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Contos-->Noite de Ano Novo -- 12/01/2003 - 23:10 (Marcelo Rodrigues de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Noite de Ano Novo


Marcelo Lima


Há muito tempo que eu não faço isso. Mas mesmo assim vou tentar. O máximo que pode acontecer é eu cair e me quebrar todo. Espero ainda saber voar.
Já é noite. Para ser mais especifico, noite de Ano Novo. 2002 para 2003. E para ser mais exato ainda: 22:25.
Vou para a laje de cimento da minha casa no subúrbio. São Paulo. Posso sentir algumas poças de água devido às chuvas dos últimos dias. Caminho até o fim dela. Olho fixamente para a outra extremidade. Fecho meus olhos por alguns instantes. Silêncio dentro de mim. Começo a correr feito um louco. Salto. Só depois abro os olhos e vejo que não estou no chão. Estou no ar, voando. Não perdi o jeito.
O vento bate no meu rosto com um cheiro de pólvora e das churrasqueiras que começam a ser acesas nas casas abaixo. Rodopio entre as primeiras nuvens que aparecem e subo mais e mais. A noite está limpa e clara.
Deixo que o vento me leve. Vejo as pessoas em suas casas abaixo de mim. Parecem tão pequenas. O que estão fazendo é tão pequeno também que miro meu rosto para frente e vejo os altos prédios do velho Centro de São Paulo. Decido ir para lá. Senão me engano, neste horário só vou encontrar as últimas pessoas que saem correndo do serviço para casa. Já trabalhei lá, também em dia de Ano Novo e posso dizer isso com uma mínima certeza.
Sempre quis voar entre os prédios. Eles proporcionam uma brisa ótima à noite. A mesma que mantém os condores plainando nas Cordilheiras dos Andes. Quer dizer, quase a mesma.
A poucos metros de mim, vejo um edifício com uma luz acesa. Ela vem de uma sala de escritório no vigésimo quinto andar. Aproximo-me. Cruzo minhas pernas como se estivesse meditando e fico pairando em frente à janela. Mas não de frente. Fico na sua lateral para que não me vejam.
Lá dentro um homem está sentado à mesa já vazia. Não mostra sinais de quem vai se levantar e sair. Olha fixamente para seu porta lápis. É um escritório muito bonito. Detalhes em madeira por todos os lados, um grande sofá de couro, um vaso com flores artificiais.
O telefone toca.
- Pronto...Ah, é você? Não, ainda estou trabalhando. Vou demorar um pouco aqui. Não, não...Não posso deixar nada disso para depois.
Ele então desliga o telefone. Volta a olhar para o porta lápis.
Seu nome? Vitório. Não mais de 30 anos. Casado e sem filhos. Simpático. Boa pinta. Sócio de uma empresa de consultoria jurídica. O que ele está fazendo ali, sozinho na última noite de 2002? Está deprimido. Mas antes fosse por questões filosóficas. É por despeito mesmo. Mulher.
Mas para entendermos o que se passa na cabeça de Vitório, é preciso voltar no tempo. Mas não muito.
Vitório formou-se em direito há alguns anos atrás. Começou trabalhando em um pequeno escritório de advocacia, mas bem antes de sua formatura. O dono, Sr. Carmo havia depositado irrestrita confiança nele. Era como um filho. Por que não dizer aqui que quem pagava sua faculdade era Carmo. Fora o ordenado.
Era um ótimo lugar para trabalhar. Muitos clientes, bom salário. Só não diziam que o escritório era de Vitório porque ainda estava estampado na propaganda fora do prédio: Carmo Dias & Advogados.
Mas aquilo tudo ainda não era suficiente para Vitório. Ele queria mais. Não suportava ficar abaixo do seu chefe. Não suportava pegar ônibus para voltar para casa todos os dias. Não suportava comer naquele restaurante por quilo freqüentado por secretárias e entregadores.
Bem, chegamos a um ponto em que podemos nos perguntar: O que há de errado em querer mais da vida? Nada, desde que não precisemos passar por cima de ninguém para conseguir isso.
