Meu pai tinha um bodoque de causar inveja: firme, ereto, difícil de vergar. Antes que você, jovem leitora, pense que estou dizendo obscenidades, explico que bodoque é (ou era) um arco, igual ao usado pelos índios, cuja corda era trançada, e podia arremessar pelotas de barro endurecidas ao sol, ao invés de flechas. Era a "xilóida" dos adultos. Quem não fosse hábil em seu manejo que não se assanhasse: era puxar a corda, vergar o arco e pimba! acertar um pelotaço no dedão!
Muitas vezes, fui caçar com o velho, eu com o estilingue, conhecido como "setra", ele com seu bodoque, do qual se gabava ser um exímio atirador. Mas sempre voltávamos de mãos vazias. Não sei se éramos ambos ruins de pontaria ou preferíamos mesmo a caminhada pelo mato, o cheiro fresco do orvalho e a parada para um bom lanche, deixando os pobres pássaros em paz, lá na deles. Valia a pena: pelo menos, eu ouvia as histórias de grandes caçadas do velho quando jovem, e a gente chegava em casa com uma fome de caçador.
Depois, as caçadas foram se espaçando e o bodoque permaneceu pendurado atrás de um guarda-roupa, fora das vistas de todos, como se fosse arma perigosa. Até que comecei a utilizá-lo para brincar de índio. Fingindo que era o Flecha Ligeira ou Águia Vermelha, vivia cravando flechas nas bananeiras, especialmente na de uma vizinha, que possuía o cerne enorme e polpudo (estou falando da bananeira, é lógico).
Depois, veio a época de brincar de pirata, e o bodoque, ó triste sina, foi serrado ao meio para se transformar em espada. A partir daí, perdi a lembrança de sua trajetória, quem sabe tenha servido de lenha para alguma fogueira vagabunda.
Às vezes me assalta uma idéia: ressuscitar o uso do bodoque como esporte. Seriam realizados torneios, como os da Idade Média, em que bodoqueiros de vários cantos do país viessem mostrar sua habilidade. Dali a pouco, teríamos o festival internacional do bodoque. Até lá, no entanto, quantos dedões dilacerados!
|
