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Contos-->MULHERES CLONADAS -- 14/01/2003 - 23:01 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Estamos em 2005. Pamela e Bob acabam de deixar para trás a cidade e rolam em direcção à sua casa de campo, para descanso merecido de uma semana intensa de trabalho.
Estão casados há pouco mais de dez anos. Ele é engenheiro especialista na concepção e fabrico de comboios. Ela é especialista de informática numa conceituada multinacional de software.
É pleno Inverno. Neva como não se via há anos. Trabalham ambos em Montreal mas, salvo algum compromisso ou caso de força maior, passam todos os fins-de-semana na vivenda que adquiriram há cinco anos, a cerca de 100 quilómetros da cidade.
Montreal é uma bela cidade mas stressante como todas as grandes metrópoles. Conheceram-se na universidade. Foi amor à primeira vista. Todos os momentos que tinham livres eram passados a passear na cidade velha ou nas grandes zonas comerciais subterrâneas.
Casaram-se pouco tempo depois de arranjarem emprego, o que não foi difícil, dadas as altas qualificações de ambos. Optaram por não ter filhos durante alguns anos, para poderem dedicar o máximo do tempo à consolidação das suas carreiras. No momento oportuno decidiriam.
Era precisamente sobre isto que o casal Spark falava, ao entrar na auto-estrada. Não podiam deixar passar muito mais tempo. Ele estava com 31 anos e ela com 30. «- Vamos ter uma menina e quero que seja parecida contigo!» – dizia Bob embevecido.
De repente, vindo sabe-se lá de onde, surgiu à frente do carro um objecto que parecia um grande tampão da roda de outra viatura. Instintivamente, Bob travou e perdeu completamente o controlo do carro. Deslizou na pista gelada e, dos vários carros que o antecediam, alguns chocaram com ele, numa espécie de macabro jogo de bilhar. Embateu finalmente no rail central e capotou.
A polícia apareceu rapidamente e isolou o local. Ambos estavam inconscientes. Bob estava num estado calamitoso. Uma ambulância levou-os ao Hospital, depois de um difícil desencarceramento. Dizia, quem tinha assistido, que ele – pelo menos – já não ia vivo.
Levados imediatamente para a Unidade de Cuidados Intensivos, foi confirmado o óbito de Robert Spark, engenheiro de sucesso, casado, com 31 anos de idade.
Pamela salvou-se apesar das múltiplas fracturas. Felizmente nenhum órgão vital tinha sido atingido. Só dois dias mais tarde, quando recuperou completamente a lucidez, soube o que tinha acontecido. Ela só se lembrava que falavam da filha que desejavam ter, de ter visto algo que se atravessara à frente do automóvel e, finalmente, de vários trambolhões e gritos dentro do carro. Depois era o vácuo completo.
Foram várias as intervenções cirúrgicas e longa a recuperação. No dia em que saiu do hospital, ainda combalida, Pamela era uma mulher completamente destroçada.