Vitório pode se lembrar perfeitamente da primeira vez em que traiu. Uma grande causa estava nas mãos do Sr. Carmo. Peixe grande. Dinheiro suficiente para comprar uma nova sala comercial. Nosso jovem advogado pediu muito para Carmo que deixasse o caso em suas mãos. Já havia se formado há mais de dois anos e acreditava ter experiência suficiente para levar o caso adiante. Seu chefe, que como já dissemos, tinha completa confiança nele, pensou por um instante e acabou por fazer seu desejo.
Realmente Vitório era um excelente profissional. Mas, tanto poder em suas mãos. Tanto dinheiro de uma só vez. Ao invés de correr para o fórum, ele foi até o cliente e lhe fez outra proposta. Iria conseguir um acordo com a outra parte envolvida, o que sairia mais barato para o primeiro. Porém, esse teria de dizer a Carmo que não queria mais seu escritório como representante. Iria solucionar tudo sozinho. Foi o que aconteceu.
Nosso jovem trabalhou escondido e ficou com todo o dinheiro. A primeira coisa que fez foi comprar um apartamento e dar entrada em um carro zero. Após alguns meses pediu demissão e conseguiu outro emprego. Desta vez em uma empresa de consultoria jurídica. Bem maior que o velho escritório do Sr. Carmo. E por falar nele, nunca desconfiou de nada.
Nesta nova empresa ele teve começar por baixo. Era um advogado como qualquer outro. Não tinha sala própria e era obrigado, muitas vezes, a fazer serviço de boy. Mas preferia estar ali onde poderia sonhar em se tornar um sócio do que continuar onde estava.
Após dois anos ele foi promovido a chefe de todos os outros advogados. Só estava abaixo dos dois sócios, donos da empresa: Gustavo e Henrique.
Ele sondou, sondou. Queria ser um sócio também. Mas descobriu que eles não aceitariam um terceiro participante nos lucros da empresa. Estranhamente seus chefes começaram a brigar. E era uma constante. Henrique se afastaria da empresa logo após, afirmando não aceitar as acusações feitas por Gustavo sobre sua possível incompetência.
Na verdade as brigas entre os dois começaram por que Vitório fez com que seu antigo chefe parecesse inapto. Tudo o que passava para Henrique, primeiro passava por Vitório. Até aí tudo bem. Mas nosso jovem e egoísta amigo também tinha acesso ao computador. Após todos irem embora ele usava as senhas de Henrique e mudava informações banais de arquivos. Mas, banais o suficiente para atrasar trabalhos e fazer parecer o ex-chefe, completamente desleixado.
Vitório traia pela segunda vez. Novamente ninguém nunca descobriu o que aconteceu realmente, embora os estagiários dissessem que existia uma “cobra na diretoria”. Ele logo comprou a parte da sociedade do que havia saído.
Felicidade completa. Agora ele tinha dinheiro, era respeitado, trabalhava em uma das maiores empresas de consultoria de São Paulo. Em menos de seis meses mudou de apartamento, mas não vendeu aquele primeiro que havia comprado com o dinheiro do Sr. Carmo. Não fez isso porque estava noivo de Estela e precisava do outro para seus encontros às escondidas com as estagiárias que ele fazia questão de escolher ao contratar.
Gustavo foi seu padrinho de casamento. Alias, era primo da noiva. Por isso fazia vista grossa para os casos do amigo. Talvez tratasse a questão diferente se fosse sua irmã.
As coisas corriam muito bem para Vitório até que ele conheceu Lílian. Era uma jovem e recém formada advogada. Ela fora contratada na hora por Gustavo. Isso devido a um pedido feito pelo pai da garota. Era filha do sindico do seu prédio, a quem tinha muito carinho e consideração.
O problema é que Lílian não era só uma excelente advogada. Ela era muito bonita. Isso logo mexeu com o ego de Vitório.
Gustavo tratava a garota com muito respeito, o que realmente era sincero. Era como uma irmã casula que nunca havia tido.
