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Contos-->O Jogo -- 14/01/2003 - 22:30 (PEDRO VIANNA NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Jogo.




Passava um pouco da meia noite e não havia sequer uma alma na rua de casa. Cheguei até a esquina e fui avistado por um vigia noturno sentado no final da quadra; ele deu mais um trago no cigarro, e soprou longamente o apito que trazia pendurado no pescoço. A madruga sempre estava carregada desses caras de colete preto, cigarro na mão, apito no peito, escorados nos cantos ou circulando em bicicletas, sinalizando uns aos outros ao primeiro sinal de vida. Pouco depois pude ouvir outro longo, agudo silvo ressoando pela distância; depois o silêncio.
Um carro cortou o negro dorso da avenida antes que eu atravessasse para o posto de gasolina. O frentista estava dormindo em uma cadeira plástica. Estalei os dedos e ele despertou assustado. Porra cara quase tu me mata de susto. Foi mal...me vê aí um maço de cigarros e uma caixa de fósforos. Toma. Valeu. Cuidado por aí, tem um monte de pivete pela rua essa hora. Não esquenta eu tô em casa. Conferi o troco e subi em direção à Rua Carlos Gomes.
A noite estava um pouco fria. Acendi um cigarro e comecei a peregrinação ladeira acima. Dali era só uma reta até o Bar-do-Parque. Sem dúvida alguma o único bar na cidade com algo rolando numa madrugada de segunda-feira. Passei em frente a uma decrépita loja de plantas. Até então não tinha visto aquela loja, apesar de passar quase todos os dias por ali. Sua fachada decadente com o nome pintado verticalmente em letras assimétricas, de traços quase infantis, compunha com restante do conjunto um clima de insipiente melancolia. Imaginei o triste vendedor sentado em um banco de madeira na porta sem vender sequer uma flor.
A Rua Carlos Gomes é uma ladeira estreita que vai dar de cara com a Praça da Republica. Logo na primeira esquina fica uma pensão bolorenta, de azulejos carcomidos, onde jovens alugam quartos de 100 reais por mês. (Lembro de ter quase me apaixonado por uma garota que morava num dos cubículos fétidos do prédio. Cheguei até a lhe mandar duas cartas, ridiculamente melosas, mas ela desapareceu de minha cabeça tão rapidamente que nem pude perceber. Só agora em minha solidão autopunitiva lembro de seus insondáveis olhos negros reluzindo com a iluminação numa festa pós-punk do ano passado). Um pouco mais adiante já dava para ver o bar com vários táxis estacionados e algumas putas desgarradas conversando na esquina. Um bêbado jogado ao lado de uns papelões sob o batente de uma loja me pediu um trocado. Tô liso meu tio. E continuei subindo.
Esperava encontrar algum conhecido se embriagando, ou então descolar uma barca para tomar de graça o quanto pudesse. Por ser jovem, e acredito que por minha constituição frágil e modos contidos, freqüentemente era confundido com os putos do lugar. Sempre tinha um gringo ou um coroa veado a fim de me pagar uma birita. Ali tudo não passa de um jogo: um cara te olha de uma mesa, sinaliza, e se tu quiseres, e for de tua vontade, podes sentar com o cara ou chamá-lo. Por mais que eu não fosse michê, e nunca saísse com veados, gostava de me fingir de interessado até quando me era conveniente, ou até ficar de saco cheio e sair fora.
Sentei sozinho numa mesa do fundo e pedi uma cerveja. Não tinha ninguém conhecido além do garçom bigodudo e umas putas tarimbadas. Acho que o Bar-do-Parque é o único lugar onde consigo beber só. Sempre se pode ouvir uma conversa absurda rolando nas mesas vizinhas, e se distrair analisando as complexas tramas noturnas e negociações escusas. Acredito que todo bar seja uma escola, mas o Bar-do-Parque é uma verdadeira universidade. Aquele lugar nunca fecha, e serve a cerveja mais quente da cidade devido ao enorme fluxo de pessoas. Ali rola de tudo e mais um pouco.
Uma puta veio até a minha mesa. Tem fogo meu amor. Claro, toma aí. Sabia que tu é uma gracinha. É mesmo é? Posso sentar contigo? Acho que pode. Ela ficou por ali tentando me passar o papo enquanto esfregava o pé no meu pau por debaixo da mesa. Olha, até que eu te achei gostosa, mas é que eu tenho por principio nunca pagar pra foder. Eu sei como é, mas se tu mudar de idéia já sabe; o meu nome é Mona. Ela levantou e foi sentar com outras putas numa mesa perto do balcão. Algumas já me conheciam e sabiam que eu nunca estava interessado em nada além de beber e tirar sarro. Desde cedo minha timidez havia me colocado em uma posição de espectador pouco participativo na vida; enquanto os outros estavam aprontando eu ficava vendo tudo do meu canto. Isso me deu subsídios para vestir com maestria a mascara adequada a cada situação.
Comecei a sacar um veado com pinta de gringo sentado em uma mesa perpendicularmente oposta a minha. O olhar cínico e insistente dele começava a me incomodar. Mandou uma cerveja pelo garçom e logo depois veio até minha mesa. May I sit down and drink with you. Sure, take a sit. Passamos alguns minutos nos encarando. Era como se ele estivesse me estudando, sabia que aqueles eram os momentos definitivos a qualquer transação sexual. Acendeu um cigarro com o meu fósforo. You speak a very fluent english; where did you learned it? Oh! Man, I studied a little and read a lot, you know. Mal eu tinha dito uma frase e o cara já começara a puxar o meu saco. Decidi testar o gringo. Ver do que ele era feito. You know all that beat stuff, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Gregory Corso, Willian Burroughs, the beatniks, this is what make my mind. My dear you’re speaking greek to me. Eu já sabia; além de veado ainda era tapado. Tomamos mais algumas cervejas e ele começou a me cantar abertamente. Dizia as maiores asneiras e se desmanchava em sorrisos obsequiosos.Aquilo tudo começou a me dar nos ovos. Sabe cara eu acho que tu não passas de uma bicha escrota, barata e boqueteira que não vai me acrescentar nada. I´m sorry baby I cant get a single word in your language. Eu sei disso seu filho da puta; é por isso que eu tô aqui te xingando e tu continuas com essa cara de Maria e esse sorrisinho besta. Ele continuou sorrindo. Levantei e deixei a conta para o otário pagar. O cara ficou sem entender nada. Game Over.


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