Ainda passou uns dias em casa, mas em breve voltou ao serviço. A solidão em casa era muito penosa para ela.
Pamela dedicou-se, cada vez mais, ao trabalho. O Director da Empresa chegou a pedir-lhe para não ficar até tão tarde, pois apesar de apresentar boa forma ainda estava em convalescença física e psicológica. Pamela agradeceu os cuidados, mas achou que não valia a pena explicar-lhe que aquela era uma forma encontrada para estar menos tempo em casa. Aí sim é que ela sofria, sentindo-se completamente só no mundo. Como reconstruir um futuro, nestas circunstâncias. Casar de novo era impensável. Os dez anos, que tinha vivido tão intensamente com Bob, não podiam ser apagados nem desvanecidos com qualquer outro relacionamento. Incessantemente, martelavam-lhe no cérebro, as últimas palavras que lhe tinha ouvido. «Queria ter uma filha e parecida contigo!». Só se houvesse forma de cumprir este último desejo de Bob, ela poderia recuperar uma parte da felicidade perdida.
Durante meses não voltou à casa de campo. Só o pensar em voltar àquela auto-estrada, causava-lhe calafrios.
Pensou em adoptar uma criança, uma menina. Chegou a informar-se dos locais onde teria de se dirigir. Mas em breve abandonou a ideia. Bem vistas as coisas, o que ela procurava não era uma companhia nem um filho, mesmo adoptivo. Culpabilizava-se de não ter podido dar a Bob aquilo que ele tanto desejava.
Lia muito, mas tinha dificuldades de concentração, pois havia sempre palavras ou frases que se entrelaçavam com os seus pensamentos mais íntimos, levando-a a parar a leitura e perdendo muitas vezes o fio à meada. Levou, por vezes, trabalhos para fazer em casa. Via muito televisão, pois tinha dificuldade em adormecer, mesmo com a ajuda de soporíferos.
Uma noite, num canal de Ciência, houve um programa que a deixou grudada ao ecrã. Tratava da clonagem de seres humanos, matéria que nem lhe tinha passado pela cabeça. A reportagem-debate centrava-se sobre a existência de uma seita que, baseando-se no facto de relacionar o aparecimento do Homem com a visita de extra-terrestres, se tornara numa grande Empresa a nível mundial especializada na clonagem humana. Beneficiando da legislação que foi sendo publicada nos vários países, proibindo ou condicionando aquela prática, a empresa foi contratando cientistas de várias nacionalidades, adquirindo patentes de várias descobertas e invenções relacionadas com a clonagem. Teriam mesmo já nascido alguns bebés assim «concebidos» mas, apesar das grandes notícias e reportagens nos media, nunca se chegava a conhecer bem os casos. Por receio de implicações jurídicas e para defesa do direito à intimidade das pessoas envolvidas.
Para Pamela, com uma formação científica pura, a origem da seita e as suas ideias sobre a origem do Homem eram fantasiosas. Já tudo o que se relacionava com a clonagem sempre tinha despertado o seu interesse. Manipular a vida como ela manipulava a informática! Seria eticamente correcto? Um raio de luz misturou-se com os seus pensamentos e com o programa que estava a ver. E se estivesse ali a solução?
Ajustou os óculos e olhou, com redobrada atenção, para o ecrã. O programa durou até às tantas.
Tudo começara em 1996 com o nascimento da ovelhinha Dolly na Escócia. Entretanto a técnica havia sido desenvolvida, tanto ao nível de animais como de seres humanos. Trata-se afinal de duplicar as células a partir de um outro ser. As cópias têm todas as características físicas e biológicas do ser adulto.
Segundo o que Pamela ouviu, os cientistas isolavam uma célula e retiravam dela o seu núcleo. Juntavam depois uma célula a outra célula, iniciando a duplicação das células, através de cópias sucessivas de duas células de quatro em quatro, de oito em oito, de dezasseis em dezasseis e assim, sucessivamente, até chegar ao ponto dessas células todas constituírem um ser.
No debate que se seguiu, havia os que eram a favor da clonagem de seres humanos e se rebelavam contra as legislações que a proibiam e, claro, também os que eram contra, sobretudo por razões éticas.
Várias questões se punham qual delas a mais pertinente. Um indivíduo clonado é filho ou irmão gémeo do adulto que lhe deu vida?
Pode fazer-se a clonagem, mas ela não determina certamente a personalidade nem repete experiências vividas por cada um dos seres. Não estaria o Homem a brincar com o fogo e a fazer experiências quase no escuro?
Fosse como fosse, Pamela nessa noite não conseguiu adormecer. Esqueceu-se até de tomar os comprimidos. Quando o despertador tocou, assustada, deu um salto na cama. Tomou um duche rápido e dirigiu-se para o emprego, absorta nos seus pensamentos. De novo lhe veio à mente as palavras de Bob: «- Uma filha parecida com ela».

Nessa tarde, pediu para sair mais cedo e dirigiu-se à tal empresa. Um edifício imponente e moderno. Era um misto de escritórios, laboratórios e clínicas. Disse ao que ia, na recepção, e que pretendia uma consulta.
Passados quinze minutos estava sentada em frente de uma médica, aparentemente já com cerca de sessenta anos e que lhe pareceu de origem francesa, pois não tinha o sotaque nem usava certa terminologia muito própria dos canadianos (uma espécie de francês arcaico). Apresentaram-se. Era a Doutora Françoise Leblanc. Contou-lhe os factos que a levavam àquela consulta. A médica perguntou-lhe se estava certa de querer meter-se e, de certo modo, colaborar em mais uma «aventura científica». A técnica estava praticamente dominada, já havia muitos bebés assim concebidos mas não havia ainda amostragens suficientes (nem tempo) para conhecer o futuro e as eventuais complicações no desenvolvimento dessas crianças. Pamela não hesitou. Pensou em Bob e disse que sim, que estava decidida. A Dra. Leblanc deu-lhe um documento a assinar em que, em termos gerais, «ilibava a Empresa de quaisquer consequências menos felizes da aplicação da técnica de clonagem. «- Se não quiser decidir já, aconselhar-se com alguém e assinar mais tarde, não lhe levo a mal. Eu, no seu lugar, não hesitava!». E Pamela não hesitou.
A médica fez-lhe um exame muito completo, requisitou diversas análises e logo se iniciou todo um processo que levaria, se tudo corresse bem, ao nascimento de mais um bebé clonado. «- Não se esqueça que tem de ser uma menina!» disse Pamela, à guisa de despedida. À saída, soube que a Dra. Leblanc era uma das componentes do Directório Científico da Empresa.
Dispensa-se aqui o relato de tudo o que aconteceu e foi feito durante vários meses. A clonagem estava em marcha e deixa-se os pormenores no segredo dos cientistas, para não se correr o risco de inexactidões.
Tudo corria bem e Pamela parecia outra. Calma no trabalho, uma certa excitação na vida particular. Sempre solitária, mas ansiosa por ir ser mãe. Os seus pensamentos iam frequentemente para Bob e nunca adormecia sem olhar com ternura para a sua fotografia na mesinha de cabeceira.

