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Ensaios-->CIVILISMO E PRECONCEITO -- 11/10/2015 - 23:31 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


CIVILISMO E PRECONCEITO& 8203;



por Maynard Marques de Santa Rosa (*)







A recente extinção do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, após 77 anos de existência corporativa e em momento delicado de fraqueza governamental, estimula a reflexão em torno dos fatos históricos, em busca de explicações.




A memorável obra do jurista Raymundo Faoro, também historiador e sociólogo – Os Donos do Poder –, ajuda a projetar luz sobre a dialética social envolvendo as Forças Armadas na evolução política do país.  



Na fase colonial, até a grande crise de 7 de abril de 1831, a força armada constitui um ramo da aristocracia. O oficial, preparado para a guerra nas escolas abertas somente à nobreza, era recrutado entre os descendentes dos servidores monárquicos. Bastava o sangue ilustre do pai, para legitimar o título de cadete. O privilégio permitia que os postos fossem galgados em plena juventude: o marquês de Barbacena foi general aos 39; Caxias recebeu os galões supremos aos 30” (pág. 535).



Um fato político veio alterar o status tradicional. Os liberais, alarmados com a ação do Exército, ao forçar a abdicação de D. Pedro I e se fazer representar na Regência Trina Provisória pelo seu comandante – general Francisco de Lima e Silva –, passaram a reagir, durante a regência de Feijó, reduzindo os efetivos à metade e instituindo a Guarda Nacional, à imitação francesa. A nova instituição contribuiu para a militarização da sociedade, fascinada pela honra dos postos hierárquicos, que conferia prestígio a seus detentores, reduzindo, de certa forma, as oportunidades de emprego do Exército.



A partir desse fato, “A Instituição militar torna-se um grupo social vigiado. Mesmo em campanha, os vencimentos eram pagos com atraso. Agora, enquanto os moços abastados davam preferência às profissões liberais, eram os pobres, os mulatos, que procuravam as fileiras do Exército, para se fazerem oficiais. O soldo de um tenente-coronel, em 1854, mal dava para cobrir o aluguel da sua casa. A profissão, de acordo com os preconceitos liberais do tempo, servia à destruição, à barbárie institucionalizada, equiparado o oficial ao parasita” (pág. 536 a 538).



O “xeque-mate” da Guarda Nacional ocorreu com a Guerra do Paraguai, por ter sido ela incapaz de fornecer os efetivos necessários à campanha, forçando o Império a apelar para os “voluntários da pátria”.



Após a guerra, os estadistas do Império visualizaram a ameaça de um possível contágio caudilhista platino. No retorno da tropa ao Rio, o desfile militar despiu-se de pompa; as unidades foram fragmentadas, os estandartes, dissimulados, e as músicas, abafadas. Indignado, o Conde d`Eu, então comandante em Chefe, ameaçou resignar-se do cargo, por considerar as medidas “uma traição para com seus companheiros de armas”.



A década de 1880 encontra o Exército coeso, animicamente, estruturado em valores tradicionais, mitificados em Caxias. A guerra vertera sobre a corporação uma auréola de prestígio, revertendo a decepção da campanha cisplatina” (pág. 542).



Em junho de 1887, no contexto da chamada “Questão Militar”, Deodoro fundou o Clube Militar. Por essa época, doze mil escravos, estimulados pela campanha abolicionista, abandonaram as fazendas paulistas de café, formando quilombos na Baixada Santista. O barão de Cotegipe dispôs-se a empregar o Exército na repressão, mas foi repelido, por não aceitar este a pecha de “capitão do mato”, na expressão de Deodoro: “Não nos deem tais ordens, porque não as cumpriremos”. O fato consumado levou o Gabinete conservador a propor a “Lei Áurea”. Posteriormente, o próprio Cotegipe confirmou: “A extinção da escravidão não é mais do que o reconhecimento de um fato já existente”.



O ideal republicano, acalentado nas lojas maçônicas a partir da Convenção de Itu (1873), foi concretizado pela espada positivista, sem o concurso do povo. Afirma Faoro que: “O odiado Poder Moderador encarnar-se-á, sem quebra da continuidade, em Deodoro e Floriano” (pág. 607).



Ao final da década de 1890, as vulnerabilidades verificadas na campanha de Canudos minaram a confiança popular no Exército: “O carisma da Instituição, encarnado no marechal Floriano Peixoto, desmaia nos cadáveres insepultos nos sertões da Bahia”.



