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Cronicas-->25. MEUS BRINCOS DE PÉROLAS -- 04/10/2002 - 09:34 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

- Olívia, que é que você vai querer ganhar no Natal?

- Brincos de pérolas.

Eu havia acompanhado minha mãe à joalharia para ajustar a aliança dela, que estava muito apertada, e me deixei enamorar por uns brincos lindos da vitrina.

- Não sei se o seu pai vai poder comprar um presente tão caro. Vou conversar com ele.

Quando voltamos para apanhar a aliança, lá estavam os brincos. Minha mãe perguntou o preço e logo foi dizendo-me que não havia qualquer chance de me dar de presente.

Cheia de idéias e de vontade, propus-lhe um negócio:

- Vocês não me compram nada. O dinheiro do presente eu aceito e guardo. E assim vou juntando todo ano um pouco, até chegar a hora de comprar os brincos.

A idéia foi acolhida pela metade. Junto do envelope com determinada quantia, irrisória para a finalidade que lhe pretendia dar, vieram um vestido e um par de sapatos.

Dez anos depois, ainda não tinha completado o valor correspondente. Jamais tocara na economia. Aliás, eu a pus numa caderneta de poupança, com o fito de acrescentar-lhe algum juro, todavia, o meu dinheiro ia sendo corroído pela inflação, de modo que tudo quanto acrescentava não cobria o aumento do preço da jóia.

- Mas que falta de lógica! Como é que um par de brincos iria ficar tanto tempo na vitrina?!

Não ficou. Eu é que mantive impresso na mente o desejo de dependurar nas orelhas duas pérolas maravilhosas. Afinal de contas, brincos de pérolas não saem de moda.

Por essa época trabalhava numa casa de família e ganhava um salário mínimo, do qual descontavam uma parte para fazer frente à comida de cada dia. Quando levava o salário para casa, meus pais sempre requisitavam boa parcela para os remédios que tomavam. Foi assim que, um belo dia, meu pai foi internado e eu precisei dispor de toda a quantia guardada para pagamento da conta, numa época em que não tínhamos assistência do governo.

Não adiantou de nada a minha contribuição, porque meu pai acabou por falecer.

De certa forma, a morte dele me ajudou a acumular um pouco mais a cada mês, porque foram cortadas pela raiz diversas despesas.

Já com vinte e dois anos, a pique de ir buscar o adereço, apareceu-me um jovem atraente, que me pediu em casamento bem como as minhas economias, para montarmos o nosso lar.

Nos próximos anos, as despesas de casa impediram-me de guardar um níquel sequer. Só fui poder reservar algum, quando o Roberval desapareceu de casa, levando tudo quanto póde, indo morar com uma senhorita que lhe dava muito mais dinheiro do que eu, mercê de sua profissão. Acho que já demonstrei em que meu marido se transformou.

Ele só não levou minha dignidade, nosso filho de cinco anos e o sonho de pendurar as pérolas nas orelhas.

Outros doze anos se passaram até que meu filho, devidamente formado no curso fundamental, arrumou emprego, enquanto procurava um clube de futebol onde pudesse demonstrar suas habilidades.

Foi assim que reabri, ou melhor, abri outra caderneta, conseguindo colocar quase a metade do salário de funcionária pública municipal, lotada no departamento de limpeza, por influência da antiga patroa, que tinha por mim uma interessada estima, já que jamais lhe causei nenhum problema com a justiça do trabalho, como via outras empregadas fazendo com as empregadoras.

Foi rápido o crescimento da poupança, chegando mesmo a buscar o preço de um belíssimo par de brincos que iriam contrastar maravilhosamente com a cor negra da pele. Faltava pouco para completar o valor, entretanto, precisei correr atrás de advogado para livrar meu filho da cadeia. Fora preso portando drogas. Nada de emprego, nada de futebol. Ele estava traficando, simplesmente.

Assim que se viu livre, o pássaro ergueu vóo e dele só vim a ter notícia pelos jornais, retrato estampado na última página, vergonha infinita para a mãe que dizia a todos que o filho estava profissionalizando-se em um time de outro estado.

Precisava de consolo, sozinha naquela casa, porque minha mãe também havia falecido. Então, uma colega da prefeitura me levou para um centro espírita, onde ela mesma trabalhava nos fins de semana. Eu também poderia ajudar naqueles horários, mas preferi ir à noite, para deixar os sábados e domingos para a igreja. Os padres falavam bonito e prometiam o céu para os sofredores resignados. Parecia que falavam para mim, diretamente. Também gostava de confessar os meus pobres pecados, alguns repetidos da boca para fora, sem coragem já de ajoelhar-me sem ter nada para contar.

Uma vez caí na besteira de dizer que ia ao centro espírita. Precisei rezar quinze terços e prometer que jamais iria tentar o demónio naquela casa de perdição de almas.

Fui despedir-me dos amigos do centro e ouvi deles a recomendação muito ajuizada de que seguisse a minha vocação. Logo me veio à cabeça o desejo de possuir um par de brincos de pérola.

Quando fui saber qual o montante da poupança, percebi que tinha o suficiente para comprar justamente aquela jóia com que tanto sonhara.

Entrei na loja, perguntei o preço de umas quinquilharias que imitavam brincos, inclusive de pérolas. Escolhi um colar com vidrilhos coloridos, iguais aos que tinha em casa e dos quais gostava muito, comprei dois deles e voltei para casa com todo o dinheiro que havia retirado da poupança.

Ocorreu-me a idéia de que poderia ser assaltada. Não liguei. As pérolas já não me diziam nada. Não houve assalto. Entrei na igreja, procurei meu confessor e lhe entreguei a quantia toda, pedindo-lhe que rezasse quantas missas fossem pela alma de meus pais e pela salvação de meu filho.

Nunca mais guardei dinheiro algum. Toda sobra mensal levava ao centro espírita, para o fundo da entidade, que distribuía comida aos pobres.

Um belo dia, eu me aposentei. Nunca recebi mensagem alguma de meus pais ou de meu filho, todavia, já do lado de cá, espírito agraciado pela benevolência dos amigos desta colónia por um agasalho imerecido, soube que meus pais estavam bem, reencarnados e sadios. Meu filho, pobrezinho, recuperava-se sob a assistência de um protetor muito severo, que se apresentava a ele sempre vestido como sacerdote, com uma cruz de ouro na ponta do rosário. Era assim que ele se sujeitava ao tratamento.

Eu desconfio de que seja um enviado dos padres que intercederam por meu filho através das missas. Este mistério tenho medo de decifrar. De qualquer modo, não me atrevi ainda a apresentar-me ao coitado, porque me disseram que ele poderá ter uma recaída diante da monstruosidade que cometeu perante o meu afeto e a minha dedicação a ele. Rezo para que logo me dêem alvará para abraçá-lo e resolvermos juntos os problemas de nosso passado comum.

Gostaria de dizer agora que trago nas orelhas os famigerados brincos de pérolas, o que daria um toque emotivo a esta narrativa. Mas estaria impingindo uma grande mentira. Desde que aqui aportei, transformei aquelas pérolas em preces pelos irmãos menos felizes do que eu.

Fiquem com Deus e não se esqueçam de sua redatora Olívia, muito auxiliada por todos os colegas e pelo professor.

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