Verão de 2007. Quem entrasse no salão da casa de
Pamela não a reconheceria. Irradiava felicidade. De olhos semi-cerrados, ouvia «Carmina Burana». A seu lado, num pequeno berço, um bebé dormia de punhos cerrados. Uma matulona a quem a mãe decidira dar (também) o próprio nome: Pamela Spark Júnior.
Tudo se tinha passado sem problemas. Como previsto. Ali estava a filha que Bob desejara e não chegara a ver…
Quando acordasse, mamaria o biberão que já estava preparado. Era só aquecê-lo um pouco. Depois iriam passear para o campo, para que pudesse beneficiar do ar puro que a ajudaria a crescer.
Era sábado. Nos dias de semana, deixava-a num infantário. Ia buscá-la quando saía do emprego e, por vezes, não resistia e fazia-lhe uma visitinha à hora do almoço.
Assim foi correndo a infância de Pamela Júnior. Muito saudável. Precoce em tudo. Nos primeiros dentinhos, nas primeiras palavras, nos primeiros passos. Toda a gente a achava muito bonita («- Como a mãe…» - diziam) e muito desenvolvida em relação às idades porque ia passando. Sempre vigiada pela Dra. Leblanc.
Depois do infantário, começaram os estudos a sério e, também aí, Pamela Júnior demonstrava um desenvolvimento fora do comum. Coisa estranha, porém, e que passara a ser tema obrigatório nas conversas com a Dra. Leblanc: a mãe tinha a percepção de que não era um desenvolvimento normal. Não era um caso de precocidade! – Segundo ela, que a observava no dia-a-dia, tratava-se de um desenvolvimento acelerado… Como o queimar de certas etapas da vida. A cientista confirmou-lhe que a anomalia era conhecida. Que já havia até alguns remédios para equilibrar a situação, mas ainda em fase experimental. « - Se se tratasse de atraso ou atrofia seria bem pior!», dissera ela.
Por volta dos doze anos, física e fisiologicamente, já poderia ser considerada uma mulher! Fora educada no culto do «pai» e, em breve, Pamela teve de contar à filha o modo como fora concebida. Percebeu de imediato, fez poucas perguntas e abraçou e beijou a mãe com muita ternura.
A mãe, ao olhar para a filha, sentia por vezes a estranha sensação de estar a olhar para um espelho. A filha, pelo seu lado, tinha sonhos que contava à mãe e, não se sabe bem porquê, a maioria das vezes coincidiam com episódios realmente vividos por Pamela. Estranho mundo em que se tinham metido…
Quando entrou para a faculdade, com menos de vinte anos, escolheu também Informática. A sua aparência era já a de uma mulher de cerca de quarenta. A mulher pode sempre beneficiar de certos subterfúgios, como maquilhagens, cabeleireiros… Mas até nisso, elas eram parecidas, não sendo muito dadas a esses hábitos, pelo menos com frequência. Acabado o curso, com cerca de vinte e dois anos, parecia ter mais de quarenta. A mãe, apesar das agruras que a vida lhe trouxera, tinha um ar jovem. Pareciam irmãs.
Arranjou emprego numa empresa subsidiária da Microsoft, onde foi admitida depois de um curto estágio de três meses.

Todas as noites, em que Pamela Júnior saía com os seus amigos, a mãe ficava em casa, agarrada ao computador, escrevendo aquilo que, sendo à partida um «Diário», em breve se tornaria na História da sua vida.
Naquela sexta-feira, 28 de Abril de 2028, a filha saíra para ir a uma discoteca com várias amigas do emprego.
Agarrou-se ao computador e escreveu, escreveu até altas horas da madrugada. Vencida pelo sono, levantou-se, saiu do escritório e deitou-se, adormecendo de seguida.
A filha chegou minutos depois e reparou que o computador tinha ficado ligado. Estava mesmo com uma página de texto no ecrã. A mãe esquecera-se de fechar o ficheiro. Por curiosidade leu: «Bob: Tudo fiz para te fazer a vontade. Corri riscos e entreguei-te a minha vida e a da «nossa» filha. A ciência falhou. Já nem sei bem se Pamela é minha filha ou minha irmã. Sinto-me confusa. Não «deixaremos» netos nem rastos do nosso sangue. Perdoa-me Bob! Por amor, faz-se tudo! Infelizmente nem sempre com sucesso.».
Pamela desligou o computador e, sem fazer ruído, dirigiu-se ao quarto da mãe. Beijou a moldura com a foto de Bob, afagou a testa da mãe, que suspirou profundamente. Despiu-se e deitou-se ao lado. Acarinhou-a, com ternura, muito devagarinho e adormeceu…





































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