás enche-se de cuchichos.

Uma árvore telegrafou para outra:
psi psi psi
(BOPP, 1956, p.59)

Trata-se de uma maria-fumaça que, pertencente ao mundo humano, ao penetrar sem licença na floresta cifrada, soltando vapor e de forma imponente, reflete um conflito interior, que se expressa pela própria natureza. Tal presença não passa incólume na construção do eu que narra, pois logo adiante, ao observar aquele que será o seu oponente, ele o confunde com um navio, outra máquina fora do universo mítico. Há uma relação de retroalimentação semântica entre os termos. Veja:

_ Escuta, compadre
O que se vê não é navio. É a Cobra Grande
_ Mas o casco de prata? As velas embojadas de vento?

_ Aquilo é a Cobra Grande
Quando começa a lua-cheia ela aparece
Vem buscar moça que ainda não conheceu homem
(BOPP, 1956, p.61)

É interessante observar como é o ser mítico (Tatu de bunda seca), que direciona o olhar do narrador dicotômico, a fim de fazê-lo enxergar a “verdade”: não é um navio, é a Cobra Grande.
Apressados, eles correm para as Terras da Cobra Grande e, durante este percurso, percebemos a atuação dos adjuvantes (ADJ) e dos oponentes (OP). Cobra Norato paga ao vento (OP), tal como os heróis gregos a Caronte, um vintém queimado para passar. Pereré (ADJ) dá norte para chegar na Serra Longe. Pajé-pato (ADJ) arreda o mato para facilitar o caminho. Matin-tá-pereira (ADJ) aconselha o narrador a deixar um naco de fumo para o Curupira. Aracua (OP) está de guarda, por isso, eles passam por ela com muita pressa, o chão duro (OP) agride os pés. Quando chegam perto da Bruxa de Olho Comprido (OP), para que ela não acorde, eles diminuem o passo, até que eles perdem o fôlego, por conta de alguma magia (OP). Novamente, um ser da floresta cifrada faz uma predição:

Ai compadre
Quero três fôlegos de descanso
que o ar entupiu.

_ Então esperazinho um pouco
Vou buscar puçanga
prá desmancar a força do quebranto.


O mato tossiu.

Tajá que pia é mau agoiro...
(BOPP, 1956, p. 63-4)

Por fim, chegam à morada da Cobra Grande. O lugar oferece resistência ao narrador, que enfrentará os seus medos. Aranhas peludas (OP) são as primeiras a oferecer resistência, amansadas com pixê de mucura. Ao se aprofundarem na caverna, avistam o avô-morcego (OP) e então disfarçam. Veem a noiva da Cobra Grande e, então, percebe-se que o prêmio estava justamente guardado na cova do antagonista.

Sabe quem é a moça que está lá em baixo
... nuinha como uma flor?
_ É a filha da rainha Luzia!

_ Então corra com ela depressa
nuinha assim como está
Não perca tempo, compadre.
(BOPP, 1956, p. 66)

Assim, o narrador-mítico parte em disparada com a filha da rainha Luzia. Para atrapalhar, o jacaré (OP) que estava na boca do poço, usa magia. Cobra Grande acorda e vem ao encalço. Serra do Ronca (ADJ) tapa o caminho atrás dele e Ouricuri (ADJ) ergue três muros de espinho para atrapalhar o caminho da Cobra Grande. Tamanguaré (ADJ) corre imitando o rastro do herói. Pajé-Pato (ADJ) ensina o caminho errado para a Cobra Grande, que parte para Belém e fica presa no cano da Sé; é uma passagem intertextual do mito de Bopp com o já existente na cultura indígena.

Cobra Grande esturrou direto prá Belém

Deu um estremeção.

Entrou no cano da Sé
e ficou com a cabeça debaixo dos pés de Nossa Senhora.
(BOPP, 1956, p. 67)

Chegamos ao desfecho com Cobra Norato voltando às terras do Sem-fim. Interessante ressaltar que aqui há uma quebra no esquema de Campbell, pois o herói não retorna ao seio da comunidade, ele prefere ficar no mundo do mito. Por outro lado, sendo este um dos objetos de desejo do sujeito actante, tal ruptura era esperada desde o início do enredo.

