“Três Janelas Para a Guerra”
1
Raios de morte
Sobre o deserto
Anunciam
Que o sol parou de brilhar.
Nem armas, nem barões,
Nada assinalado:
Nos tempos que correm
Abafou-se o grito do Ipiranga
E a Africa geme muda
A fome de outrora e de sempre
Saciada em vão
Pelo sangue dos de hoje.
Na imediatez
Da esfíngica figura,
Simultânea em todas as casas
Tornadas negras
Pela outra, ou mesma,
Que é branca,
Raiva e indignação tornam-se espectros de "nome".
No dia de amanhã
Não haverá misericórdia.
No dia de amanhã
A repetição adormecerá
Na indiferença,
Mas permaneço acordado
Em coro de indignação.
Marcharei pelo inferno
Da dor vermelha
E declararei, sem compromisso,
Que a fome de todos
Caberá, pelo menos, na minha voz.
2
São doze horas em Sydney,
Da noite ou do dia,
Não importa:
O "outro" tinha razão
Quando dizia
"The revolution will not be televised".
Só falta acrescentar antes: "only".
Tudo, ou todo,
Ou todo de tudo,
Ou tudo de todo o RESTO
Está lá:
No simulacro "(trans)vestido"
Da dor,
No espectáculo da demência
Que é insónia
E é falência e incúria,
Sendo ainda amnésia
E injúria,
Dor feita indiferença
No rosto espelhado do "outro",
Esse "mesmo"
Onde nos convenceram
Que devemos ver
O MAL.
Nos restos de Bagdad,
Com os quais falta acabar
O que ficou destes doze anos
De permanente suplício
Auto - e hetero - consentido,
Há um povo.
Gente em dor permanente
Gente como tu e eu
Que nos convenceram
A não ver como tal.
3
Há uma canção antiga
Do Michael
Que diz:
"The only thing to fear
Is fearlessness".
Mais uma vez, profético:
Com o medo
Foi-se o respeito ...
Triste associação.
Na TV (australiana ou qualquer outra),
Essa janela torcida
Por onde nos obrigam
A ver um mundo
Forçado a existir daquele modo,
Vejo um camponês dos Açores.
A paz com que guarda
Um pequeno rebanho
Devia ser exportada.
Em lugar disso
Quatro países, incluindo o dele,
EM NOME DELE - talvez sem ele saber -
Decidem pela voz de UM
Exportar a dor.
Os sons frenéticos são
Os do costume.
Já ninguém liga
E todos dizem
Em coro de imensidão
Não saber onde está a flor.
Há uns anos - lembro -
Cantava-se em coro com o Ney
"A Rosa de Hiroshima".;
Quem se atreve hoje a abrir
A gaveta da memória?
Francisco Nazareth
Sydney, 20/03/03
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