CLACK - EXEMPLOS DE SUPERAÇÃO
Edson Pereira Bueno Leal, Outubro de 2013, atualizado em outubro de 2014.
O americano David Carr, 56 anos , é um dos jornalistas mais premiados e conhecidos do jornal “The New York Times”.
Depois de mais de dez anos de consumo de cocaína e dois de uso intensivo de crack, decidiu não confiar simplesmente na memória para contar sua história.
Tratando da própria trajetória de vício, tráfico, prisões e cinco tratamentos de desintoxicação, como uma reportagem , decidiu fazer 60 entrevistas e consultar dezenas de relatórios médicos e policiais para checar o que lembrava dos eventos , em três anos de pesquisa . Ouviu parentes, amigos de vício , traficantes, ex-mulheres e colegas de trabalho.
O resultado está publicado em “A Noite da Arma”, pela Editora Record.
Ele admite que o retrato pintado pelas testemunhas é mais sombrio do que supunha. Ouviu relatos de casos de agressão e maus tratos a amigos que imaginava serem opostos.
Em 1989 começou seu bem-sucedido e longo processo de desintoxicação . Teve duas filhas gêmeas , nascidas em 1988 e na época ele e sua namorada era viciados em crack. E criou sozinho as filhas, ganhando a custódia na Justiça.
Traficou cocaína durante um tempo para financiar o vício e concluiu que “todo mundo trabalha para alguém “ , com a droga e “Provavelmente todos estávamos trabalhando nessa época para Plabo Escobar , de um jeito ou de outro . E ele, provavelmente, respondia a alguém também”.
Resenhou vários livros de memórias de ex-viciados: “Retrato de um viciado Quando Jovem” , de Bill Clegg e “Correndo com Tesouras” de Augusten Burroghs.
Ele , apesar de demonstrar desconforto de falar de políticas públicas , ele diz apoiar a internação compulsória de viciados em crack: “ É a única maneira de fazê-los se lembrar , por um instante, das pessoas que já foram , de quem são e poderiam voltar a ser. Sem isso, continuarão a ser zumbis”.
Credita a sua própria reabilitação à “generosidade” do governo americano “ que pagou meus tratamentos, minhas internações , os remédios que tomei. Foi um bom investimento, acho, pelo que já retribuí na última década, em impostos”.
Enfrentou um câncer, se casou novamente e teve uma terceira filha. ( F S P ,24.02.2013, p. E-12) .
HISTÓRIA DE AMOR BEM SUCEDIDA APESAR DA DROGA.
A manicure E.A.S.L , 35, conheceu seu marido , o atendendo do McDonald’s A.C.L. , 29 , em Jundiaí , quando ele pedia comida na casa vizinha. Ele era morador de rua, viciado em crack. Ela enfrentou família, amigos e vizinhos para viver esse amor e conseguiu. Ele superou a droga , casaram e tem em 2013 um filho de quatro anos.
A.C.L começou a usar drogas aos 15 anos. Do álcool foi para a maconha, a cocaína e ainda aos 16 o crack. Filho único saiu de casa para as drogas. Perdeu o pai aos 16 anos.
Resolveu tratar-se e passou por quatro internações e aos 19 anos conseguiu ficar sem drogas por oito meses.
Começou a trabalhar como modelo , fez até figuração em uma novela da TV Globo, mas teve uma recaída.
Aos 21 anos a mãe morreu. Morreu em casa, cuidada por dois enfermeiros, mas nunca a visitou.
“Com a morte de meus pais , herdei R$ 300 mil. A economia de uma vida toda. Consegui acabar com tudo em poucos meses. Fumava dia e noite. Não faltavam ajudantes. Esbanjei. Percebi que o dinheiro tinha acabado no dia em que procurei comida e só encontrei arroz. Comi arroz com um punhado de sal”.
Num desses dias, vagando pelas ruas como pedinte encontrou a que seria sua futura mulher. “Foi dias depois, numa manhã de outubro, que vi um anjo. Estava de bermuda e camiseta brancas na porta da casa , quando me perguntou: ‘Precisa de ajuda?’ A imagem desse anjo não me abandonou mais. Passei a visitá-la todos os dias em sua casa”.
O “anjo” decidiu-se a tirá-lo das drogas apesar da oposição da família, exceto da mãe. Durante um ano de lutas foi atrás dele, até em favelas. Conseguiu o objetivo, graças à igreja e a uma nova internação clínica. Casaram-se em 4 de dezembro de 2010. Tem um filho Samuel, de quatro anos e as dificuldades de toda família. Mas a droga foi derrotada. Tomara que muitos drogados encontrem um anjo como esse. ( F S P , 6.10.2013, p. C-4).
IBOGAÍNA
Clarice , 55: “Eu estava pesando 49 quilos , tinha perdido todo o meu cabelo e alguns dentes. Tinha uma incapacidade total de sentir amor, medo, qualquer coisa. Quando cheguei à clínica – mais uma – não achei que seria diferente das outras. Era violenta e brava.
Fiz uma longa entrevista , fiquei 24 horas abstinente e me preparei para o primeiro dia de tratamento com a ibogaína. Deitada numa maca, tomei quatro comprimidos de iboga e fiquei em silêncio. Mas logo achei que aquilo era charlatanismo e comecei a gritar: ‘ Eu não estou sentindo nada!’.
O terapeuta perguntou: ‘Você veio aqui para sentir um barato ou para se tratar? ‘. É verdade , estava ali para me tratar. Aos poucos, comecei a ver no teto ,um filme da minha vida. Assisti aquilo que a droga havia feito comigo e o que ainda poderia fazer. Me vi deitada numa linha de trem toda machucada, sem cabelos e sem dentes e com muito medo. Apareceu um louva-a-deus gigante que queria me tirar da linha do trem , mas eu tinha medo e não queria sair dali.
Os movimentos das minhas mãos era descontruídos, quadro a quadro, em sombras prateadas e brancas. Jesus entrou na sala e conversei com ele.
Eu estava monitorada o tempo todo: pressão, batimentos cardíacos, etc. Vomitei muito e depois senti muita vontade de comer doces. Fiz cinco aplicações de iboga , mas após a primeira eu já não sentia vontade de usar crack, Virei outra pessoa. Fiquei manda, alegre, humilde. Voltei a ser a garota de 19 anos , que nunca havia usado nenhuma droga”.
Clarice está há um ano e meio livre da dependência de crack, abuso de álcool, maconha e cocaína e de uma bateria de 12 internações em 35 anos. ( F S P , 25.10.2014, p. A-18) .
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