E agora, compadre
vou de volta pro Sem-fim

Vou lá para as terras altas
onde a serra amontoa
onde correm os rios de água clara
em matos de molungu
(BOPP, 1956, p. 68)


Portanto, fechamos o esquema de Campbell e, ao mesmo tempo, recolhemos informações suficientes e fechamos o de Greimàs.
Estabelecemos a mecânica do texto e as suas inter-relações por meio destas teorias de Greimas e de Campbell, o que nos ajudará a interpretarmos a perspectiva semântica do narrador, dentro desta relação, para finalizarmos este ensaio.
Quando pensamos nas estratégias de Bopp para criar o seu narrador, o começo deste texto, citamos como uma delas a fusão do homem ao mito, por meio do “assassinato” de Cobra Norato (mito original) e o uso de sua pele pelo narrador. Dentro do esquema decodificado, pensamos como o mito é fundamental para atingir os objetos de desejo (figura acima), o que nos leva a certificar a ideia de que o autor pensou estruturalmente neste artifício, que afetaria toda a narração. Ademais, sua essência dicotômica, como já provamos neste estudo, permitiu que ele convivesse com sua natureza dúbia com muita tranquilidade: um narrador que, sendo cobra, mora no mito, sendo humano, mora na realidade. Esta essência perpassa todo o enredo, tanto é que, no final da obra, Cobra Norato chama as personagens do mito e da vida real para comemorarem juntas:

Haverá muita festa
durante sete luas, sete sóis
com misturas de embebedar
até ficar o meu bem com os olhos caídos
e um fedendinho de cachaça na boca.

Traga a Joaninha Vintém, o Pajé-pato, Boi Queixume
Não se esqueça dos Xicos, Maria Pitanga, João Ternura
O Augusto Meyer, Tarcila, Tatisinha.
Quero povo de Belém, de Porto Alegre, de São Paulo.

_ Pois então até breve, compadre.
Fico lê esperando
atrás das serras do Sem-fim
(BOPP, 1956, p. 69)

Trata-se de uma experiência estética de extrema sensibilidade, imperceptível para um leitor menos atento que, ao se deparar com as estruturas criadas pelo escritor, percebe a sutileza e a genialidade da obra. A ordem narrativa, inerente ao texto, quebra-se perante a lógica do medo, dentro do universo mítico, que o obriga a superá-lo, exatamente como acontece em nossas consciências.
Usando um assunto preexistente, o sujeito actante reestabelece o mundo que versa, reorganiza-o sob novas perspectivas, projetando-se nele. Com esta obra, Bopp destaca o mito nacional, reescrevendo-o na perspectiva modernista, colocando em seu narrador a dualidade existente em todas as criaturas humanas; ao resgatar o mítico na literatura, Cobra Norato revela-nos não somente o engenho e a força da produção literária nacional, como também a alma e a poesia que habitam em todos nós, brasileiros, miscigenados, complexos, multiculturais.


REFERÊNCIAS

BOPP, Raul. Cobra Norato. São Paulo: Livraria São José, 1956.
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 32. ed. rev. e aum. São Paulo: Cultrix, 1994.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix, 1993.
______. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CARDOSO, A. L. Interdisciplinar – Revista de Estudos em Língua e Literatura. Universidade Federal de Sergipe, Itabaiana, Out. 2013. Disponível em: . Acesso em 03 out. 2013.
GENETTE, G. Discurso da Narrativa. Lisboa: Vega Universidade, 1976.
GREIMAS, A. J. Semântica estrutural: pesquisa de método. São Paulo: Cultrix, 1993.
______. Sobre o sentido: ensaios semióticos. Petrópolis: Editora Vozes, 1975.
JUNG, C.G. Símbolos na transformação. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
LEITE, L.C.M. O foco narrativo. 3 ed. São Paulo: Ática, 1987.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. TODOROV, T. As estruturas narrativas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
WERNECK, M. Claude Lèvi-Strauss e as anamorfoses do mito. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, Out. 2013. Disponível em: . Acesso em 04 out. 2013.
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