Faço afanosamente as malas e descubro que nada quero levar do que tenho. Contaram-me o segredo da nova terra descoberta, uma ilha perdida vogando a norte do barlavento e avistada recentemente a caminho das Bermudas. Dizem-me que lá nunca há chuva a mais, nem sol a menos e que o frio é a frescura das noites de Verão. Parece que os únicos habitantes são umas estranhas criaturas que só sabem sorrir e dançar. A vegetação presta-se ao remanso e à fartura descansada de madeira, frutos e ervaria. Dizem que lá os dias são feitos de poesia, de lassas correrias, mergulhos nas ondas, pinturas rupestres, cavernas de sonho, onde habitam platónicas sombras cativas. Ponho de parte o que de mais útil o velho mundo inventou e apresso-me para o vapor onde hei-de ir. Prometo a mim pr´pria jamais pronunciar em voz alta a palavra civilização, a não ser para aplicar à que vou encontrar. Não hei-de ser colona, nem vou evangelizar, nem plantarei as flores do mal, vou a mim mesma recitando, a todo o vapor para o meu novo mundo, tão em segredo revelado. Já antecipo o odor da terra, os preciosos cheiros a resina pura, os chilreios de aves nocturnas e os sorrisos por descobrir.
O vapor larga-nos em lanchas e nelas, em ânsias, cortamos a pureza do marinho lago azul, abraçando já o paraíso. Chegamos muito perto da praia. Que azáfama por lá vai! Estarão a preparar farta festaça para nosso acolhimento? Mas... terão já inventado a grua? E os andaimes que ali estão? Escavadoras, camiões carregados de terra, homens de amarelo, sirenes, rádios esganiçados, operários descansando, suor em perlas pescoço abaixo e uma faixa azul, ofensivamente azul, saudando os novos colonos recém-chegados, uma seta apontando para uns pré-fabricados, as nossas casas provisórias, conforme proclama em alt-voz um roufenho altifalante e eu ainda boquiaberta, querendo crer que houve engano, que aquela é outra costa, outra ilha, outro lugar! E Ainda estou a repetir por inércia "Na minha terra nova, será tudo será como no princípio dos tempos." quando acordo em sobressalto, e me vejo a regressar de um pesado deslizar no sono, à feérica luz do écran que produz sonhos e os desnuda... Não estou em mim, que prodígio e que dormência, que decepção, está tudo igual e eu estou aqui, já não vou partir.
Que alívio, ainda assim. A minha terra prometida continua lá e ninguém a destruiu. Se algum novo mundo existir na terra, que continue por descobrir, atrás de brumas e vapores pantanosos, mágicos lagos e flores no firmamento. E se alguém aí, atrás do ecran, souber onde é, que o guarde dentro de si para o visitar nas tardes cinzentas de Domingo.
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