Vitório também a tratava com educação. A educação que um homem casado deve ter. Isso também porque todos sabiam que ele era casado. Mas mesmo por detrás de tanta etiqueta, ele trabalhava sua conquista. Ficava imaginando a pequena em seu apartamento, nua e feliz por estar com um homem como ele. Ela, uma simples advogadazinha, com o dono da empresa. O que mais uma suburbana poderia esperar? – ele pensava.
Mas durante os meses que se seguiram, Lílian fugiu polidamente de todos as investidas do chefe. Ela não dizia nada para Gustavo e ele muito menos. Ficaria chateado demais se soubesse alguma coisa.
Por volta de outubro Vitório percebeu algo diferente. O sócio começou a levar a garota todos os dias para casa. Ela também passou a freqüentar mais a sala de Gustavo. Não contendo a curiosidade, logo descobriu que a garota sempre fora apaixonada por Gustavo. Desde a infância quando fazia companhia para o pai nos seus serviços de sindico e via o jovem e bonito rapaz, então um recente morador do edifício.
Para Vitório foi o fim de suas esperanças. Para Gustavo foi o paraíso. Ele já estava cansado de paqueras supérfluas e queria se casar. Lílian era perfeita para isso, pois ela gostava dele com sinceridade e ele começara a se apaixonar por aquela garota que não se parecia em nada com todas as outras que já havia conhecido.
Não, isso não poderia acabar assim. E tudo o que Vitório havia planejado? E as noites de amor após o expediente? E a roupa da linda Lílian sendo tirada ali mesmo por ele, dentro do seu escritório, sem que ninguém visse?
Novembro passou de maneira desastrosa para Vitório. Não conseguia trabalhar direito. Não se conformava com a felicidade do amigo. Estela notou a diferença, mas nem por um minuto pensou que fosse por causa da namorada do primo, que alias, todos da família haviam adorado.
Com isso dito podemos logo concluir que Lílian começou a freqüentar a casa de Vitório. Passou a ir ao clube no qual todos eram sócios. Podemos imaginar a cabeça do rapaz ao ver Gustavo acariciando aquela mulher, deitada em sua esteira em frente à piscina. Tudo o que havia planejado para si via o outro fazendo.
Que safada – pensava ele – Namorar com um daqueles estagiários pés de chinelo ela não quis. Foi morder logo o dono da empresa.
A questão do dinheiro não saia de sua cabeça. Ele acreditava que se desde do começo tivesse mostrado que tinha tanto dinheiro e poder quanto Gustavo, ela teria se tornado sua amante. E foi pensando nisso que ele a abraçou na noite de Natal, passada em seu apartamento. Todos se reuniram lá. Ele nem quis beber, já que estava com medo do álcool lhe subir a cabeça e acabar fazendo alguma bobagem. E ele achava que ela estava pedindo isso, pois estava usando um “tomara que caia” branco que a tornava muito mais atraente.
Então chegamos ao ponto aonde tínhamos começado. Quer dizer, o jovem Vitório sentado em sua mesa, em plena noite de Ano Novo contemplando sua porta lápis. Do momento em que comecei contar sua breve história, até agora, ele recebeu mais um telefonema de Estela. Já são 11:15 e ele nem pensa em se levantar. Logo, logo, todos irão se reunir no apartamento de Gustavo para brindar. Mas o anfitrião já deve estar bebendo vinho e verificando se a champanha está devidamente gelada.
Não é preciso ser muito inteligente para concluir que Vitório não sairá de sua sala até bolar algo para conseguir o que quer. Talvez a terceira traição esteja sendo fermentada neste exato instante enquanto começo a achar que está na minha hora de voltar para casa.
Descruzo minhas pernas e olho uma última vez para Vitório. Tenho a impressão que ele dificilmente se contentará com o que tem. Ou com o que não tem ainda. Mas se sua sorte para tramar e executar com perfeição seus planos continuar, acredito que, infelizmente, ele poderá conseguir mais uma vez aquilo o que quer.
Eu decido ir realmente embora. Levanto vôo e a mesma brisa suave que batia no meu rosto, ao chegar, me acompanha agora.
Vôo em direções cada vez mais altas, olhando a festa dos fogos que explodem abaixo de mim.
Minha casa não está longe.


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