O espírito de corpo só voltaria a se manifestar, por ocasião da campanha civilista (1910), “que negava aos homens de farda a presença na política” (pág. 701). A eleição desaguou no governo do marechal Hermes da Fonseca. Após o surto “salvacionista” patrocinado pela sua gestão, retornou, fortalecido, o preconceito antimilitar da “política dos governadores”. Epitácio Pessoa, encarnando o espírito das oligarquias cafeeiras, buscou arrebatar a bandeira nacionalista do movimento tenentista, enquanto afirmava a sua autoridade sobre as Forças Armadas, com a nomeação de titulares civis para as pastas da Guerra e da Marinha: “O Exército não é a nação, nem é tutor da nação”. Esforço inócuo, pois nem mesmo a eficiência do ministro Calógeras foi suficiente para aplacar a vontade dos “tenentes”. Na madrugada de 5 de julho de 1922, já eleito Artur Bernardes, os disparos do Forte de Copacabana antecipavam o fim da República Velha.



Após a Revolução de 1930, reconhece Faoro que: “O Exército não se deixou seduzir pelo fascismo – como aconteceu com os exércitos italiano e alemão –, graças ao repúdio à teoria da obediência passiva” (pág. 778). A presença militar foi institucionalizada no Conselho de Segurança Nacional, pela Constituição de 1934, sob o preceito do general Góes Monteiro: “garantir e nunca tutelar o povo e as instituições”. Assim, o Exército “guardou, coerentemente, a fidelidade ao modelo moderador, cobrindo o vácuo institucional que a sociedade, e não as leis, criou no sistema político” (pág. 779).



O retorno vitorioso da Força Expedicionária Brasileira, em 1945, reforçou as aspirações libertárias sufocadas pela repressão do Estado Novo. De nada serviu a desmobilização automática das unidades. No dia 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas foi deposto pelos mesmos chefes que lhe avalizaram o golpe de 1937.



A República Nova nasceu, encabeçada pelo ex-ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra. Getúlio retornou pelo voto, em 1950, mas novas pressões precipitaram o desfecho de 1954, deflagrando o ciclo de turbulências que levou à extinção da Constituição liberal de 1946. Em uma década de instabilidade, o governo JK representou um hiato de relativa normalidade institucional.



A geração militar atual formou-se sob o signo da legalidade, sendo justo creditar à geração tenentista dos generais de 1964, o legado dos padrões de disciplina e eficiência que hoje destacam as instituições brasileiras no contexto das operações internacionais de Paz.



O messianismo positivista foi superado. Contudo, a maturidade e isenção alcançadas pelas Forças Armadas ao longo do processo evolutivo não obteve contrapartida do estamento político. A Constituinte de 1988, ao ecoar a influência estrangeira, levou-as ao isolamento, por extinção das prerrogativas do Conselho de Segurança Nacional e introdução de preceitos antagônicos ao ideário militar. O governo FHC implantou o ministério da Defesa sob a receita preconceituosa de Samuel Huntington: “a chave do cofre e a caneta em mãos civis”. Os governos petistas, incapazes de transformar ideias em ação, caracterizam-se pelo apego puro e simples ao seu projeto de poder, onde não há espaço para a agenda militar.



Representa equívoco lamentável, supor que as Forças Armadas constituem um estamento burocrático inerte. O momento atual faz suscitar à meditação o pensamento de Faoro: “Reduzir o Exército, depois de gerado do flanco da camada dominante, a um grupo profissional mal remunerado e destituído de missão política, não seria mais possível” (pág. 540).



Embora contida, a dimensão militar permanece viva e vigilante, aguardando novas oportunidades. Cabe, portanto, prevenir o vaticínio do barão de Guajará, firmado na dura experiência da cabanagem paraense: “Nada há mais perigoso para a ordem pública do que o espírito de partido inoculado na força militar” (Motins Políticos, II Tomo, pág. 209).




(*) General-de-Exército




Obs.: O general Santa Rosa, quando servia no ministério da Defesa sob Nelson Jobim, negou-se a colocar o Exército para ser o "capitão do mato" a expulsar fazendeiros da Raposa Serra do Sol. Foi exonerado. Foi também exonerado da chefia do Departamento-Geral do Pessoal, depois que colocou para circular na internet (posteriormente publicado na Folha de S. Paulo) um texto em que chamava a Comissão Nacional da Verdade de comissão da calúnia - cfr. em http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/comissao-da-verdade-e-comissao-da-calunia-diz-general-do-alto-comando/ (F. Maier).




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